sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Batista Custódio





Opinião

Os sinos da hora final - Parte 2

Batista Custódio
01 de Outubro de 2010 

Esses botucados mal letrados maçarocados nas ideias belicosas merecem receber cachês trocados entre ambos, pois um é a fatura do outro, paga sempre pelos povos dos guichês de oferta da liberdade nas promoções do totalitarismo. Se as pontas rebaixadas de votos no PT não pressentem que o Lula vem navegando há anos das ilhas da pirataria do demagogismo ideológico para o continente das lideranças humanistas, seria exigir demais que esses sonambulistas enxergassem em sua fantasmagoria o realismo que o presidente do Brasil está vendo acordado.

Baniram-se do eleitorado. Exilaram-se nos confins do postergado e perderam a marcha histórica das classes sociais subindo na qualidade de vida. E criou-se nova doutrina de revolução, que, se antes era fermentada nos bolsões dos excluídos, agora é fomentada nos borbotões dos incluídos, cujas duas massas estão formadas atualmente sobre o mesmo bolhão popular. Portanto, não se faz mais revolução dando bens de consumo aos que não possuem e, sim, tomando dos que receberam.

Petistas, que se mantêm recosturando os remendos do esquerdismo rasgado por Lênin, Gorbachev e Fidel, cuidem-se de despirem da fantasia de que é do PT a popularidade. Não é do partido. É do presidente Lula. A leitura que fazem das causas sociais não está nas páginas do livro Perestroika ou na autocrítica da Revolução de Cuba e os estende do início ao fim em Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo. A razão não busca a solução nos conflitos classistas, mas procura a solução pacífica para o crescimento econômico harmonizado em todas as tendências da sociedade. A amotinação seria o acasalamento do esquerdismo com o nazismo em todas as letras do livro Minha Luta, de Adolf Hitler, que escreveu, em 1925, a página que viria a ser, de 1939 a 1945, o relincho da Besta do Apocalipse.

Esses aloprados que permanecem parasitados na gigolagem da proteção pública estão destroncados na cabeça do povo, uns piabinhas, outros tubarões, debatendo-se aos safanões para se salvarem nas malhas da corrupção trazendo de arrastão das cevas de todos os partidos políticos os cardumes, ora de piranhas vorazes do PT, ora de bagres ensaboados do PMDB, ora de candirus indecentes do DEM, ora de pirararas gordas das locas do PP, ora de jacarés com o rabo já comido por ariranhas nas praias do PSDB, e, vez por outra, arpoam-se dos fundos das águas dos pequenos partidos de aluguel para a tona matrinxãs fisgadas nos anzóis da ficha-limpa. E assiste-se com as guelras de fora muitos dos filhotes que aparentavam bonitos mostrarem-se feiosos nas piraíbas, como se nesse peixe estivessem simbolizados nos jovens que combatiam a corrupção os velhos que estão neles atacando de corruptos.

E come-se corrupção à direita.

E come-se corrupção à esquerda.

Aliás, antigamente a corrupção era mais criativa. Atualmente está muito monótona. Perdeu a audiência da repercussão. Urgente uma ampliação de mercado. Talvez um marketing providencial fosse a extinção da Lei da Ficha Limpa para os eleitores, para as autoridades dos Três Poderes da República, para a mídia, para os banqueiros, para os empresários, para as entidades patronais e sindicalistas, para as cooperativas, para as igrejas e para os chefes de família. A trapaça está generalizada. Deu-se uma espécie de peste moral de contágio geral.

O ser humano é movido pela angústia congênita no sentimento em todas as pessoas de se realizarem conforme a vocação inata em cada um no seu valor próprio. Tantos possuem o dom de comandar. A maioria traz o temperamento dos comandados. Em uns, o contentamento de construir. Em outros, a satisfação de criticar. Os que criam e os que copiam. Os que produzem e os que consomem a produção. Os ladrões e os roubados. Os ignorantes e os néscios. Os gênios e os idiotas. Os humildes e os arrogantes. Os alegres e os tristes. Há até os que nascem para explorar o semelhante e os que vivem para ser explorados pelo próximo. E assim caminha a Humanidade desde que o Mundo é Mundo.

Mas há os que vivem do lado de fora do povo. Os enferrujados no ferro-velho das ideias jogadas nos taperões ideológicos, quais carnegões que ficaram secos na carne do tumor já com o pus purgado, apregoando o inchado do organismo do Estado, como se no seu desejado estivessem as vontades de todos. Poderia até ser. Se tivessem recebido de Deus a onipotência de poder criar no Planeta gente diferente das pessoas existentes na Terra.

Todavia, as variantes de personalidade são infinitas e explicam a presença desses tipos da patologia ideológica. Como há os que assaltam bancos, há também os que roubam a verdade e vendem-na em esperanças mentirosas. A ideologia dos povos é das liberdades públicas em todos os milênios. Não há independência política nas nações se não existe independência econômica das pessoas.

AS mudanças históricas são peças ajustadas nas engrenagens que movimentam as rodas da evolução na máquina dos tempos. Macktub. E só os predestinados possuem a antevisão dos acontecimentos reformadores e os assumem à frente de suas épocas. Os limitados ao alcance dos olhos não percebem que são meros instrumentos dos fatos, julgam-se seus condutores e permanecem parados como se os episódios se detivessem girando à volta deles.

Toda a Terra está viajando na internet e uma penca de líderes goianos continua nos mausoléus do passadismo lá muito atrás do antes das caveiras dos primeiros macacos. Caruncharam nos idos. Foram atropelados pelo contemporâneo. Envelheceram nos discursos. Exibem-se enrugados no perfil político. Estão fora de moda no repertório das metas. Esquivam-se fugitivos das prioridades de obras que os levaram no bolso para a gaveta das empreiteiras. Ficaram mais ricos que as milionárias.

A questão nem está no ato das corrupções. O problema é o fato de serem burrões. Fazem a enganação da pobreza exteriorizada na riqueza interiorizada. Os eleitores fazem a tapeação de estar acreditando nos que estão dilapidando. Cometem erros de ortografia até na pronúncia das palavras nos discursos dos comícios, com os braços retesados à esquerda e as mãos acenando à direita.

A árvore genealógica dos chefões políticos virou mata fechada de madeira fraca. A familiocracia está de cozinha instalada enchendo a barriga com os votos deles nas praças públicas. A amigocracia está de dispensa montada nos negócios públicos canalizando sinecuras para duas torneiras, uma gotejando para os parceiros, outra pingando para eles. Há mais lavanderias de dinheiro que máquinas Brastemp lavando roupas nas casas de Goiânia.

As palavras nas linhas do romantismo, os atos nos correntões do materialismo, vão se soltando cada vez mais do rosário dos sonhos e prendendo-se sem volta aos grilhões do mercenário. Promiscuem-se no resvalo das alturas nobilitadas para as baixezas rastejadas tardiamente. Rolam nas rabeiras do instante no temporário, eles ainda patinando atolados nos esquecidos antanho, os moços já cruzando as dobradas abertas no porvir, quando uma explosão de alvoradas vem derrubando todos os horizontes ultrapassados. É o incêndio das luzes de Deus queimando a escuridão moral dos hipócritas que se falseiam à verdade.

Já é manhã nos dias do novo nas noites velhas. Aqueles tempos passaram. Todos viram. Só a classe política não viu. Os eleitores não mudaram. Os candidatos é que mudaram. Permanecem engastalhados nas coivaras que estão rodando do apogeu roto na enchente das mudanças, e serão afogados no naufrágio se continuarem agarrados aos cacos dos destroços e não nadarem para o continente da modernidade.

É sábio reconhecer a hora de sair de cena na fama.

O estádio está lotado. Os torcedores amam o Pelé. Mas o Pelé está fora de forma. Perdeu o gingado dos dribles. A força das arrancadas enfraqueceu. O reflexo rápido nas oportunidades de gol não há mais. Foi-se no prélio dos anos a habilidade de receber correndo o passe, matar a bola parada no peito, rolá-la nas pernas para os pés e dar o chute certeiro que deslocava o goleiro. Aposentou as chuteiras e saiu de campo, carregado pelos fãs das suas jogadas fenomenais e ovacionado como ídolo pelos jogadores que o sucederam na transição natural da evolução, muitos inspirados em sua liderança que abriu espaço para o futebol aos novos atletas. E consagrou-se como o Rei do Futebol, coroado como o Atleta do Século, o XX, mas per omnia saecula saeculorum, amen.

O ato de Pelé abandonar o futebol com o nome por cima nas bilheterias cheias no estádio foi o lance mais genial das jogadas que o imortalizaram na memória das gerações. Pelé não jogava futebol como esporte, mas como ciência.

Esse é o jogo da vida na maestria do sucesso em todas as atividades humanas, para o empresário, que Economia é Ciência Calculada, e para líder popular, que Política é Ciência Exata.

Os políticos devem deixar de concorrer nas eleições com as urnas cheias de votos na candidatura, antes que comecem a se esvaziar, pois, quando ficam vazias, ficam também com aquela mesma tristeza das urnas mortuárias. Pior. Com o defunto vendo o início de seu velório político. E melhor. Com um berço cheio de nova vida. Que o Pelé entrou nele para a História.

(Jogo do Santos e Botafogo. O estádio veio abaixo nos pés de Garrincha e Pelé. Garrincha driblou um, driblou dois, driblou três, driblou quatro, driblou cinco. Súbito, Garrincha parou. De repente, Pelé estava de pé à sua frente. Garrincha olhou para Pelé... e rolou a bola para os pés dele.

Pelé olhou para Garrincha... e chutou a bola para a arquibancada.

Garrincha deu, ali, o drible maior de que os fenomenais que deixavam os goleiros caídos na área, driblados: driblou a paixão dos botafoguenses e dos santistas e matou o coração deles no peito.

Pelé marcou, naquele momento, o seu gol de placa maior que os registrados nos placares: balançou as redes da História, com os torcedores dos dois times mudos... até sair o grito de gol na garganta, como se cada um de todos o tivesse marcado.

Só os gênios fazem o épico.)

Leonino Caiado iluminou-se da intuição desse juízo político.

Nion Albernaz tem essa percepção na política.

Saíram por cima do prestígio no alto do poder.

POLÍTICA é Ciência da Filosofia. Não é arte da demagogia. Não é esporte do oportunismo. Política é a música do pensamento na canção do sentimento. O líder é um construtor de povo nos monumentos à liberdade e não o braçal erguedor de torres no tijolo. Política é o voo das almas nas ideias e o pouso na cabeça dos estadistas.

O resultado positivo ou negativo, naturais na ação e reação das matérias, depende da dose dos elementos da dialética política usada na composição das essências da química e nas substâncias da física para se obter o efeito na lógica do determinismo histórico nos movimentos humanos. Os que violentarem a coerência dos princípios éticos na política, traem a confiança de Deus ao abusarem da força dos poderes terrenos que lhes foram concedidos, serão deserdados das graças divinas, e cairão esmagados como Sansão pelas colunas que derrubou no templo Dagon, da cidade de Asdade, na Planície da Filistia, hoje nos Montes de Israel.

A política de Goiás está um quadro borrado das cores apodrecidas detrás dos tempos sepultados. Qualquer hora dessas vai sair fantasma andando das catacumbas nas cabeças de candidatos nessa campanha eleitoral.

A sucessão estadual cavuca as eras soterradas nas escavações do antiquado.

Nos terreiros do poder, desenterram ódios e ressalgam com o rancor causticado na malignidade exaltante na venenosidade das vinditas esfomeadas de devorar honras inocentes, como se, assim, vingassem-se da falta de honorabilidade própria. Tem-se conhecimento de que houve antes governo corrupto. Sabe-se agora que há governo bandido.

Nos fundos da oposição, os primórdios dos hábitos mal acostumados na prática continuísta do mandonismo feudal são relidos nos epitáfios do coronelismo político e recitados com o bafo das hostes mumificados para as gerações nascentes ouvirem daqueles que nunca quiseram escutar o clamor das mudanças na voz dos moços. Soube-se de reinados dos cabrestos políticos nas quadras dos currais eleitorais que vaquejavam o povo para o voto nas urnas como se toca gado para o tronco. Tem-se conhecimento de que há um rei do gado apertando a barrigueira do arreio para não cair do cavalo no campeio dos votos esguaritados e segura firme na rédea para o trotado na apartação do rebanho eleitoral ir a galope às manadas para as suas porteiras e se montar nos rodeios do poder.

NOS potentados do autoritarismo, o mal inocula-se no bem e inferniza os poderosos fracos com a bactéria da arrogância e leva-os a ver e a falar com fantasmas nos delírios das febres de vaidade e podem até morrer de medo dos espectros que estão dentro de si, como o diabetes mata o doente mordendo-o com a própria boca dele.

A ruindade do atual desatualizado governo de Goiás só pode ser uma trapaça da má sorte no destino do povo goiano.

Para chegar onde está o governo de Alcides Rodrigues é preciso cavar uns quatro séculos de retrocesso para se aproximar da estagnação vizinha ao caos e um pouquinho antes das minas do ódio. A operosidade do Plano de Metas é regulada ao dinamismo encolhido de lesma recolhida no caramujo. A velocidade na execução das obras é cadenciada ao ritmo de tartaruga manca. Na fauna não há nas espécies vivas uma que sirva de comparação ao ar no olhar de perdido no tempo do governador, porque não existe nas criaturas com asas, das aves aos insetos, nenhuma que voa de fasto.

O fado, que pousou no ninho do poder e pôs o governador na gaiola do governo, era bruxo incorporado na praga de uma ave negra. Caso ouça a consciência se perguntar na curiosidade de Sua Excelência se haverá outro descuido da fatalidade política agourando o seu retorno ao governo de Goiás, poderá escutar a resposta do Corvo, de Edgar Allan Poe, tradução de Fernando Pessoa, soletrando o poema em sua última noite no Palácio das Esmeraldas e no nunca mais do sempre:


Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,

Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,

E já quase adormecia, ouvi o que parecia

O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.

"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

É só isto, e nada mais."



Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,

E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.

Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada

P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -

Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

Mas sem nome aqui jamais!



Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo

Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!

Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,

"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;

Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

É só isto, e nada mais".



E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,

"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;

Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,

Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,

Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

Noite, noite e nada mais.



A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,

Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.

Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,

E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -

Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

Isso só e nada mais.



Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,

Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.

"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.

Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."

Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

"É o vento, e nada mais."



Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,

Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.

Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,

Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,

Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

Foi, pousou, e nada mais.



E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura

Com o solene decoro de seus ares rituais.

"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,

Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!

Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."

Disse o corvo, "Nunca mais".



Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,

Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.

Mas deve ser concedido que ninguém terá havido

Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,

Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

Com o nome "Nunca mais".



Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,

Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.

Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento

Perdido, murmurei lento, "Amigos, sonhos - mortais

Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".

Disse o corvo, "Nunca mais".



A alma súbito movida por frase tão bem cabida,

"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,

Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono

Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,

E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais

Era este "Nunca mais".



Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,

Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;

E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira

Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,

Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

Com aquele "Nunca mais".



Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo

À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,

Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando

No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,

Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,

Reclinar-se-á nunca mais!



Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso

Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.

"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te

O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,

O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".



"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!

Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,

A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,

A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais

Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

Disse o corvo, "Nunca mais".



"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!

Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.

Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida

Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,

Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".



"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!

Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!

Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!

Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!

Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".



E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda

No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.

Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,

E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

E a minhalma dessa sombra que no chão há mais e mais,

Libertar-se-á... nunca mais!



Fatalmente, o canto do corvo criará no subconsciente alcidesvarios do vulto do remorso. Se pesquisar a história de Bonaparte se deparará de frente com o pesadelo no seu arremedo de biografia.

Formou-se uma aliança entre a Inglaterra, a Rússia, a Áustria e a Prússia. Embora Napoleão contasse com bisonhos recrutas (os Maria Luisa, que podem ser trazidos para maria-vai-com-as-outras), obteve memoráveis vitórias.

Mas Paris foi ocupada pela base aliada, graças à traição do marechal Auguste Frédéric Louis de Marmont. O espectro que remorsea a Alcides é a identidade com Marmont e a voz que lhe dói no inconsciente figura Marconi Perillo no grito de Napoleão Bonaparte:

– Marmont! Um verdadeiro traidor, por que não morres?!...

Alcides Rodrigues é possuído no temperamento pessoal pelo tormento da insegurança interior e projeta-a na personalidade do governador. Um amigo de insuspeição à mostra na fidelidade e identificado com ele até na vocação como colegas na profissão de médicos confidenciou-me:

– Alcides é honesto. A falha de sua natureza é o caráter da indecisão. Se o auxiliar perguntar ao governador se as paredes do prédio em reforma devem ser pintadas de verde ou de amarelo, ele evasiva-se para o mutismo da dúvida e pede tempo para pensar. Mas se o assessor for incisivo e disser que as paredes serão pintadas de verde, a autorização é dada no ato. Jorcelino é compulsivo na ousadia de determinar. Ordena, atrevido. Alcides está refém do Braga. O governador não fez uma reunião sequer do secretário durante o seu mandato. O ex-Sefaz manda o que todos os secretários devem fazer.

A eminência parda do alcidismo, tateando no lusco-fusco da maquiavelice chula, manipulou fórmulas a seu bel prazer nos elementos de combustão. O efeito detonou a unidade da base partidária. O desbragado noviço no ofício de articulador explodiu o laboratório político do governo estadual e terminou jogado pelos ares. Tosquiado no incêndio que armou na Sefaz, reduziu-se a cinzas na fogueira dos políticos governistas. Requentado, caiu num gabinete do Palácio das Esmeraldas. Será mantido em conserva até ficar no ponto de ser fritado e servido como prato do dia logo após o estrondo da derrota do governo.

O conhecimento do ex-Sefaz vai a menos de 1 milímetro da ignorância em matéria política e a resistência no tempo de leitura dura o lapso de um bocejo. Se já tivesse pelo menos dois palmos de livros na erudição, não teria cometido o desastre político que reduziu a cacos o baseado eleitoral do governo. Jamais adicionaria todo o ódio estocado na estufa na patológica entubada na megalomania e juntado às porções maciças, rábias nas fermentações da raiva à física dos componentes dinâmicos da vindita, pois os estragos da irradiação são de duração imprevisível no sentimento das pessoas atingidas, como o césio-137 no espaço e no tempo quando uma de suas cápsulas rompe-se por acidente, ou como permanecerá vagando nos anos de Alcides Rodrigues a bolha de ódio que se soltou do seu governo. O resultado imediato instantâneo já respingou na candidatura oficial do sucessor. Por enquanto serão pingos gotejando nos telhados da Casa Verde. Mas os jatos de esguichos jorrarão após a descida nos degraus do poder para o aberto na planície.

As multidões retiraram o povo dos políticos. Os candidatos estão juntando eleitores à força nos comícios. A emoção popular desencantou-se nos votos. Há um frio no calor de antes nos aplausos aos palanques, onde o derramamento de ódio dos oradores foi-se empoçando nos eleitores. A opinião pública está com as feridas do lado de fora das suas dores sociais e pede um unguento de amor nas cicatrizes da paz. O povo sozinhou-se no abandono dos políticos. Tal a força de contágio que não é de se espantar se a contaminação da descrença fizer até candidato não votar em si próprio.

O candidato do governador Alcides Rodrigues a seu sucessor, o empresário Vanderlan Cardoso, se Senador Canedo não fosse município, mas o Estado de Goiás, estaria cabeça a cabeça com os candidatos campeões de votos nessa campanha eleitoral.

Teria possibilidade de ser eleito se não houvesse dois motes contra ele: um da pessoa, outro do candidato, na tendência de votos.

O mote político é o ato de a candidatura do Vanderlan ser do governador. E o palanque que Alcides Rodrigues cairá derrotado não será apenas o do Vanderlan Cardoso, mas o do próprio Marconi Perillo ou também o de Iris Rezende.

O mote particular é o fato de Vanderlan ser empresário. A política virou um comércio nos mandatos eletivos. As contas do materialismo e as contas do romantismo não fecham na contabilidade dos mesmos valores. Os saldos têm peso ao inverso nos pratos da balança que mede os valores: para o materialista é a riqueza vendável e comprável a preço de mercado, e para o visionário é a pobreza inalienável e intransferível à custa do sonho.

O materialista e o romântico são igualmente importantes para se estabelecer o equilíbrio da vida, mas cada qual dedicado ao seu mundo, porque são dois mundos diferentes no mundo de ambos: o idealismo do empresário mata o ideal do poeta, e o do poeta morre no do empresário. São vocações diferenciadas nas aptidões. O talento, distinto na inteligência. A habilidade, separada na competência e na eficiência. Há os superdotados, raros. Existem os comuns que procuram superar os limites das suas dotações. Eu, por exemplo, não necessito do jornal para viver e preciso do jornalismo para a Vida. E sei que é tentar fazer o impossível nesse tempo, mas sempre soube nas minhas épocas que eu cumpria no tempo delas o que virão realizar os próximos tempos que não estarei mais aqui para vê-los. Sempre tive a consciência de perceber que dependia de mim, no presente, seguir para as tardes do ontem, ou ir para a alvorada das manhãs. As então trombadas com meus amigos não são no plano da estima a eles, mas na dimensão do desencontro das ideias.

O Brasil carece mais de uma oposição brilhante, apostolada no idealismo das lutas, honrada no que diz e faz, do que de governo competente na demagogia das obras físicas, eficiente no disfarçado de prioridade na eficiência do oportunismo. A não ser no evangelho da coerência, os oposicionistas passam a competir com o que combateram quando estão no governo e, os situacionistas, passam a criticar o que realizaram e a elogiar o que discordavam quando eram oposicionistas.

O oposicionismo e o governismo se fundiram no poder. É-se oposição ou governo, ou no municipal, ou no estadual, ou no federal, e quase sempre com os líderes canalizados para a corrupção nos mandatos populares nos leitos das ideologias políticas, das teologias religiosas e nos berços dos alargados do estuário empresarial. O fato econômico assumiu o fato político, assumiu o fato científico, assumiu o fato religioso, assumiu o fato filosófico, assumiu o fato intelectual e tomou conta do ato social em todas as tendências da dominação individual sobre o coletivo.

As multidões vêm raleando-se seguidamente nos comícios nos últimos anos. A popularidade tirou o calço do prestígio nos candidatos. O povo sabe que por baixo desses poucos barrados pela Lei da Ficha Suja medra um derrame de ditos fichas-limpas no fichário dos que serão eleitos e estão com a folha corrida escrita nas páginas da corrupção.

E corrupção não é apenas roubar a arrecadação dos impostos nos desvios de recursos para as obras, mas é também, e muito mais, vender as esperanças dos eleitores nas ideias falsas.

E corrupção não é somente assaltar bancos ou se locupletar da dinheirama do que era o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDS) e acrescentou o E (de Econômico) e criou-se o providencial para a sangria dos investimentos dos grupos político-empresariais desbaratarem nas infiltrações de engorda da corrupção, mas é também, e muito mais, os parlamentares eleitos batendo nos juros e aprovando-os com seus votos em plenário.

E corrupção não é apenasmente o caixa-2 financiar campanhas eleitorais, mas é, e muito mais, o caixa único que financia nos partidos do oportunismo encapado na fisiologia de coerência com a convicção partidária. Quem rompe, não adere.

E corrupção não é unicamente ser honesto nas coisas do dinheiro, mas é, e muito mais, o candidato continuar vestido no seu atraso cultural e vendê-lo na vitrine do conhecimento no balcão dos palanques eleitorais.

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