segunda-feira, 6 de setembro de 2010

PMDB quebrou a Caixego!

Diário da Manhã

Política & Justiça

Os coveiros da Caixego
Livro de ex-funcionária, de 2002, narra a história de dor, sofrimento, tragédia e corrupção no processo de fechamento do banco goiano e antecipa Os coveiros do BEG. Autora afirma que liquidação foi um trauma para os funcionários 

Da Redação 

Entre as belas e ricas páginas da história política de Goiás há muitas cujas marcas são inesquecíveis. Umas, pelos momentos de orgulho e contentamento cívico, como a resistência à intervenção militar liderada por Mauro Borges junto a uma multidão na Praça Cívica, em 1967. Outras, pelo sofrimento causado a milhares de famílias, como o fechamento da Caixego, em 1990, que deixou 3,5 mil funcionários e seus familiares em profunda amargura. 

O relato sobre o processo de fechamento da Caixego, em 1990, e a luta inglória de seus funcionários para tentar reverter a liquidação decretada pelo Banco Central na época está no livro Fim de festa, lançado em 2002 pela poetisa e escritora Zulma Bessa, que trabalhava na administração de Recursos Humanos da caixa estadual. De forma clara, ela conta os sofrimentos, as tragédias causadas pela liquidação do banco e aponta os responsáveis pela decisão. Devido aos pontos semelhantes da história e, especialmente, seus articuladores, o título Os coveiros da Caixego seria adequado, em uma analogia à publicação lançada recentemente, nominando os “coveiros do BEG”. 

O responsável pelas medidas para acabar com a Caixego foi o “Ministro”, apelido dado por Zulma Bessa a Iris Rezende, que era ministro no governo de José Sarney e foi mantido por Fernando Collor de Melo, apelidado no Fim de festa de “Provedor de Malefícios”. O próprio Collor, com seu Plano Cruzado catastrófico, e o presidente do Banco Central, Ibrahim Éris, o “Estrangeiro”, são os dois outros apontados entre os principais coveiros da Caixa Econômica do Estado de Goiás. O “Batalhador”, apelido do então governador Henrique Santillo, segundo conta Zulma, se esforçou de todas as maneiras para impedir o fechamento do banco, mas seu rival, o “Ministro”, tinha mais força e saiu vencedor. 

O resultado da liquidação da Caixego foi um prejuízo de cerca de R$ 465 milhões aos cofres do Estado, muitas histórias trágicas,  servidores endividados e sem  emprego, atraso no desenvolvimento econômico, além de muita revolta e tristeza daqueles que ficaram totalmente desamparados e sem apoio dos governos de Iris e Maguito Vilela, que sucederam Henrique Santillo. 


Perseguição 

O motivo central do fechamento da Caixego, segundo relata a história contada no livro pela testemunha vivencial do processo, teria sido a perseguição de Iris Rezende a Henrique Santillo. O “Ministro” jamais haveria perdoado Santillo por este ter votado em Ulysses Guimarães, contra Iris, na convenção do PMDB que escolheu o candidato do partido à Presidência da República. Daí por diante, o cacique peemedebista teria encetado uma meta: destruir o político Santillo, incluindo sua administração. 

“O banco estava vivendo um período de prosperidade. Há três anos saíra do vermelho e os balanços acusavam lucros”, informa o livro. Durante as comemorações de 25 anos de fundação, o presidente do Banco Central chegara a elogiar a sua diretoria, pois a Caixego sequer recorria a empréstimos oficiais. Mas vieram o novo governo e o Plano Collor, retendo tudo que fosse depósito e movimentação bancária. O “Ministro” goiano foi mantido na equipe, “parece que se identificou com o jeito de administrar do novo presidente.” A partir daí, todo o sistema financeiro entrou em crise e em Brasília tiveram início as articulações para fechar o banco goiano, decisão cujo maior interesse seria a“intenção de acabar com o Batalhador.” Todas as propostas apresentadas por Santillo e a equipe que administrava a Caixego foram rejeitadas em Brasília, inclusive a união dos dois bancos estaduais em um banco múltiplo, ideia que chegou a ser aprovada pela ministra “Mal-amada”, ZéLia Cardoso de Melo. Mesmo assim, foi decretada a liquidação em 19 de setembro de 1990. “O fechamento do nosso banco foi forjado. No dia em que o fecharam, havia outros 37 bancos em situação igual ou pior, aí vieram os liquidantes e fizeram um balancete que procurava uma situação contábil para o fechamento”, narra o livro. No balanço, segundo conta Zulma, consideraram dívidas não estabelecidas,que estavam em discussão na Justiça, e desconheceram créditos relativos à casa própria junto à Caixa. 

Histórias dignas das tragédias gregas são lembradas, de passagem, em Fim de festa. A crise provocada nos bancos pelo plano do “Provedor de Malefícios”, seguida do processo de liquidação, deu origem a suicídio, ataques cardíacos, mendicância e queda nos vícios. Um funcionário dos Correios que havia vendido um imóvel para comprar outro teve o dinheiro retido, ficando sem dinheiro e sem casa. “Um dia pulou de um edifício bem no Centro da cidade...”, narra o livro. Outros tiveram infarto e morreram. 

Zulma Bessa conta ter visto, várias vezes, um ex-funcionário da Caixego vendendo cocô de plástico. Ela fazia que não o reconhecia, e ele a ela, para evitar constrangimentos. Outro, andando muito conturbado, foi atropelado, fatalmente. Há histórias de outros ex-colegas dela que caíram no vício da bebida ou viraram mendigos. Houve ainda, segundo o relato, muitos casos de famílias degringoladas diante das dificuldades, já que cessaram os salários e os acertos atrasados ninguém conseguia receber da massa falida. 

O descaso de Iris

Desolados pela perda do emprego e sem conseguir sequer ser recebidos pelo liquidante, os desempregados da Caixego se organizaram em um movimento de defesa de seus interesses e pela recuperação do banco, por meio de muitas assembleias, passeatas, articulações, orações e contatos com políticos. Ganharam a opinião pública e apoio dos veículos de imprensa. Em uma passeata pelo Centro de Goiânia, receberam chuvas de papel picado em solidariedade. O livro conta que na Assembleia havia muitos apoios, ressaltando o “Deputado da Camisa Azul”, alcunha de Marconi Perillo, e a “Deputada da Esquerda”, Denise Carvalho, ambos sempre prontos para ajudar. 

O governador “Batalhador” chegou a aprovar na Assembleia lei que integrava parte dos dispensados, os autárquicos, à administração estadual, mas já pairava uma quase certeza de que o “Ministro”, eleito governador, iria derrubar a lei – “O pensamento é destruir o Batalhador”. Não deu outra: “Como havíamos previsto, o primeiro ato do governo do Ministro foi anular a transferência desse pessoal para o Estado assim como todas as ações do Batalhador. Fechou a maioria dos postos de saúde, liquidou com o centro cultural... desmantelou a área social do governo...”. 

Mais adiante, as esperanças se renovariam. Um goiano, Gustavo Loyola, assumiu o Banco Central. Em sessão na Assembleia para homenageá-lo, lá estavam os deserdados da Caixego, que conseguiram, com ajuda de alguns políticos, inclusive o “Deputado da Camisa Azul”, marcar uma audiência com o goiano do BC em Brasília. Um dia antes da data marcada, Iris Rezende teria tido longa conversa com Loyola. No dia seguinte, os representantes do movimento lá chegaram, acompanhados de 12 políticos goianos, entre eles Lúcia Vânia, Marconi e João Natal. Após a espera, receberam recado do presidente do BC alegando que ele fora chamado com urgência pelo presidente da República e retornaram. 


Eleição em 1998 e a retirada dos R$ 5 milhões da tesouraria do BEG 

Muitos anos após a liquidação da Caixego, processos corriam na Justiça, incluindo os trabalhistas. O assunto Caixego já havia caído no esquecimento. O “Arrogante Governador”, apelido usado no livro para identificar Maguito Vilela, afastou-se do cargo para se candidatar a senador, e Iris decidiu que seria candidato a governador. Fim de festa narra a partir daí um dos feitos mais espetaculares da história política de Goiás, em 1998, quando o “Deputado da Camisa Azul” derrotou o “Ministro”. “A fala do Deputado da Camisa Azul era simples e clara e passou credibilidade aos que a ele assistiam”, relata o livro. E Marconi saiu na frente no primeiro turno. O livro passa a contar um dos maiores escândalos de corrupção já registrados em Goiás, o Escândalo Caixego, que figurou no noticiário nacional por longo tempo. Para tentar assegurar a vitória no segundo turno, conforme conta Fim de festa, Iris dispensou o marqueteiro local e “contratou um famoso de São Paulo” (Duda Mendonça). 

O advogado de um grupo de ex-funcionários ligou para cada um deles, em pleno sábado à noite, convidando-os para reunião no dia seguinte, quando um acordo foi fechado. O grupo aceitou receber 30% do valor da ação, que era de R$ 10 milhões. Dias depois, pequenas notas eram lidas em jornais sobre R$ 5 milhões retirados em espécie da tesouraria do BEG. Um carro preto havia transportado o dinheiro, em várias caixas. 

Devolução do dinheiro e prisão de envolvidos

Os R$ 5 milhões seriam só a quantia paga ao marqueteiro, mas o total de dinheiro retirado da Tesouraria do banco, como está no livro, foi de R$ 10 milhões, distribuídos entre o marqueteiro, advogados e alguns procuradores do Estado. “Eles fizeram. Conseguiram tirar proveito da desgraça de milhares de pessoas. Será que, se o resultado das eleições tivesse sido outro, esse desfalque teria sido denunciado e descoberto da mesma forma?”, questiona Zulma. Na época, houve prisões de figurões, incluindo irmão de Iris Rezende e dirigentes do BEG. As investigações prosseguiram. Tempos depois, R$ 5 milhões foram devolvidos por meio de depósito anônimo. Posteriormente, descoberto o autor, na conta da Fazenda Pública, em uma agência do Bradesco em Brasília. O Ministério Público conseguiu rastrear a origem do dinheiro, com ajuda do Banco Central, descobrindo que, na verdade, o valor saiu de um empréstimo junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento, portanto dinheiro público. “Os processos continuam correndo, mas duvido que os responsáveis sejam punidos”, afirma Zulma Bessa, com ar de grande decepção. A escritora, de postura serena e sincera, encerra o livro fazendo um apelo: “Estamos no século XXI e não faria mal um pouco de desenvolvimento moral para que possamos construir uma sociedade mais justa. Brasil. Meu Brasil!”. 


Autora do livro recomenda: “Fujam dos maus políticos” 
Duas décadas depois, escritora Zulma Bessa, aos 71 anos, se diz bem, “graças a Deus” e à família, e aconselha: “Não se esqueçam do que houve com a Caixego”. 

Diário da Manhã - Passados 20 anos do fechamento da Caixego, como a senhora resume essa história? 

Zulma Bessa - O fechamento da Caixego foi um grande trauma não somente para os seus funcionários, mas também para o povo goiano, de uma maneira geral, e um grande atraso para o Estado de Goiás. 

DM - Em síntese, na sua opinião, por que decidiram fechar a Caixego? 

ZB - A decisão do fechamento da Caixego foi pura e simplesmente política. O próprio liquidante manifestou sua preocupação em achar um motivo financeiro/administrativo para justificar o ato inconsequente do governo Collor. 

DM - Quem é o principal responsável pelo fechamento? 

ZB - O responsável pelo fechamento da Caixego foi o Collor, que se juntou aos políticos interessados em desmoralizar o então governador Henrique Santillo. 

DM - Além de todas as agruras causadas aos ex-funcionários do banco e seus familiares, soube de alguma outra história triste depois da publicação do Fim de festa? 

ZB - Sempre temos notícia de algum dos ex-funcionários que até hoje não conseguiu se reerguer. Mas também temos notícia de funcionários que até hoje não desistiram de lutar por seus direitos. Liderados pelo Alencar, formaram uma Associação de Resgate da Cidadania e conseguiram incluir na Constituição do Estado a Lei da Anistia, semelhante à federal, para os demitidos do governo Collor, considerados perseguidos politicamente. 

DM - Em relação a esse fato da história de Goiás, o fechamento da Caixego, o que a senhora tem a dizer para os goianos neste ano eleitoral? 

ZB - Em ano eleitoral, seria aconselhável que a população se recordasse desses fatos relativos à Caixego, para concluir quem realmente ajudou e quem prejudicou o Estado de Goiás. É um bom momento pra dar respostas a esses maus políticos. 

DM - E sua vida, como anda hoje? 

ZB - Depois de passar por inúmeras dificuldades, difíceis de serem superadas, hoje estou bem graças a Deus e à minha família. 

DM - O que os deserdados da Caixego ainda podem esperar ? 

ZB - Os deserdados da Caixego, inclusive eu, esperamos que a perseguição política que sofremos com o seu fechamento e a perda do emprego da noite para o dia seja recompensada pelo Estado para que se faça justiça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário