EDITORIAL
Divulgação/Agência Petrobras
Lula, se vetar a emenda do deputado Ibsen Pinheiro, prejudica sua pupila Dilma Rousseff
Lula: entre o Brasil e o Rio
Na disputa pelos royalties do petróleo, o presidente da República terá de assumir se fica com Rio de Janeiro e Espírito Santo ou se aposta no desenvolvimento de todos os Estados
“A novidade é que o Brasil não é só litoral. (...) Ficar de frente para o mar,/de costas pro Brasil/Não vai fazer desse lugar um bom país”, cansou de cantar o magnífico Milton Nascimento (a composição é dele e de Fernando Brant). Pois o gaúcho Ibsen Pinheiro, um dos deputados mais qualificados do país, acreditou na música de Milton e apresentou um projeto revolucionário. Os royalties do petróleo — da produção atual, portanto ainda não se trata do pré-sal — não deverão ser distribuídos tão-somente para Rio de Janeiro e Espírito Santo, mas para todo o Brasil.
O argumento de Ibsen Pinheiro respeita o pacto federativo e, sobretudo, beneficia todo o país, acabando com ilhas de prosperidade às custas da União, quer dizer, de todos os brasileiros. Sim, porque o petróleo é da União e os investimentos da Petrobrás não são dos Estados beneficiados, como o Rio do choramingas Sérgio Cabral. “Se o patrimônio é da União e a Constituição não distingue, por que eu vou distinguir?”, pergunta Ibsen. O deputado peemedebista acrescenta que “o Brasil não se regula só pelo Rio de Janeiro”. Num ataque direto ao óbvio, ou à acomodação dos costumes, Ibsen afirma que Rio e Espírito Santos, para citar dois Estados, foram beneficiados por alguma “desatenção”. Porque, se o petróleo é da União, se a produção é articulada e explorada pela União, que lógica garante que alguns Estados devem ser beneficiados e outros não? É a lógica mais do costume do que da economia e da justiça. Aquele tipo de costume que ninguém questiona, mas, quando questionado, por não ter nenhuma base lógica, desmorona em questão de minutos.
A proposta de Ibsen, ao democratizar os dividendos oriundos do petróleo, produzido às custas dos recursos de todo o país, provocou a ira da imprensa de Rio e, mesmo, de São Paulo. Os jornais dos dois Estados, sem citar os panfletos do Espírito Santo, atacam Ibsen e não abrem espaço para posições contrárias às dos lobistas.
O lobby carioca é formidável. Até o jornalista Ruy Castro foi arregimentado para compor a brigada ligeira brancaleônica do governador do Rio, Sérgio Cabral. Castro disse que, se o benefício for concedido aos outros Estados, o Rio quebrará e, assim, a Copa de 2014 e as Olimpíadas serão afetadas. Ora, se o petróleo faz tão bem ao Rio, por que a violência é excessiva no Estado? Por que tem o maior consumo de droga per capita do país? O Rio tem dinheiro de sobra, mas faltam ideias para modernizá-lo e organizá-lo. Os “argumentos” de Castro, um jornalista brilhante, são tão frágeis que, se não fosse deselegante, diríamos que, depois de biografar o jogador Garrincha, pegou um pouco da “inteligência” do craque. O Rio não vai quebrar porque uma medida inteligente decidiu repartir os lucros do petróleo com o país. Não disseram a mesma coisa quando Brasília foi construída? Pois é: Brasília foi edificada e inaugurada, e o Rio não quebrou.
O presidente Lula da Silva, raposa em forma de gente, convocou o país para discutir o petróleo, sobretudo seus dividendos, muito mais com objetivos populistas-eleitoreiros. Como a vida é contraditória, o petista-chefe perdeu o controle do debate, mas, de certo modo, contribuiu para que o Brasil descobrisse que, no caso do petróleo, é espoliado por alguns Estados-metrópoles, como Rio e Espírito Santo. As “colônias” que se danem.
Atualmente, os Estados e municípios ditos “produtores” de petróleo ficam com mais de 50% dos recursos e a União, o maior investidor — de recursos arrecadados em todos os Estados, vale ressalvar —, com pouco mais de 40%. Deputados como Luiz Bittencourt, do PMDB, e Pedro Wilson, do PT, estão empenhados em debater a questão e favorecer o Estado de Goiás. Ouvido pelo Jornal Opção, o senador Demóstenes Torres, do partido Democratas, enfatiza que, “aprovada a emenda Ibsen, a distribuição democrática dos recursos oriundos do petróleo é irreversível. Quem vai brigar com o país?”
Por ser procurador de justiça (licenciado), Torres é estudioso das questões jurídicas e, por isso, critica o governador Sérgio Cabral quando este patrocina a velha ficção de que não se discute direitos adquiridos. “No caso, isto não existe.” Como se sabe, só a burrice, maior multinacional do mundo, é pétrea. O político goiano admite, porém, que a emenda Ibsen pode ser redimensionada no Senado. Pela emenda de Ibsen, a União mantém seus 40%, mas todos os Estados e municípios do país serão beneficiados pelo petróleo. Os senadores devem manter 60% para os Estados e municípios, mas pretendem sugerir que 20% dos 40% da União sejam repassados para os Estados ditos “produtores”.
O problema é saber se a União, que concentra a maioria dos recursos — daí não ter verdadeiro interesse em fazer uma reforma tributária descentralizadora —, vai abrir mão de dinheiro. Não vai, certamente. O presidente, que parece ter se entusiasmado com a ideia da redivisão dos recursos, criticou o que chama de “gracinha eleitoral”. Lula, que adora uma gracinha, não gostou de saber que a divisão da grana do petróleo, que está gerando uma discussão passional — praticamente doentia —, pode prejudicar sua pupila Dilma Rousseff. De mãe do PAC, mais empacado do que nunca, a candidata a presidente pelo PT pode ficar carimbada como madrasta do petróleo. Lula quer evitar isto a todo custo e, ao perceber a fria criada num período crucial, já começa a dizer que a discussão poderia ficar mais para frente.
Mas não dá mais para segurar o debate. Todos os Estados, menos os supostos prejudicados — que não aceitam que, até agora, as outras unidades da federação são as mais prejudicadas —, são favoráveis à proposta inteligente de Ibsen. Aécio Neves, governador de Minas Gerais, e José Serra, governador de São Paulo, os primeiros a chegar atrasados em quaisquer debates, estão fazendo média com Espírito Santo e, especialmente, Rio. Lula, que acredita que elegerá Dilma, não está gostando da movimentação que considera contra seus interesses, porque, de certo modo, parece considerar o poder como se fosse seu. Quem criou o “rolo”? Lula, ao dizer, no seu típico populismo, que todo o país deveria lucrar.
Torres diz que o Senado vai aprovar a partilha. “Ibsen ganhou a simpatia do Brasil”, afirma o democrata. Por quê? Porque, com seu projeto, criou uma reforma tributária indireta que, finalmente, beneficia todos os Estados, retirando dinheiro da União e de Estados, como Rio e Espírito Santo, que se comportam como fossem especuladores que vivem de renda, não da produção. Porque, no fundo, são parasitas — não produzem, só arrecadam. Porque quem produz é a União.
Uma nota sobre Goiás e a discussão dos royalties. A mídia local pouco tem discutido o assunto e, não raro, confunde a polêmica dos royalties da produção já existente com a produção futura do pré-sal — equívoco que até o veterano Clóvis Rossi, da “Folha de S. Paulo”, parece cometer. Poucos políticos locais parecem interessados no debate dos royalties, que poderão render milhões de reais ao Estado de Goiás. Torres, Bittencourt, Wilson, Rubens Otoni, Luis Cesar Bueno e Thiago Peixoto são alguns dos que debatem e se interessam genuinamente pela questão. Peixoto, por sinal, sempre acrescenta a discussão de combustíveis alternativos.
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