sexta-feira, 13 de agosto de 2010




Opinião

Os “autoenganos” do secretário da Fazenda

Salatiel Soares Correia

O grande e saudoso ministro do planejamento do governo João Goulart, Celso Furtado — sábio, culto, íntegro, inteligentíssimo e, de longe, o mais internacional de nossos economistas, faz em seu livro de memórias uma instigante indagação referente ao desenvolvimento brasileiro. Diz ele em seus escritos: “que somos nós senão uma fantasia organizada?”

Outro sábio, o professor Eduardo Gianetti da Fonseca — mais que economista, pois ousa filosofar em torno de assuntos complexos da vida —, elaborou, com o brilhantismo que lhe é peculiar, um conceito que muito se enquadra ao assunto que desejo hoje tratar neste artigo: o “autoengano”.

Entende o professor Giannetti da Fonseca por autoengano “aquele em que a mente da pessoa consegue de alguma forma manipular-se e iludir-se a si própria.”

A vida é repleta de autoenganos. O que tem em comum o hábito de se atrasar o relógio, a vitória do pequenino Davi sobre o gigante Golias, a sensação de mutilados de guerra ou em consequência de acidentes de que o membro amputado continua onde sempre esteve? Mais: o que tem a ver a mãe que se recusa a encarar a dura realidade de que seu filho é um malfeitor? A resposta: o autoengano. Ou seja, o fato de se acreditar que uma inverdade seja a realidade. Isso é o que configura o autoengano.

Viver no autoengano não é de todo ruim, pois, convenhamos: qual é a mãe que vai admitir que o filho é realmente um criminoso?

Estabeleço essas considerações para, agora, emitir minha opinião a respeito das ponderações do senhor secretário da Fazenda a respeito de um assunto que muito interessa ao povo de Goiás: o déficit do Estado.

Sem entrar em detalhes técnicos, que ajudam somente a ver a árvore, mas jamais a floresta, que explica o todo, atenho-me a alguns pontos levantados por sua excelência, com os quais absolutamente não concordo.

O primeiro deles se refere à maneira pela qual a Fipe, a meu ver, acertadamente resolveu responder à questão para a qual fora contratada: que gestão ou gestões “quebraram” as finanças públicas goianas?

Nesse sentido, senhor secretário, creio que aí reside o seu primeiro autoengano: para apurar ações predatórias de governo interessam — e muito — que as informações sejam agregadas — incluindo administração direta e indireta. Por conseguinte, a fonte de informações da maior respeitabilidade é, sem lugar a dúvida, o Balanço do Estado de Goiás.

Vejamos um exemplo naquilo que creio ser minha praia: o setor de energia.

Para tanto, vale a seguinte indagação: quando começou de fato o grande drama da situação agonizante em que hoje se encontra a Companhia Energética de Goiás?

Eis a resposta: com o advento do Plano Real e o fim de uma conta que levava a Companhia Energética de Goiás a um mundo surreal dos investimentos sem retorno econômico. Quanto a isso, não me canso de falar: “investimentos” que na realidade se constituíram em verdadeiros elefantes para matar pulgas e enriqueceram muita gente com o dinheiro provindo da praga do desenvolvimento fácil. Mais: o que são empresas como a Celg e a Saneago, senão a face do estado empresário para, com os insumos que produzem, sustentar o desenvolvimento econômico-social da boa gente de Goiás? Administração direta e indireta fazem, sim, parte de um todo chamado Estado. Mais ainda: se não se agregar a administração direta e a indireta, como será possível constatarmos o pior dos mundos que hoje vivemos, no qual se investem não as receitas originadas do capital — que certamente estariam nos retornos econômicos que de fato transferiram renda do público para o privado —, mas sim através (pasmem!) da perda de patrimônio, como é o caso da nossa tão maltratada Celg? Como foi a extinção de nossos principais agentes que financiavam o desenvolvido goiano?

Outro autoengano de sua excelência é evidenciar uma consideração, que, com toda franqueza, considero um detalhe menor: o fato de a Fipe não ter usado todos os documentos que solicitou. Ora bolas! Não usou porque não foi preciso, em razão do caminho escolhido para verificar “qual gestão de governo havia “quebrado” o Estado de Goiás, e se havia déficit de 100 milhões mensais.”

A lição que fica de toda essa questão do déficit, quem nos dá de maneira sábia inteligente, embasada em dados agregados do País, incluindo administração direta e indireta, é o brilhante ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco: a de que em economia não existe almoço grátis, e que o desenvolvimento fácil é pura venda da alma ao Diabo, que deixa sempre um pesadíssimo ônus para as futuras gerações pagarem: o inferno cheio de privações.


Salatiel Soares Correia é engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Energia. É autor, entre outros, do livro Tarifas e a Demanda de Energia Elétrica

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