O CONFRONTO DA HISTÓRIA
Iris Rezende X Marconi Perillo
Eleição deste ano será a última de uma era, o marco de uma total reformulação da política de Goiás
Os dois maiores líderes políticos da história goiana devem se enfrentar nas urnas deste ano. O prefeito de Goiânia Iris Rezende e o senador Marconi Perillo, conforme as últimas indicações, serão mesmo os candidatos do PMDB e do PSDB. E deverão ser eles também os grandes protagonistas de uma disputa absolutamente eletrizante, em que a vitória ou a derrota poderá ser somente uma questão de detalhe.
Será o segundo confronto direto entre eles. Em 1998, com uma formatação eleitoral muito diferente da que ocorrerá este ano, Marconi surpreendeu Iris e todo o mundo político, não apenas estadual, mas também com ampla repercussão nacional, arrancando uma vitória inacreditável das mãos do peemedebista. Naquela eleição, Iris já estava mais do que consagrado como um dos maiores líderes políticos dos goianos em toda a história do Estado. Marconi, ao contrário, somente iniciava uma meteórica trajetória pública, após dois mandatos, de deputado estadual e deputado federal.
Hoje, Iris Rezende Machado se apresenta com toda a exuberância de sua popularidade, após a mais espetacular recuperação de imagem que se viu em Goiás. Em 98, o peemedebista não perdeu somente a disputa pelo governo do Estado, mas uma grande parte do conceito político que a população tinha em relação a ele. Quatro anos depois, em 2002, ao tentar se manter no Senado da República, afundou de vez ao ser ultrapassado por um estreante em cargos eletivos, Demóstenes Torres, e pela então veterana deputada federal Lúcia Vânia.
Inúmeros fatores contribuíram para essa segunda queda eleitoral de Iris Rezende. O maior deles, provavelmente, pode ter sido o voto duplo. Em tese, Iris foi individualmente o mais bem votado daquela eleição. Mas o fato de o eleitor poder escolher dois e não um candidato, não somente anulou a sua vantagem individual sobre Demóstenes e Lúcia, como resultou em uma retumbante derrota. Logo em seguida, o líder desapareceu em uma de suas fazendas nos confins do Pará, num exílio voluntário que mais se anunciava como aposentadoria definitiva do planeta política.
Retorno — Somente em 2004 é que os goianos, e especialmente os goianienses, voltaram a ouvir o nome de Iris com mais intensidade. Com seu partido, o PMDB, absolutamente destroçado pelas derrotas de 98 e 2002, Iris se sentiu desafiado pelos peemedebistas a devolver esperança de sobrevivência partidária. E fez isso.
Na eleição com maior número de candidatos de fortíssimo potencial e apelo populares de Goiânia, Iris lançou-se para aquele que seria o momento crucial de sua vida pública. Mais do que as derrotas de 98 e 2002, um novo fracasso eleitoral em 2004 seria o definitivo fecho de seu ocaso político.
Não foi uma campanha fácil. Iris enfrentou a então deputada estadual mais bem votada nas eleições anteriores, a jornalista Rachel Azeredo, o deputado federal e um dos campeões de voto em Goiânia, Sandes Júnior, o ex-prefeito Darci Accorsi, e, principalmente, o prefeito Pedro Wilson, que buscava a reeleição. Iris foi o último dos grandes candidatos a entrar na disputa. Nas primeiras pesquisas, seu nome aparecia na liderança, mas com pouca margem sobre os demais concorrentes. Era o líder, mas não se apresentava com favoritismo.
Desde o início, pelo fato de Pedro Wilson vir de um governo equivocado do ponto de vista do necessário cuidado com a própria imagem, Iris foi o “homem” a ser batido naquela eleição. E ele apanhou de todos. Nos debates, era sempre o mais visado, caçado o tempo todo, sem momentos de trégua. E num desses debates ele mostrou a diferença entre o fenômeno político e o político bem situado.
Acuado, nas cordas, bambo de tanto apanhar sistematicamente de todos os adversários, Iris sacou de seu instinto eleitoral dois temas que jamais tinham sido debatidos internamente em sua campanha, e, assim, triturou os demais candidatos. Primeiro se comprometeu a solucionar os gravíssimos problemas do transporte coletivo em apenas seis meses de governo. Depois, fechou a conta e a eleição ao prometer asfaltar todas as ruas de terra ainda existentes na capital.
Nos dias que se seguiram, as equipes de campanha do peemedebista se dedicaram exclusivamente à criação de uma maneira convincente de lastrear as promessas feitas durante os debates. Não foi fácil. O preço total do asfalto de todas as ruas de terra, por exemplo, simplesmente não fechava. Não haveria dinheiro suficiente para tamanha empreitada. Aí, surgiu o asfalto barato, numa solução inédita até então, que respaldou a promessa tecnicamente. A prefeitura iria comprar a matéria-prima básica, betume, diretamente da Petrobras, e assim conseguir um preço final muitas vezes menor.
As explicações deram certo. Apesar de os adversários ironizarem as duas promessas/eixo, Iris ampliou a vantagem inicial e se consolidou previamente para o 2º turno. Restou aos demais a briga pela segunda vaga. E foi aí que, fora da mira dos demais concorrentes, Iris assegurou com segurança não somente a sua classificação em 1º lugar como conseguiu estabelecer todos os parâmetros para evitar a possível virada no turno decisivo. Pedro Wilson conseguiu superar os demais candidatos, mas chegou ao 2º turno praticamente com todas as energias esgotadas.
Renovado pela vitória e com uma administração impressionante pelo ritmo em que promoveu significativas mudanças em relação ao governo de Pedro Wilson, seu nome cresceu naturalmente e se tornou forte para as eleições de 2006. Internamente, porém, o ainda senador Maguito Vilela vinha em marcha batida pela indicação do PMDB ao governo, e não teve dificuldades para impor o seu nome na disputa. Iris sequer foi à convenção e sua influência dentro do partido foi transferida para o prefeito de Catalão na época, Adib Elias, que chegou aos 30% dos votos dos convencionais.
Hoje, analisando-se com a devida distância a campanha de 2006, talvez a candidatura de Iris fosse a mais indicada para a disputa contra o então vice-governador Alcides Rodrigues. Maguito tentou aplicar a excelente e perigosíssima estratégia da triangulação, criada na campanha presidencial americana por Dick Morris, marqueteiro de Bill Clinton. Deu tudo errado. Seguramente, pelo próprio estilo, jamais Iris Rezende cometeria aquele erro. E, assim, a história da eleição de 2006 poderia ter sido bem diferente.
Em 2008, abrindo seu partido para inéditas alianças, coisa que o PMDB jamais tinha feito em Goiás, Iris conseguiu atrair o PT e construiu a maior vitória eleitoral da história de Goiânia, sendo reeleito com 75% dos votos. Jamais outro prefeito goianiense chegou ao menos próximo desse patamar. É esse Iris, com PMDB e PT, que caminha para as eleições deste ano.
Ascensão — Se Iris foi pra lá do fundo do poço para retornar, Marconi Perillo mantém uma trajetória político-eleitoral retilínea e apontada permanentemente para o alto. Seu primeiro mandato foi conquistado em 1990, no auge da última grande cisão do PMDB estadual, que culminou com o rompimento entre Iris e Henrique Santillo (já falecido). Marconi foi o único santillista eleito para a Assembleia Legislativa naquele ano. O sobrevivente de um absoluto massacre eleitoral irista.
No exercício do mandato, mesmo pertencendo ao PMDB, Marconi foi o mais incendiário, insistente e competente oposicionista ao governo do também peemedebista Iris Rezende. Durante quatro anos, ele não deu qualquer folga ao governador, e não por outro motivo foi incomparavelmente o deputado estadual de maior destaque daquela legislatura. Tanto que, a partir desse trabalho, se credenciou para vôo mais alto, se elegendo deputado federal em 1994 com relativa folga.
Apesar de se imaginar que esse é um salto fácil, sair da Assembleia e desembarcar no Congresso Nacional não é tão simples assim. Há poucos casos em Goiás de deputados federais com apenas um mandato anterior. É o caso de Marconi.
No Congresso, Marconi subiu posições rapidamente junto ao tucanato do governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi vice-líder da bancada do PSDB na Câmara e, de quebra, assíduo frequentador da área política de Sérgio Motta (já falecido), que era o grande articulador interno do partido e do governo federal. Sérgio representou muito mais para o PSDB e FHC do que, por exemplo, o ex-ministro José Dirceu para o PT e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Graças a esse trânsito extraordinário, Marconi Perillo disparou também na província, e se tornou rapidamente expressivo referencial tucano, especialmente junto ao prefeito de Goiânia na época, Nion Albernaz. Em 1998, durante a fase preparatória da campanha pelo governo estadual, seu nome figurou em todas as listas de possíveis candidatos, mas perdeu a primeira chance de ser escolhido para o deputado federal Roberto Balestra.
Menos de um mês depois, e já às vésperas das convenções partidárias, Balestra entendeu que não conseguiria unir os grandes partidos oposicionistas, PSDB, DEM, PP e PTB, e se retirou da disputa, preferindo manter seu projeto inicial de reeleição. Foi aí que a bola quicou na área na frente daquele que se revelou depois como maior artilheiro desse grupamento político: Marconi Perillo.
Sua candidatura foi acertada com a participação direta do ministro Sérgio Motta, que esteve em Goiânia tratando do assunto. A partir de Goiânia, então único grande bunker municipal oposicionista ao PMDB no Estado, Marconi se firmou como candidato único das oposições.
Empolgação — A campanha dele foi alegre, festiva, mas também muito dura. Durante dois meses, Marconi foi um candidato absolutamente diferente de tudo o que havia existido até então. Era jovem, vestia-se quase que invariavelmente com camisas azuis, e percorria o Estado sem descanso.
No lado oposto, o PMDB caminhava burocraticamente, certo de que o mambembe exército adversário não representava qualquer perigo para a popularidade de Iris Rezende. São famosos os relatos de que as principais lideranças peemedebistas estavam muito mais preocupadas com a disputa de cargos futuros do que com os votos da população. Foi exatamente nesse vácuo que Marconi cresceu.
Numa atitude ousadíssima, a campanha do tucano investiu no humor zombeteiro para castigar Iris Rezende. Para isso, apresentou no horário eleitoral o personagem Nerso da Capitinga, interpretado pelo ator Pedro Bismarck. Com bonecos de dinossauros, Nerso pintou e bordou sobre a trajetória de Iris Rezende, mas causou poucos estragos na imagem do peemedebista. Até que...
Num lance de puro acaso, descobriu-se a arma letal contra Iris Rezende Machado. Se fosse eleito, Iris concederia quatro anos de mandato de senador para seu irmão, Otoniel Machado, primeiro suplente de sua chapa. Na outra ponta de sua chapa majoritária, era certa a eleição do ex-governador Maguito Vilela para o Senado, tendo como primeira suplente a atual deputada federal Iris de Araújo, esposa de Iris Rezende.
A campanha de Marconi bateu nessa composição, afirmando que era uma “familiocracia” política. O eleitorado inicialmente não deu a menor pelota para essa crítica. O termo empregado, “familiocracia” não é totalmente negativo do ponto de vista sonoro. Mais do que isso, é de difícil compreensão para boa parcela do eleitorado.
Aí entrou o acaso. Durante a montagem de um programa eleitoral na Makro, produtora da campanha de Marconi, um operador de vídeo-tape, o último, como diria Bóris Casoy, na escala desse tipo de profissão, manipulava o equipamento sendo observado pelos dirigentes e marqueteiros da campanha. De repente, sem maiores pretensões, o jovem operador de VT soltou uma frase-desabafo após editar críticas referentes às posições de dona Iris e Otoniel: “Mas é uma panelinha só...”. Os dirigentes e marqueteiros que procuravam um termo popular que substituísse a “familiocracia”, e que acompanhavam o trabalho do jovem, ficaram eletrificados imediatamente. Aquela era a arma definitiva, panelinha.
A campanha então deu saltos seguidos e caiu no gosto de metade do eleitorado. Em 20 dias, com Nerso da Capitinga fazendo graça na TV em relação à panelinha, Marconi avançou sem parar. No final do 1º turno, diante de um PMDB que já apresentava inquestionáveis sinais de desespero total, era muito comum ver carros circulando em todas as cidades arrastando panelas velhas amarradas nos pára-choques traseiros. O mito Iris Rezende estava nu. Marconi venceu o 1º turno e não teve dificuldades para bater o peemedebista na etapa final da eleição.
Em 2002, objetivando se manter no Palácio das Esmeraldas, o tucano só esteve ameaçado um ano antes da eleição, quando as pesquisas apresentavam Maguito Vilela na liderança. A partir daí, seus índices de intenção de votos ganharam força mensalmente. No final, diante de Maguito e de Marina Sant´Anna, que conseguiu 15% dos votos, a maior já conquistada pelo PT de Goiás até hoje, Marconi se reelegeu já no 1º turno, com mais de 51% da votação.
Em 2006, Marconi deixou o Palácio das Esmeraldas com a maior aprovação administrativa já registrada em Goiás. Para se ter uma idéia, na última semana de março de 2006, quando se despediu do governo para se candidatar ao Senado, pesquisa Serpes/O Popular mostrou que somente 3% da população apontavam seu governo como ruim ou péssimo, na menor reprovação entre todos os Estados do Brasil.
Essa aprovação foi fartamente demonstrada na campanha daquele ano. Marconi, candidato ao Senado, ultrapassou a barreira histórica dos 2 milhões de votos em uma única eleição. Ele é o único em Goiás com essa votação. Na disputa pela sua herança, o Palácio das Esmeraldas, o então vice-governador acoplou completamente sua candidatura aos governos de Marconi, disparando assim da última posição entre as maiores candidaturas para uma vitória expressiva tanto no 1º como no 2º turno. A aprovação do tucano era tão assustadora que Maguito Vilela, o principal adversário, se negou a tecer uma só crítica a Marconi durante toda a campanha.
2010: o fim de uma era
São esses dois monstros sagrados da política de Goiás, Iris Rezende Machado e Marconi Perillo, que deverão ficar frente a frente com o eleitor durante este ano, até o sublime e sagrado momento da escolha final, nas urnas de outubro. Ao contrário de 98, quando Iris largou favorito, e em 2002, com favoritismo de Marconi, desta vez nenhum dos dois começa nessa condição.
O enfrentamento eleitoral entre eles, caso realmente aconteça, será um épico inigualável em Goiás. Jamais duas lideranças tão expressivas, no auge de suas forças e liderando exércitos partidários absolutamente centrados num objetivo, se enfrentaram em condições de igualdade. Neste momento, todas as pesquisas realizadas por grandes institutos de Goiás e publicadas pelos jornais locais, apontam preferência majoritária por Marconi. Em um instituto, o Ecope, conveniado com o “Diário da Manhã”, a liderança do tucano é mais expressiva. Para o Grupom, também ligado ao “DM”, e o Serpes, parceiro do jornal “O Popular”, a liderança de Marconi não escapa da chamada margem de erro. Marconi e Iris estão, tecnicamente, iguais.
Se eleitoralmente ambos estão em condições praticamente idênticas, politicamente eles vivem situações diferentes. Iris, pela primeira vez, inseriu a palavra aliança no dicionário até então exclusivista do PMDB. Sua parceria com o PT do presidente Lula lhe garante bom espaço na importantíssima campanha eletrônica, rádio e TV, além do apoio material dos petistas de Dilma Rousseff. O que o peemedebista tenta agora é ampliar essa aliança, absorvendo também o PR.
Já Marconi conseguiu juntar o seu PSDB ao PTB e ao PPS. Não é muita coisa, mas o coloca em condições de disputar com bastante intensidade a eleição. No rádio e na TV, ele já garantiu pelo menos 20% do tempo disponível. Não é um espaço privilegiado pelo tamanho, mas está no exato limite necessário a uma candidatura competitiva. A vida eleitoral de Marconi será bem melhor se conseguir pelo menos o apoio também do DEM. Curiosamente, Iris Rezende poderá ajudá-lo indiretamente.
Caso consiga o apoio do PR, Iris vai evidentemente ganhar musculatura, mas fragilizará mortalmente a tentativa do Palácio das Esmeraldas de viabilizar uma 3ª grande candidatura. Aí, restaria ao DEM igualmente procurar uma canoa mais agradável para enfrentar a grande travessia das urnas deste ano. Ou seja, o PSDB.
Futuro — É muito cedo para apontar qualquer vencedor, Iris ou Marconi, ou mesmo o surgimento de uma zebra imponderável qualquer. De qualquer forma, 2010 será o marco do fim de uma era e do início de novos tempos. Tudo aquilo que se tem hoje como estabelecido na política estadual será modificado. Nenhum dos possíveis cenários que for criado pelas eleições deste ano se manterá até 2014. Aliás, provavelmente não resistirá nem mesmo até 2012, na sucessão goianiense.
Em tese, e superficialmente, pode-se classificar a disputa de 2010 dentro dos históricos critérios do passado, entre forças da velha UDN e do combativo PSD. Será a última vez que isso ocorrerá em Goiás. Por sinal, já neste ano essa configuração sofrerá abalos, independentemente das alianças e composições que forem feitas. Iris não é mais unicamente a figura-símbolo das forças pesedistas, e nem Marconi contará com a estruturação de 98, fortemente sedimentada na UDN. Ambos as candidaturas, é verdade, ainda terão algumas nuances de um e do outro grupamento político, mas não como fatores decisivos de identificação.
A partir desse ponto, abre-se um enorme leque sobre o futuro. Já em 2012, na sucessão daquele que herdará o trono do Palácio do Cerrado Venerando de Freitas Borges, o atual vice-prefeito Paulo Garcia, que poderá se candidatar à reeleição, todos os reflexos da grande mudança política de Goiás começarão a ser sentidos politicamente. Em 2014, o ciclo da modificação será completado.
O que virá depois? Difícil imaginar, já que inegavelmente o resultado que as urnas apresentarem este ano projetará influências sobre o futuro. Dificilmente, porém, a mudança política se dará como mera renovação de atores e de posições partidárias. Tampouco será uma ruptura. Talvez, e num esforço terrível de análise sobre algo abstrato, seja possível imaginar algo além da eterna bipolarização, completamente enraizada na cultura da vivência política dos goianos. E, repita-se, independentemente de vitória de Iris ou de Marconi, a mudança, inevitável, será um extremamente saudável amadurecimento. Esse é o futuro.
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