terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Um artigo inteligente!

Diário da Manhã

Reforma agrária e o PNDH-3

O PNDH-3 não é uma proposta descolada da vontade social. É resultado de um processo que mobilizou milhares de técnicos, autoridades governamentais, representantes e militantes de todos os setores da vida ativa nacional. Por isso, as críticas que surgem na mídia têm o rótulo do interesse de classe ou pessoal.

A Confederação Nacional da Agricultura, organização patronal presidida pela senadora Kátia Abreu, representante da Bancada Ruralista, não se conforma que a reforma agrária esteja entre as ações do PNDH-3. Afinal, a reforma agrária como uma política que garante a função social da propriedade rural, que leva ao campo a justiça social e a democratização da terra ultrapassa o poder de imaginação dos latifundiários. O acesso à terra para este setor, seja por qual meio for, só pode ocorrer entre os iguais.

As propostas de execução da reforma agrária estão no PNDH-3 como uma política de garantia do acesso à terra e à moradia para a população de baixa renda e grupos sociais vulnerabilizados. As ações definidas são as seguintes: fortalecer a reforma agrária; mapear as terras públicas; sanear os serviços notariais de registros imobiliários; garantir as terras indígenas; assegurar às comunidades quilombolas a posse dos seus territórios; garantir o acesso à terra às populações ribeirinhas, varzanteiras e pescadoras. Estas ações são reivindicadas pelos movimentos sociais e sindicais há mais de uma década. Não há nada de novo nestas propostas. O novo seria o governo executá-las plenamente.

Uma renovação é a proposta de integrar de forma harmoniosa as ações entre os diversos ministérios. A atuação interministerial tem dado bons resultados em alguns setores, como o da saúde, educação e programas de segurança alimentar. Além disso, a sociedade civil tem o papel essencial de acompanhar a execução física e orçamentária das ações e pressionar para que as metas sejam cumpridas.

Há mais de dez anos as organizações sociais e sindicais do campo exigem o assentamento imediato de cerca de milhares de famílias acampadas em beira de estradas; assistência técnica; fim da grilagem de terras; e atualização dos índices de produtividade. Neste período, de FHC a Lula, os governos apresentaram avanços tímidos. O número de famílias assentadas em 2009 foi um dos mais baixos da década. A execução orçamentária da função agrária não ultrapassou 50%.

As denúncias sobre grilagens de terras, em especial na Amazônia, são repetidas pela mídia a cada recorde de desmatamento ou queimada. No entanto, o governo desconhece onde estão as terras públicas e devolutas. Há uma sobreposição de títulos irregulares registrados em cartórios. Por isso, qualquer proposta de mapear as terras públicas da União e sanear os serviços notariais, cancelando os títulos e registros irregulares, é bem-vinda.

A reforma agrária, que objetiva acabar com o minifúndio e com o latifúndio, não é uma política apenas para os sem-terra ou com pouca terra, mas um programa de reordenamento da estrutura fundiária. A Constituição Federal registra que as terras públicas e devolutas serão compatibilizadas com o plano nacional de reforma agrária (art. 188). Para isso, se faz necessário determinar quais são as terras indígenas e as quilombolas e quais são as áreas de proteção ambiental permanente necessárias para manter o equilíbrio ambiental e a sustentabilidade dos biomas nacionais.

Neste sentido, o PNDH-3 avança ao garantir regularização e desintrusão das terras indígenas. De assegurar às comunidades quilombolas a posse e a titulação dos territórios, preservando os sítios de valor simbólico e histórico. De possibilitar às populações de várzeas, ribeirinhas e pescadoras o acesso aos recursos naturais que utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica.

As propostas do PNDH-3, que buscam criar um ambiente de menor desigualdade para que as populações vulnerabilizadas desfrutem de uma vida digna, estão em acordo com a Constituição Federal e com tratados e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. Além disso, há que se ressaltar o fato de que logo a população brasileira atingirá 200 milhões de habitantes e os espaços rural e urbano não podem mais ser ocupados de forma tão desigual.

Edelcio Vigna é assessor para Política de Reforma Agrária do Inesc

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