sexta-feira, 26 de março de 2010

 


DA REDAÇÃO

O conselheiro da malandragem

A contínua ópera da malandragem à qual os brasileiros têm assistido, com tanta cobrança de propina e tanto suborno, faz lembrar uma figura famosa dos primeiros tempos do Império. Foi ele Francisco Gomes da Silva, conselheiro imperial, conhecido como Chalaça, bajulador de confiança de d. Pedro I, espertíssimo na arte de ganhar dinheiro, o personagem mais intrigante da Corte, nos anos que se seguiram à chegada da família real portuguesa no Brasil, em 1808. Literalmente intrigante, pois trabalhar com intrigas fazia também parte de seu perfil de virtuoso (claro que virtuoso usado aqui com sentido deformado) conselheiro.

A respeito da desconfortável classificação do Brasil no ranking mundial de subornos, só se pode concluir que o conselheiro Chalaça continua exercendo influência neste País. Psicografando, digamos assim, os seus conselhos.

Claro que dinheiro escondido na meia ou na cueca desagradaria muito o Chalaça por um aspecto de elegância: o conselheiro transportava seus valores em clássicas casacas inglesas e francesas.

O escritor José Roberto Torero escreveu delicioso livro, editado em 1995, quando o autor estava com apenas 32 anos: “Galantes Memórias e Admiráveis Aventuras do Virtuoso Conselheiro Gomes, o Chalaça.” Obra ficcional, sim, mas impecavelmente inspirada no estilo de vida e de comportamento desse português que veio para o Brasil na imensa comitiva da família real e que, mais tarde, retornaria à sua terra de origem.

Torero cria um filósofo catalão, Calderón de Mejía, muito lido pelo conselheiro Gomes, que repassava aos outros muito do que aprendia com essa leitura. Como três exemplos que o homem deve imitar, cada qual vindo de um dos reinos da natureza: dos minerais, deve aprender com a água, que obedece a forma do cálice que a contém; entre os vegetais, deve ser como a orquídea, que cresce à sombra das grandes árvores; e, do mundo animal, deve espelhar-se na hiena, que segue os leões e assim não conhece a fome.

Do filósofo espanhol também é a teoria dos três ruídos preferidos pelos homens: o sussuro das mulheres, o tilintar das moedas e o alarido das palmas, ou seja, os prazeres carnais, o dinheiro e a fama. Lembremos-nos de que, em 2005, da crônica do escândalo do mensalão fazia parte uma casa de encontros administrada por uma madame, pegava-se muito dinheiro e os personagens sonhavam também com palmas no palco político.

Quando chegou aos 60 anos, vivendo em Lisboa, Chalaça percebeu-se doente, e, pior, que não conseguiria mais uma boa saúde. Mesmo com tantos anos de luxo e ostentação, amantes e viagens de recreio, o conselheiro Gomes fez partilha de seus bens, invejável patrimônio, entre os filhos legítimos e ilegítimos. Era grande fortuna para a época. No dia 30 de dezembro de 1852, com 61 anos, apreciável idade para a expectativa de vida da época, o conselheiro Gomes morreu em Lisboa, no palácio dos Duques de Bragança. Durante a sua extrema-unção, ele disse ao sacerdote que a ministrava: “Padre José, eu amei demais as mulheres e o dinheiro.” Foram as suas últimas palavras. Mas, como podemos muito bem perceber, seu espírito continua influenciando no Brasil, como se ele fosse uma espécie de patrono de subornos, propinas, comissões, e espertezas em negócios à sombra do poder.

Hélio Rocha é colunista do POPULAR

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