quinta-feira, 25 de março de 2010


 


ARTIGOS






Washington Novaes *

Clima: dúvidas e certezas

Rejubilam-se partidários de cientistas “céticos”, que não aceitam diagnósticos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o órgão científico da Convenção do Clima: a ONU, a quem pertence a convenção, nomeou um painel de academias nacionais de ciências que nos próximos meses dirá se há erros ou enganos nos relatórios do IPCC. E tomou essa decisão ante o alvoroço provocado quando o IPCC admitiu recentemente haver-se precipitado ao afirmar, em seu relatório de 2007, que as geleiras do Ártico se derreterão até 2035. A essa admissão de erro somou-se a celeuma em torno de mensagens pela internet que revelariam outras falhas do IPCC. Tudo isso daria razão aos “céticos”, que não aceitam a afirmação do IPCC, de que a ação humana, com as emissões de gases poluentes que se concentram na atmosfera, tem contribuído para o aumento da temperatura do Planeta e para as mudanças climáticas e os “eventos extremos” (furacões mais fortes, tornados, inundações, secas etc.). E que é preciso reduzi-las para evitar desastres climáticos ainda mais graves.

Convém ir devagar com o andor. O IPCC faz seus relatórios desde 1988, com base em pesquisas e relatórios de mais de 2,5 mil cientistas de todo o mundo. E tem sido bastante fiel à realidade. O último relatório, o de 2007, contém a síntese das conclusões desses cientistas que tiveram consenso entre eles, e que – afirmam –, têm mais de 90% de probabilidade de acontecer: a temperatura planetária já subiu 0,8 grau Celsius desde o início da revolução industrial e isso se deve às emissões de poluentes; se não houver uma redução de pelo menos metade das emissões até 2050, a temperatura se elevará mais de dois graus – e isso terá consequências ainda mais dramáticas; mas as emissões continuam aumentando.

Na última reunião da Convenção do Clima, em Copenhague, em dezembro, o autor destas linhas teve oportunidade de assistir a uma apresentação do presidente do IPCC (Rajendra Pachauri, Prêmio Nobel) e de mais dois cientistas diretores dessa instituição. Eles reafirmaram o que está no relatório e disseram que este já foi referendado por mais de 90 mil cientistas no mundo todo. Agora, ao anunciarem o painel científico, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e Pachauri disseram que “nada do que foi alegado ou revelado na mídia recentemente afeta o consenso científico fundamental sobre mudança climática” (O POPULAR, 11/3).

Já os “céticos” dividem-se em duas facções básicas: 1. a dos que dizem que a Terra não está se aquecendo; ao contrário, está-se resfriando; 2. a dos que dizem que o aquecimento não se deve às emissões de poluentes pelos seres humanos, e sim a um processo natural inserido nos ciclos pelos quais passa o Planeta. Aos primeiros, os cientistas do IPCC respondem com o argumento de que os 10 últimos anos inserem-se entre os 12 mais quentes já registrados desde 1850. Aos segundos, de que não há evidências científicas de um ciclo natural de resfriamento. Seja o que for que se pense, a precaução, a cautela, a prudência, indicam que se deve ter muito cuidado. E tentar não contribuir para o processo de aquecimento.

A simples observação empírica aconselha isso. O autor destas linhas, por exemplo, que nasceu no Cerrado paulista há mais de 70 anos, lembra-se – como se lembram todos os mais velhos – de que havia duas estações básicas: a das águas e do calor, que começava em setembro (dizia-se que a 7 de setembro acontecia a primeira chuva), e a estação seca e fria, que ia das “águas de março que findam o verão” (Tom Jobim) até o início de setembro. Hoje, há momentos em que todas as estações parecem acontecer no mesmo dia, chuvas e seca, calor e frio. A chamada “garoa” que caracterizava a capital paulista não existe mais. Nem a chuva fina e persistente, que durava dias seguidos, no Centro-Oeste. As chuvas caem, lá e cá, em grossas e volumosas pancadas, que em poucas horas podem chegar a 100 milímetros ou mais (100 litros de água por metro quadrado de solo) – uma enormidade para a qual não estávamos nem estamos preparados.

Diante disso tudo, impõe-se cada vez mais a necessidade – já discutida aqui em outros momentos – de termos no Estado (como no País e em cada município) uma política de adaptação às mudanças e de criação de instrumentos de defesa, de revisão de procedimentos e normas técnicas. É evidente que os padrões construtivos de outros tempos e outras circunstâncias – em pontes rodoviárias, tubulações sob rodovias, aterros, a própria resistência das pistas – já não atendem às necessidades de hoje, à violência e intensidade dos fenômenos climáticos. Da mesma forma, é preciso repensar a questão de barragens, hoje obrigadas a reter (ou verter, com problemas nas áreas vizinhas) altos volumes (algumas já se romperam em Goiás e fora daqui; agora o lago de Serra da Mesa atinge níveis inéditos). Nas cidades, além de uma política de desocupação de áreas de risco, principalmente encostas e topos de morros, é fundamental rever porcentuais máximos de ocupação do solo (para manter áreas permeáveis que ajudem a reter altos volumes de chuvas), adaptar redes de drenagem, criar padrões obrigatórios de retenção de águas de chuva em cada construção. E órgãos científicos capazes de avisar, com maior antecedência, da aproximação de “eventos extremos”.

O que não faz sentido é, em nome de dúvidas, deixar de fazer o que bom senso e a imensa maioria dos cientistas sugerem.

* Washington Novaes é jornalista

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