terça-feira, 22 de junho de 2010

Você votou em quem?







POLÍTICA





Cileide Alves


Crise de representação política

A falta de identidade entre o cidadão e o parlamentar é o grande problema do Parlamento brasileiro. O eleitor não se sente representado mesmo no dia seguinte à eleição em que, teoricamente, escolheu seu deputado ou seu vereador. O principal sintoma dessa ausência de identidade é a falta de memória a respeito do nome do candidato em quem se votou nas eleições proporcionais. Poucas pessoas conseguem se lembrar de seu candidato nas últimas eleições. Há um desligamento entre a representação e o representado.

E assim vem funcionando o Parlamento do Brasil: o eleito finge que representa o eleitor e este nem se dá ao trabalho de fingir que se sente representado. Chamado obrigatoriamente às urnas, ele cumpre o ritual mecânico de dar o voto em alguém que mal sabe quem é e que, por isso, nunca se lembrará nem cobrará nada.

Apesar de não representar o grosso de seu próprio eleitorado, não é correto afirmar que o parlamentar representa a si próprio. A grande maioria representa os esquemas que o elegeram e por estes vão trabalhar no Parlamento. Está aí, portanto, a grande falha do sistema político-eleitoral nas eleições proporcionais: parlamentar eleito com o voto do povo trabalhará para os grupos que o elegeram.

Essa deficiência é a raiz do distanciamento de deputados e vereadores de seus eleitores. O remédio para essa crise na representação passaria necessariamente pela reforma do sistema político-eleitoral brasileiro, a tão falada, mas nunca executada, reforma política, que não se viabiliza porque esse sistema atende aos interesses de quem dele se beneficia, já que o outro lado, a maioria do eleitorado brasileiro, não reclama. O sistema resiste bravamente por conta dessa omissão.

As eleições para deputado federal e estadual neste ano estão sedo preparadas neste contexto. O processo de construção de candidaturas majoritárias (a escolha de um candidato a governador, a definição de alianças, a formação da rede de apoiadores) tem sido mais transparente. Claro que muita coisa acontece nos bastidores, longe do olhar do eleitor, especialmente os acertos de composição de chapas com partidos aliados, mas ainda assim é mais transparente do que o processo de construção de candidaturas proporcionais.

O meio político já consegue saber quais são os pré-candidatos a deputado federal e estadual com chances de vitória. E não porque seus nomes foram apurados em pesquisas quantitativas sobre intenção de voto, mas pelos esquemas que montaram. A chance de vitória de um pré-candidato a deputado federal é, portanto, proporcional aos esquemas político-financeiros que ele construiu em torno de si, ressalvadas, claro, as exceções. Não por acaso, os 13 pré-candidatos que correm o risco de ficar inelegíveis em Goiás com a Lei Ficha Limpa são acusados de gastos ilícitos nas campanhas.

Em função desse quadro, muitos políticos desistem de disputar a eleição. Ex-prefeito de Petrolina (PE) por dois mandatos, Guilherme Coelho (DEM), prestou um depoimento num evento político em São Paulo que ilustra essa realidade: "Queria me eleger deputado federal e passei um ano andando pelo sertão de Pernambuco, conversando com líderes partidários, vereadores e prefeitos. Perguntava as necessidades do município e sempre ouvia o seguinte: ‘Isso a gente deixa para depois da eleição. Agora vamos falar sobre o que o senhor tem para me oferecer’. Aí eu desisti", relatou o descrente ex-prefeito, também réu em ação proposta pelo Ministério Público Eleitoral de seu Estado.

O meio político não chama isso de compra e venda de apoios eleitorais, prefere o eufemismo "acordos eleitorais". Por essa linguagem, os acordos já realizados permitem os partidos fazer uma previsão de quantos e quem se elegerá. A chapa do PSDB desidratou-se em relação à coligação de 2006. Na época aliado ao PR e ao PP, o grupo elegeu oito deputados federais. Neste ano, coligado apenas com PTB e outros partidos pequenos, a chapa de apoio a Marconi Perillo pode ficar menor, de cinco a seis deputados federais, sem a participação do DEM, e de sete a oito em caso de coligação com os democratas.

O restante das 17 cadeiras de Goiás na Câmara dos Deputados seria disputado pelos outros dois grupos políticos, o PMDB e o governista PP/PR. Essa matemática da eleição proporcional interfere também na composição das chapas majoritárias, embora pouca gente se atente para isso. O vaivém do PSB entre a chapa de Iris Rezende e a de Vanderlan Cardoso, por exemplo, tem muito a ver com essa questão.

Nesses dez dias que ainda restam para realizações de convenções, o interesse das chapas proporcionais pesará nas definições de alianças que estão sendo negociadas. E mais uma vez o que será levado em conta serão os interesses dos candidatos com maior estrutura político-financeira e não a intenção de agradar ao eleitor, já que este continuará fora do processo eleitoral. Mais uma vez o eleitor caminha para referendar nas urnas o sistema eleitoral que sustenta a crise de representação política brasileira.


Coluna publicada em 21/06/2010

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