sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Deus e o Estado IV - Bakunin

Tudo isso, nossos ilustres idealistas contemporâneos sabem melhor do que ninguém. São homens sábios, que conhecem sua história de memória; e como eles são ao mesmo tempo homens vivos, grandes almas penetradas de um amor sincero e profundo pelo bem da humanidade, eles amaldiçoaram e estigmatizaram todas estas malfeitorias, todos estes crimes da religião com uma eloqüência sem igual. Eles rejeitam com indignação toda solidariedade com o Deus das religiões positivas e com seus representantes passados e presentes sobre a terra.
O Deus que eles adoram, ou que eles pensam adorar, distingue-se precisamente dos deuses reais da história por não ser um Deus positivo, determinado da maneira que se quiser, teologicamente, ou até mesmo metafisicamente. Nem o Ser supremo de Robespierre e de J.-J. Rousseau, nem o deus panteísta de Spinoza, nem mesmo o deus, ao mesmo tempo inocente, transcedente e muito equívoco de Hegel. Eles tomam cuidado de lhe dar uma determinação positiva qualquer, sentindo muito bem que toda determinação o submeteria à ação dissolvente da crítica. Eles não dirão se ele é um deus pessoal ou impessoal, se ele criou ou não criou o mundo; sequer falarão de sua divina providência. Tudo isso poderia comprometê-lo. Eles se contentarão em dizê-lo: Deus, e nada mais do que isso. Mas então o que é seu deus? Não é sequer uma idéia, é uma aspiração.
É o nome genérico de tudo o que parece grande, bom, belo, nobre, humano. Mas por que não dizem então: o homem? Ah! E que o rei Guilherme da Prússia e Napoleão III, e todos os idênticos a eles são igualmente homens: eis o que os embaraça muito. A humanidade real nos apresenta um conjunto de tudo o que há de mais vil e de mais monstruoso no mundo. Como sair disso? Eles chamam um de divino e o outro de bestial, representando a divindade e a animalidade como dois pólos entre os quais eles situam a humanidade. Eles não querem ou não podem compreender que estes três termos formam um único, e que se os separarmos, nós os destruímos.
Eles não são bons em lógica, e dir-se-ia que a desprezam. E isso que os distingue dos metafísicos panteístas e deístas, e o que imprime às suas idéias o caráter de um idealismo prático, buscando suas inspirações menos no desenvolvimento severo de um pensamento do que nas experiências, direi, quase nas emoções, tanto históricas e coletivas quanto individuais, da vida. Isto dá à sua propaganda uma aparência de riqueza e de potência vital, mas aparência somente, pois a vida se torna estéril quando é paralisada por uma contradição lógica.
Esta contradição é a seguinte: eles querem Deus e querem a humanidade. Obstinam-se em colocar juntos dois termos que, uma vez separados, só podem se reencontrar para se entredestruir. Eles dizem de uma só vez: Deus e a liberdade do homem, Deus e a dignidade, a justiça, a igualdade, a fraternidade, a prosperidade dos homens, sem se preocupar com a lógica fatal, em virtude da qual, se Deus existe, ele é necessariamente o senhor eterno, supremo, absoluto, e se este senhor existe, o homem é escravo; se ele é escravo, não há justiça, nem igualdade, nem fraternidade, nem prosperidade possível. De nada adiantará, contrariamente ao bom senso e a todas as experiências da história, eles representarem seu Deus animado do mais doce amor pela liberdade humana: um senhor, por mais que ele faça e por mais liberal que queira se mostrar, jamais deixa de ser, por isso, um senhor. Sua existência implica necessariamente a escravidão de tudo o que se encontra debaixo dele. Assim, se Deus existisse, só haveria para ele um único meio de servir à liberdade humana; seria o de cessar de existir.
Amoroso e ciumento da liberdade humana e considerando-a como a condição absoluta de tudo o que adoramos e respeitamos na humanidade, inverto a frase de Voltaire e digo que, se Deus existisse, seria preciso aboli-lo.

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