A lógica de Sísifo
O candidato Vanderlan Cardoso foi projetado para reduzir o apoio a Marconi Perillo entre prefeitos e empresários. Mas o jogo passa principalmente pelo tucano e por Iris Rezende
Jornalismo político é uma tarefa de Sísifo — incessante. Porque tudo parece igual, mas, como sabia o filósofo grego Heráclito, é tudo diferente. Colunistas costumam dizer que algumas articulações são “balões de ensaio” e “blefes”. Estão, a um só tempo, certos e equivocados. Porque balões de ensaio e blefes fazem parte da articulação política, não são meros logros. Fazem parte de jogadas do “se pegou, pegou” — senão caminha-se para outro lado. A candidatura de Vanderlan Vieira Cardoso, do PR, ao governo do Estado foi apontada, no início, tão-somente como uma jogada do deputado federal Sandro Mabel, do PR, com o objetivo de cacifar-se para ser vice na chapa do peemedebista Iris Rezende. A vice seria para o próprio Mabel ou para Vanderlan. Este, no caso de Mabel aceitar a vice de Iris, iria a deputado federal, ocupando o espaço daquele. Maio e junho seriam os meses para a nova combinação. Mas este é apenas um lado da moeda. Há outro. Neste, Vanderlan aparece como candidato da base do governador Alcides Rodrigues, do PP, e com uma missão. Antes, uma ressalva. Dizem que Vanderlan planeja fazer uma campanha sem ataques e que se trata de uma estratégia para beneficiar o senador Marconi Perillo, do PSDB. Seria marconista. O líder do PR tem dito que, quando governador, Marconi o atendeu bem como empresário e prefeito. Mas sua lealdade maior é àquele que o lançou na política, Mabel, hoje aliado de dois adversários figadais de Marconi — o presidente Lula da Silva e Alcides.
Se é aliado de Mabel, de Alcides e de Lula, que não morrem de amores por Marconi, em que “jogada” Vanderlan está efetivamente envolvido? Ele tem uma missão e seus aliados têm outra, com a qual, direta ou indiretamente, comunga. A missão de Vanderlan, a dele mesmo, é tentar se eleger governador, apresentando-se como o candidato que não ataca, optando pela exposição de projetos e da tese de que gestão é fundamental. O governo tem de funcionar como uma empresa azeitada. Mas Vanderlan tem, em comum com seus aliados, outra missão: tentar criar condições para que Marconi possa ser derrotado.
Vanderlan tem um jeito meio caipira, de homem do interior, sem veleidades intelectuais e, por ser empresário, pragmático. Foca sempre em resultados. Vanderlan, astuto como Lula — só não é de discutir ideologias, porque não é seu metier —, sabe por quais motivos foi convocado para participar de uma estratégia para tentar barrar Marconi. Neste sentido, o jogo nada tem de marconista. Seremos didáticos.
Marconi construiu uma força espetacular entre prefeitos e empresários — sua armada política e financeira. O tucano enraizou-se na sociedade organizada. Prefeitos o adoram, assim como empresários. Pois Vanderlan é empresário e adquiriu, por si e pela ligação com Mabel, presença sólida entre alguns empresários — muitos ainda preferem Marconi, ressalve-se. Alguns sindicatos de empresários, filiados à poderosa Federação das Indústrias de Goiás (Fieg) — que se fortaleceu por intermédio do comando seguro e ponderado de Paulo Afonso Ferreira —, podem não assumir publicamente, mas vão trabalhar para o candidato republicano. Eles têm peso, quer dizer, dinheiro e, igualmente importante, relevância social (influência), presença na sociedade. Noutras palavras, Vanderlan divide o empresariado, que, embora multifacetado (há também apoio ao PMDB), tende a ficar com Marconi. Porque foi atendido pelo ex-governador e é uma ligação mais recente. Nos bastidores, o empresariado reclama do governo Alcides, principalmente na questão dos incentivos fiscais, ainda que admita sua seriedade na condução dos negócios públicos.
Há outro aspecto que sugere mesmo que Vanderlan não foi escolhido aleatoriamente para “prejudicar” a candidatura de Marconi. Ao assumir a Prefeitura de Senador Canedo, que antes era uma “universidade” que dava diploma de “doutor em malandragem”, Vanderlan adotou uma política administrativa mais empresarial do que tipicamente pública — contra a morosidade e a ineficiência. Melhorou os serviços públicos, fez obras necessárias, urbanizou a cidade, que parecia uma fazenda relativamente asfaltada (diria Roberto Carlos), e deu-lhe identidade. Às vezes é chamado de Adib Elias de Senador Canedo, porque, como Adib só fala de Catalão, o prefeito só fala da cidade que administra. Falta-lhe um discurso para o Estado, sobre o Estado. Mas, ao contrário do Adib anterior (o líder catalano está mudando seu perfil), Vanderlan dedicou-se primeiro a conversar com prefeitos e líderes das cidades próximas do município que administra, especialmente as menores. Conquistou-os. Mauro Miranda, principal articulador do campo irista, porque nasceu com alma de diplomata, só tem elogios para Vanderlan. “Ele é jeitoso. As prefeituras de Goiânia e Senador Canedo fizeram alguns trabalhos juntas e deu certo”, acrescenta o ex-senador peemedebista. Em seguida, ao se aproximar do comando da Associação Goiana de Municípios (AGM), se tornou conhecido da maioria dos prefeitos e, aos poucos, assim como Abelardo Vaz — uma das revelações políticas do PP —, se fortaleceu como líder municipalista.
Então, como se viu, Vanderlan foi ou está sendo “criado” como o candidato que divide os votos sobretudo “de” Marconi. Não é marconista, e sim o elemento que pode colaborar para derrotar o marconismo, quase de dentro. Porque Vanderlan e Marconi disputam praticamente o mesmo eleitorado, porque, em tese, o eleitorado do PMDB é outro, e razoavelmente bem definido.
Então, Vanderlan não precisa falar mal de Marconi, porque, indiretamente, já está no ataque. E isto o jornalismo às vezes não percebe. Mas o que há de espontâneo, aleatório, ou planejado na escolha do prefeito de Senador Canedo como candidato a governador? Basta dizer que a escolha não foi aleatória. Pode-se dizer que será uma candidatura para tentar derrotar Marconi, mas sem chance de vencer? As pesquisas e as urnas, no tempo certo, dirão a verdadeira dimensão de Vanderlan.
Mudemos um pouco o foco. O prefeito Iris Rezende e o governador Alcides Rodrigues firmaram um pacto de não-agressão no primeiro turno. O pacto mostra que o adversário de ambos é mesmo Marconi e que o objetivo principal é trabalhar para que não vença no primeiro turno. No segundo, todos se uniriam contra Marconi, criando uma frente ampla, difícil de ser batida, porque o tucano ficaria isolado. O que se quer, ao levar a eleição para o segundo turno, é criar a expectativa de que o senador pode ser batido. As pesquisas são um sintoma, pois dizem que Iris e Marconi estão tecnicamente empatados.
Mas um pacto de não-agressão será respeitado apenas numa hipótese: se Vanderlan patinar em no máximo 10% até agosto. Se crescer acima de 20%, ou se chegar a 25% ou 30%, seu discurso mudará. Pode até continuar propositivo, mas, se perceber que realmente tem chance de chegar ao segundo turno, tomando uma vaga de Iris ou de Marconi, seu marketing eleitoral será outro — mais crítico e, quem sabe, agressivo. Se se apresentar desde o início como peça auxiliar para reduzir a força de Marconi, e não como alternativa real a Iris e ao tucano, Vanderlan não chamará a atenção do eleitorado.
Quanto a Iris, o prefeito fez o jogo certo, cobrando apoio mais incisivo, inclusive dentro de seu partido. Todos os procuraram e seu bloco saiu fortalecido. Porque, sem Iris na disputa, Marconi possivelmente seria eleito no primeiro turno, com 60 ou 70% dos votos. Neste momento, Iris é quem faz a sucessão girar, é quem pode atrapalhar os planos do tucano. O jogo passa pelo prefeito. Ao contrário dos outros jornais, o Jornal Opção disse, e não mudou de opinião, que Iris seria candidato. Nossos leitores receberam, portanto, o quadro real. Perceber e descrever os movimentos contraditórios da política não é fácil, mas o Jornal Opção tem acertado mais do que errado.
Marconi continua trabalhando intensamente no interior, e ampliando seu raio de ação na Grande Goiânia — o principal diferencial de Iris —, porque sabe, como político habilidoso, que há uma grande operação para isolá-lo. Até agora, tem se saído bem, sempre muito bem colocado nas pesquisas. Mas, astuto como é, certamente sabe que, com dois candidatos lhe fazendo “oposição”, terá de adotar táticas diferentes de outras campanhas. Agora, não tem o governo para apoiá-lo e tem um ex-aliado como adversário visceral, o governador Alcides. Os grupos de Alcides e Ronaldo Caiado deram ao tucano, em duas eleições (1998 e 2002), aquela percentagem com a qual pôde derrotar o poderio do peemedebismo. Agora, quase tudo mudou, e Marconi conta com menos aliados, mas, como as pesquisas provam, ainda é muito forte.
O eleitor, confirmadas as candidaturas de Iris, Marconi e Vanderlan, pelo menos terá a certeza de que Goiás ficará nas mãos de quem sabe administrar, de quem tem experiência.
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