sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Salvar o quê?





Opinião






Afonso Lopes

 
Empréstimo da Celg: o que falta discutir?


O governo Alcides Rodrigues tem pressa na aprovação do pedido de empréstimo de praticamente quatro bilhões de reais. Muita pressa. Tanta pressa que nem se deu ao trabalho de mandar para a Assembleia Legislativa uma mensagem mais detalhada. Aliás, além do valor expressivo, que representa 30% de todas as dívidas contraídas pelo Estado em toda a história, não há muitas outras informações nessa mensagem. E as que lá existem geram mais dúvidas que certezas.

A começar pelos prazos e pelo formato desse empréstimo. A mensagem do governo diz genericamente que o dinheiro vai ser buscado junto ao BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal ou demais instituições do sistema financeiro nacional indicadas pelo governo federal. Em resumo: de onde virá tanto dinheiro? De um, dois ou de um pool de bancos? Não se sabe. Prazos? Também não consta. Consequentemente, também não se sabe nada sobre número de prestações e nem dos valores mensais do pagamento que terão que ser feitos no futuro. E nem quando será esse futuro. Não se informou sequer se esse empréstimo global será regido por um único contrato ou vários, talvez dezenas.

Paralelamente a esse conjunto de dúvidas, há uma certeza assustadora: a vinculação praticamente total das receitas estaduais, que serão oferecidas como garantia. E é quase tudo mesmo, do ICMS e IPVA, que são recolhidos pelo próprio Estado, até o FPE, repassado pela União. Ora, se não há informação sobre prazos e juros, como saber se essas parcelas futuras caberão dentro do orçamento já muito apertado do Estado?

Outro ponto que precisa ser melhor esclarecido é sobre a utilização de tanto dinheiro. Parte irá para a Secretaria da Fazenda e será repassada à Celg como pagamento de dívidas do Estado para com a estatal. Mais de R$ 2 bilhões serão entregues à Secretaria do Planejamento para que sejam usados na integralização de aumento de capital da empresa. Isso está bastante claro no anexo I da proposta de lei autorizativa do governo. Mas é preciso conhecer mais sobre a destinação final desse dinheiro todo.

O que a Celg fará com quase R$ 4 bilhões? Pagar dívidas, logicamente. Mas quais dívidas? Quem tem tanto assim para receber da elétrica estatal goiana? Um credor, dois, mil, milhares? Seria revelador e importante que o governo mostrasse para onde irá essa montanha de dinheiro. Quais são os credores e o que cada um vai receber. Tudo claro, transparente. Sabe-se, por exemplo, que um desses credores, o maior deles, ao que se supõe, é o sistema elétrico nacional, Eletrobras. Exatamente a empresa federal que, no bojo de toda essa operação, vai abocanhar quase a metade das ações da Celg. Quanto a Eletrobras irá pagar para se tornar sócia de Goiás na Celg não se sabe também.

Outro credor, conforme admite o próprio governo, é o Tesouro Estadual. Ou seja, o Estado pagará sua dívida com a Celg e a empresa devolverá uma boa parte para quitar ICMS não recolhido nos últimos meses. Na prática, esse dinheiro entrará no caixa do governo, mas não chegará à empresa. É uma troca de papéis com troco em dinheiro vivo. Portanto, aqui já se revela que a operação não visa somente “salvar” a Celg, mas encher os cofres estaduais. Seria esse o verdadeiro motivo para tanta pressa?

Até esse sentido que se dá ao empréstimo, de urgência para “salvar” a Celg, pode ser reforço semântico. Salvar sim, mas quem a ameaça? Os grandes credores da empresa são os governos federal e estadual. Os demais, dezenas de bancos que rolam dívidas imediatas a juros extorsivos e praticamente diários, não têm o menor interesse na falência da empresa. A não ser que queiram simplesmente “matar” uma boa fonte de renda e, mais do que isso, entrar como secundários numa massa falida, com predominância total para o pagamento de impostos e outras dívidas federais. Portanto, e é o caso de se perguntar, a quem interessaria a falência da Celg?


Afonso Lopes é jornalista

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