O que a sociedade quer saber
Os goianos não querem saber de brigas e dados isolados. Eles têm interesse numa análise paciente e independente dos dados para saber quem desenvolveu mais o Estado
O debate nacional pode ser instrutivo, para o bem ou para o mal, aos políticos goianos — candidatos ou não. Depois de apostar que, até janeiro deste ano, iria “transferir” popularidade para a ministra petista Dilma Rousseff — de 30 a 36 das intenções de votos, o que provocaria um empate imediato com o tucano José Serra —, Lula engatou novo discurso. Serra, se eleito, seria uma incógnita e poderia abalar dois setores. Primeiro, e de potencial eleitoral de maior espectro, o governador de São Paulo, por “não” ter “simpatia” pela Bolsa Família, que, em alguns municípios do país, atende cerca de 50 a 70% da população — neste sentido, o PT reinventou o curral eleitoral (criando uma espécie de financiamento público de campanha, mas só para petistas e aliados) —, tenderia a modificá-la. Percebendo a trapaça petista, Serra já disse que não vai acabar com a Bolsa Família. Antes, pretende ampliá-la. Mas, se ao menos sugerir que vai insistir na ampliação da porta-de-saída — os beneficiários teriam de se qualificar para arranjar emprego, depois de certo tempo —, perde toda uma geração de párias para a candidata “do” Lula. Os párias, que são uma geração perdida para o mercado, não querem, não vão e, muitas vezes, não têm mais condições de serem qualificados e, portanto, jamais conquistarão um emprego decente. No máximo, viverão da Bolsa Família, de bicos e de esmolar nas ruas. A Bolsa Família será um dos instrumentos da campanha de Dilma, principalmente se a petista não decolar entre maio e junho.
Há outra questão que começa a ser utilizada contra Serra e que Serra, quando disputou a Presidência da República, tentou usar contra Lula, sem eficácia. O mercado financeiro, muito por conta da presença de Henrique Meirelles, executivo da “banca internacional”, no Banco Central, está seguro e tranquilo. Serra, tão estatista quanto o PT, nada tem de revolucionário, mas não é tão previsível quanto Fernando Henrique Cardoso, o plebeu dos sociólogos (Gilberto Freyre é o príncipe). Serra assusta? Pode ser que não. Mas Lula começa a trabalhar neste campo. Para o bem do PSDB, Serra começou a falar e a criticar Dilma e as ideias do PT.
Se Serra pode assustar, de acordo o raciocínio dos marqueteiros de Lula, é possível que muitos empresários e financistas estejam preocupados com Dilma. A ministra não é mais uma revolucionária, mas, por curioso que seja, é mais parecida com Hugo Chávez do que com Lula. Conta-se que as medidas propostas para controlar a imprensa sempre passam pelo menos por três mãos. Franklin Martins, que conhece as fragilidades da mídia, supostamente é o pai da ideia de que os jornais, as redes e emissoras de televisão e as rádios podem ser controlados ou monitorados. Dilma, segundo seus próprios aliados, tem simpatia por uma mídia mais dócil, que não investigue se divulgou informações falsas sobre sua formação universitária em nível de pós-graduação (não tem mestrado nem doutorado, por exemplo; ao contrário de Serra, que tem doutorado) e, por isso, apoia as teses do “expert” Martins. Lula, habilíssimo, apoia as teses de controle da mídia, mas, com a mesma habilidade, defende a democracia, como se fosse possível democracia com imprensa monitorada. Mas Lula é relativamente diferente de Dilma: sob pressão da sociedade, às vezes recua. Dilma pode não recuar e seguir o exemplo do nacional-populista Chávez. A sociedade brasileira é madura e repudia a construção de um Estado autoritário, mas Dilma, mais inflexível do que Lula, pode tentar imprimir um ritmo mais autoritário. Entre os empresários há os que acreditam que, se eleita, Dilma não abre mão de disputar a reeleição em 2014, impedindo a volta do petista-Macunaíma. Claro, são opiniões lançadas ao vento. Especulações. Ao longo do caminho, da campanha e do governo, as ideias mudam para se adequarem à realidade, que sempre é mais contraditória do que sua interpretação.
Em Goiás, assiste-se a um debate fulanizado, com xingamentos mútuos, entre integrantes do PP e do PSDB, antigos aliados. Imagine se a sociedade começar a se questionar, a sério, por que os dois “parentes” estão lavando roupa suja em pública e sem oferecer explicações inteiramente convincentes para que aqueles que estão “de fora” possam partilhar de seus segredos.
Depois de quase quatro anos de governo Alcides Rodrigues (PP), caminhando para o quinto ano, fica a pergunta: o discurso de que o ex-governador Marconi Perillo (PSDB) quebrou o Estado, e deixou um déficit mensal de R$ 100 milhões, ainda se sustenta? Se ouvissem mais as vozes difusas das ruas, os políticos ficariam mais atentos aos assuntos que realmente interessam à sociedade. Deixemos à reflexão um exemplo curioso. Recentemente, no Shopping Bougainville, ao ser perguntada em quem votaria para governador, uma faxineira, espirituosa, devolveu a indagação: “Quem será o candidato da oposição?” Antes que o interlocutor pudesse responder, possivelmente com certa dificuldade, a sra. acrescentou: “Estou mais preocupada com a dengue no meu setor”.
A crítica é sempre bem-vinda, porque ilumina como o sol as sombras da vida, e não se deve sugerir, em nenhum momento, que não seja feita. Mas, quando se critica um ex-governador, o hoje senador Marconi Perillo, seria razoável que, juntamente com o número do déficit de R$ 100 milhões, se apresentasse todos os dados à sociedade. Ao governo cabe divulgar dados detalhados, não um número isoladamente — porque fica parecendo chute —, e à sociedade, por ser independente e não se envolver em questiúnculas políticas, cabe examiná-los, com o objetivo de verificar sua exatidão ou não. Instituições especializadas, como associações de contabilistas e economistas, têm o dever de analisá-los e dizer à sociedade o que houve de fato. A verdade deve vir a público, mas de forma ampla, não politizada.
Na democracia, ninguém é intocável — nem o presidente Lula da Silva nem Marconi. As contas do governo Marconi, assim como as de Lula, devem ser examinadas com rigor e, se houve falhas graves, devem ser divulgadas. Mas pode-se restringir Goiás a apenas um governo, o de Marconi? Cadê os dados do governo Alcides? Os dados, dos dois governos e mesmo de outros governos, não devem apenas ficar à disposição da sociedade — devem ser divulgados amplamente para que a sociedade possa verificá-los com autonomia.
A verborragia publicada e repercutida pelos jornais pode agradar um e outro, mas certamente não agrada a maioria dos goianos. Ataques gratuitos, de ambos os lados, servem muito mais para deslustrar homens públicos respeitáveis do que para esclarecer questões chaves do endividamento do Estado. Sobretudo, não se deve reduzir a questão pública à questão eleitoral ou a rixas pessoais. O confronto, insistamos, tem de ser de dados e ideias. Por si, a briga, se interessa a militantes orgânicos dos partidos, não interessa aos goianos. A briga negligencia o interesse maior do Estado.
O governo Alcides Rodrigues tem méritos e é preciso reconhecê-lo. Por exemplo: o secretário da Fazenda, Jorcelino Braga, seguindo a orientação de Alcides, procedeu a um ajuste fiscal fenomenal, equilibrando as contas do Estado — deixando-o mais enxuto (mas não inteiramente enxuto, porque há pendências históricas). Ao mesmo tempo, não deixou de fazer investimentos. Por que não evidenciar o que se fez nos últimos quatro anos? As 105 escolas de tempo integral, resultado de um trabalho ingente da secretária da Educação, Milca Severino Pereira, vão ficar na história do Estado. Por que não salientar, de modo mais enfático, o que tem sido feito para recuperar a malha rodoviária? Nenhum governo ganha uma história positiva se ficar tão-somente com a imagem de “cortador de gastos”.
O senador Marconi Perillo e o governador Alcides Rodrigues estão rompidos. Não há dúvida. Os goianos talvez queiram saber os motivos do rompimento, mas não por meio de ataques mútuos, de peraltices. Conhecer os dados dos dois governos, comparando-os com objetividade e permitindo que especialistas os examinem com paciência — sem a pressa das “explosivas” (mas não esclarecedoras) manchetes jornalísticas —, é muito mais relevante do que a crítica pela crítica. Do exame, os goianos poderão saber quem contribuiu mais para o desenvolvimento do Estado. É o que importa.
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