segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Campanha na web

O Popular

POLÍTICA

Polêmica na campanha pela web

Projeto já aprovado na Câmara sobre propaganda na internet causa preocupação a especialistas

Erika Lettry

Instrumento de comunicação cada vez mais usado na política, a internet deverá ter regras específicas no que se refere à propaganda eleitoral. Projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados e que tramita agora no Senado prevê mudanças que incluem a liberação de sites de relacionamentos para a propaganda do candidato, mas também limitações e penalidades semelhantes às já previstas na legislação eleitoral para rádio e TV. A proposta preocupa especialistas da área de comunicação, que alertam para possíveis falhas na aplicação das regras e esvaziamento do debate. Para eles, o texto não leva em consideração as especificidades da rede mundial.

O projeto de lei estabelece a liberação da rede virtual para propaganda de candidatos e partidos a partir de 5 de julho do ano das eleições e a captação de recursos para campanha por meio de cartão de crédito. A utilização de vídeos na internet deverá seguir as mesmas regras da televisão, como a proibição de montagens que ridicularizem a imagem dos candidatos.

A Justiça Eleitoral também poderá determinar a suspensão, pelo prazo de 24 horas, do acesso às páginas da internet que descumpram a lei. As novas regras precisam ser votadas até 30 de setembro e sancionadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva até 3 de outubro, para que possam ter validade nas eleições do ano que vem.

Para o professor da Faculdade de Comunicação da UFG e mestre em Filosofia Política, Daniel Christino, a proposta de regulamentação é importante por resguardar os valores da disputa eleitoral, que na internet são mais difíceis de ser controlados. Mas ele critica o conteúdo do projeto e diz que as soluções apresentadas ainda são insuficientes e não levam em consideração a vastidão do universo da internet.

Como exemplo dessa falta de percepção das diferenças ele cita a exigência de que o endereço da página eletrônica do candidato seja comunicado à Justiça Eleitoral e que seja hospedado em provedor da internet estabelecido no Brasil. “A Justiça não vai conseguir fazer o controle disso, na internet essas questões se perdem. A falta de fronteiras não é levada em consideração no projeto”, acredita.

Como reflexo das limitações impostas pela legislação em estudo, Daniel Christino avalia que pode ocorrer inclusive o esvaziamento do debate político por parte dos internautas, que passarão a temer penalidades ao terem suas opiniões interpretadas como abuso ou propaganda eleitoral fora da época permitida. “As pessoas vão ficar inibidas e com medo de serem processadas. Pode até acontecer o pior: alguém querer opinar e cair na malha fina, porque a legislação é omissa e confusa”, afirma.

Pesquisador do Departamento de Comunicação Social da UFMG, Francisco Paulo Jamil também acredita que a limitação do uso eleitoral da internet traz pontos negativos, como limitar as diferentes potencialidades da web no debate. Para ele, o projeto de lei reflete conservadorismo político e temor de que partidos menores possam emergir na rede mundial e modificar o quadro das eleições. “Há um temor de não se poder controlar o fluxo de informações. Fica mais difícil administrar a imagem pública. Na internet o político pode ter de responder a questionamentos difíceis ou pode ser que uma informação fuja do controle”, afirma.

Sobre a equiparação da internet à TV e rádio, Francisco Jamil diz que impossível se fazer o mesmo controle na web que se consegue nas outras mídias. “Ano passado o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que a internet não podia ser usada para campanha, mas depois descobriu que isso não tem como ser controlado”, explica.

Coordenando na UFG a pesquisa Democracia e Boa Governança Via Websites dos Governos Estaduais, a professora de Ciências Sociais Heloísa Dias considera que a regulamentação da propaganda eleitoral na internet é uma forma de evitar abusos.

Um dos temas abordados no projeto de lei, por exemplo, é o direito de resposta na rede, que deverá ocupar o dobro do tempo da ofensa. “Às vezes as campanhas optam por ataques, mas toda opção de campanha gera custo”, ressalta. “As campanhas acabam se adequando à legislação eleitoral”, observa Heloísa Dias.

Principais pontos do projeto que regula a campanha eleitoral pela internet

- Determina que, a partir do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições, os candidatos poderão fazer campanha pela internet. A liberação inclui blogs e redes de relacionamento como Orkut e Twitter.

- Permite que a rede mundial de computadores seja utilizada para captação de recursos para a campanha, por meio de cartão de crédito.

- O endereço da página eletrônica (URL) deverá ser comunicado à Justiça Eleitoral e a página terá de ser hospedada em provedor de internet estabelecido no Brasil. Não poderão estar nas páginas de empresas, entidades da administração pública, federais, estaduais ou municipais. A multa para quem descumprir essa determinação será de R$ 5 mil a R$ 30 mil.

- À mesma multa está sujeito quem vender cadastros de endereços eletrônicos.

- Liberada a propaganda por meio de mensagens eletrônicas. Essas mensagens deverão dispor de mecanismo que permita seu descadastramento pelo destinatário, que deverá ser feito em, no máximo, 48 horas. Caso contrário, será cobrada multa de 100 reais por mensagem.

- Fica proibida a veiculação de propaganda paga na internet.

- A utilização de vídeos na internet deverá se sujeitar às mesmas normas já aplicadas à propaganda política na TV e rádio, como a proibição de montagens que ridicularizem a imagem de outro candidato ou partido.

- Provedores de internet poderão realizar debates entre os candidatos, cujas regras deverão ser aprovadas por pelo menos dois terços dos candidatos às eleições majoritárias ou dois terços dos partidos ou candidatos às eleições proporcionais.

- A Justiça Eleitoral poderá determinar a suspensão, por 24 horas, do acesso às páginas da internet que descumpram a lei, a partir de reclamação de candidato, partido ou coligação. A cada reiteração de conduta, será duplicado o período de suspensão. Durante a suspensão, a página deverá informar que se encontra temporariamente inoperante por desrespeito à legislação eleitoral.

- Caso seja concedido o direito de resposta pela internet pela Justiça Eleitoral, este deverá ocupar o mesmo espaço, horário e tamanho da peça considerada ofensiva, por pelo menos o dobro do tempo em que esta esteve disponível.


Lideranças goianas elogiam proposta

Lideranças políticas goiana ouvidas pela reportagem fazem poucas ressalvas ao projeto de lei que trata da propaganda eleitoral na internet. O presidente da Câmara de Goiânia, Franscisco Vale Júnior (PMDB), ressalta que a lei deve democratizar mais as campanhas. “Antigamente o candidato só podia ter site oficial e com data para terminar. Agora vão ter outras ferramentas. É preciso liberar o máximo possível, porque a internet pode ser usada por quem tem condições financeiras e por quem não tem.”

Para o vereador, a previsão de direito de resposta na web pelo novo projeto é um dos avanços na regulamentação. “O direito de resposta é democrático, mas sei que na internet ele se complica, pois ela é muito dinâmica. Mas é preciso tentar regular”, diz.

O deputado estadual Mauro Rubem (PT), a exemplo do vereador peemedebista, também destaca o aspecto democrático do projeto que tramita no Senado. “A internet é um recurso mais barato, que dá equilíbrio para a disputa eleitoral. As eleições ainda não dão condições iguais”, cita, lembrando que no rádio e na TV o tempo de exposição dos candidatos não é igual para todos os partidos.

O deputado federal Sandro Mabel (PR) lembra que o projeto é alvo de críticas, mas acredita que ele já é um avanço nas discussões sobre o tema. “É difícil controlar o que é divulgado na internet, mas começar a se criar alguns critérios é bom. É melhor do que ficar sem nada.”

A senadora Lúcia Vânia (PSDB) – que participou de audiência pública em comissões do Senado para debater o tema – também considera que o projeto ainda é superficial e precisa ser melhor avaliado antes de ir para votação. “O projeto é um avanço dentro das regras para eleição. Melhor ele, que não é completo, do que nenhum. Utilizando este meio é que vamos ver onde há abusos.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário