quarta-feira, 10 de março de 2010

O Popular

Opinião

Produzir e preservar 






José Antônio T. e Silva *

Desde há algum tempo afloram críticas ao Código Florestal brasileiro (Lei 4.771/1965), notadamente no que pertine à extensão das Áreas de Reserva Legal (RL) e de Preservação Permanente (APPs).

Desde logo, podem-se tecer críticas à diferenciação nas áreas de reserva legal fixadas pelo Código de 1965, pois não há, salvo no caso das áreas de Cerrado na Amazônia Legal, qualquer consideração do ponto de vista biológico e/ou função ecológica dos biomas – tampouco dos distintos ecossistemas inseridos em cada um desses biomas – para a fixação dos porcentuais de reserva.

Em termos ideais, esses elementos seriam condição indispensável para que a norma pudesse levar à melhor relação “aproveitamento econômico versus proteção ambiental”. Em termos ideais, repita-se, pois se já é pouco efetiva a fiscalização do respeito a essas normas, é difícil imaginar que agentes ambientais especializados em florestas existam em número suficiente e à disposição dos órgãos de controle para a análise de imagens de satélite e visitas in loco, comprovando o respeito ou não às leis.

O que enseja, ademais, outro questionamento: por que as propriedades nas áreas de Cerrado na Amazônia Legal devem manter 35% a título de reserva, enquanto que, nas demais áreas de Cerrado, esse número se restringe a 20%?

Faltam, ao que tudo indica, critérios científicos nesses porcentuais.

Impõe-se, portanto, uma adequação do Código Florestal a elementos e circunstâncias que pautam atualmente o uso da propriedade rural, como a proteção ambiental, que é um dos elementos que compõem o conceito de função social da propriedade. E, nesse sentido, aparecem as Áreas de Reserva Legal, de uma parte, e as APPs, de outra.

Pelas primeiras, não creio seja necessário reduzi-las como um todo e de forma indiscriminada. Deve-se, com base em critérios de ordem ecológica, social e econômica, repensar o estabelecido pelo Código. A fixação de porcentuais consideraria, assim, a amplitude do meio ambiente – e não apenas o tipo de cobertura vegetal – além de elementos que respondam aos dois outros pilares do desenvolvimento sustentável, quais sejam, o social e o econômico.

Nesse sentido aparece como instrumento privilegiado o Zoneamento Econômico e Ecológico (ZEE) do território, a partir da iniciativa dos Estados federados e, por óbvio, promovido de forma ambientalmente responsável. O ZEE tem a capacidade de responder mais do que adequadamente a esse tipo de anseio que emerge, primeiramente, pelos ambientalistas e, agora, já de parte do setor agrícola – sem contar a demanda social pelo acesso à terra.

Reconhece-se, com cada vez mais força, a importância não de se reduzir as áreas de reserva legal ou de preservação permanente, mas de sua efetiva proteção e, inclusive, para além dos limites mínimos. Daí o progressivo recurso à agricultura biológica, ao cooperativismo, ao comércio equânime, à remuneração por serviços ambientais, dentre outros, capazes de contribuir para a afirmação prática do tão propalado desenvolvimento sustentável.

Reformar o Código Florestal de 1965 nos moldes, por exemplo, do Código Ambiental do Estado de Santa Catarina, que esvazia em parte o conceito de APPs, seja pela redução de seus limites, seja por permitir a cultura nelas, é suicida para o setor agrícola – como para todos –, pois as APPs têm considerada pela lei sua função ecológica.

De onde é essencial sua proteção, garantindo a perenidade dos recursos naturais – água, solo, biodiversidade. E, sem muita reflexão, nota-se que servem as APP’s – como as áreas de reserva legal – igualmente para garantir a perenidade das atividades agropecuárias. Pensar de forma maniqueísta, colocando o setor agrícola na berlinda dos ataques dos ambientalistas, é negar algo que está mais do que claro na relação entre a proteção do meio ambiente e o uso dos recursos naturais: a sua interdependência.

* José Antônio Tietzmann e Silva é advogado e professor, doutor em direito ambiental e urbanístico pela Universidade de Limoges, França

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