quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Pinoguito!

Diário da Manhã

O príncipe de Aparecida e a CPI da Celg

A busca da verdade já nos proporcionou valiosos ensaios filosóficos. O evangelho de João refere-se a ela como um momento de grande perplexidade, no qual Pôncio Pilatos responde à afirmação de que Jesus viera para dar testemunho da verdade. Jesus Cristo via a verdade como algo divino e absoluto; já Pilatos entendia ser a verdade algo inerente ao concreto e ao racional.

É atribuída a Agaton a seguinte reflexão a esse respeito: “Se te disser a verdade, não te agradarei; se te agradar, não te direi a verdade”. O paralelo brasileiro é atribuído a Mota, que enfatiza que “a verdade é amarga. Dizendo-se as verdades, perdem-se amizades”.

Expus tais reflexões para abordar um assunto que muito interessa ao povo de Goiás, nestes tempos em que o debate político torna-se cada vez mais efervescente: o resultado do relatório da consultoria da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) sobre a enorme dívida da Companhia Energética de Goiás (Celg). Vamos, por partes, expor os seguintes aspectos, para seu melhor esclarecimento, leitor:

Quanto à qualificação do relatório: parabenizo quem votou na CPI da Celg pela contratação da Fipe/USP para elucidar a verdade dos fatos. Prestaram um excelente serviço ao povo de Goiás. Os ilustres deputados dispõem agora de um instrumento isento e racional para cumprir esse objetivo.

A Fipe é um órgão da maior credibilidade, vinculado à Universidade de São Paulo (USP), a melhor instituição de ensino superior do Brasil. A coordenação dos trabalhos coube à pesquisadora Ana Paulo Paulino, profissional da maior respeitabilidade intelectual, quando o assunto é a contabilidade gerencial. Eu mesmo já li seus trabalhos de estratégia, aliás, de altíssima qualidade. Além disso, amigos meus professores da USP me informaram ser ela uma destacada discípula do doutor Sérgio Iudícibus, uma das maiores autoridades da contabilidade gerencial no Brasil.

Quanto ao relatório em si: fazendo uso de uma metodologia reconhecida internacionalmente (o Modelo Fleuriet), o trabalho investiga, por meio de uma considerável base de dados, o processo histórico dos últimos 25 anos da Celg, juntando partes dentro de um todo. Assim será possível avaliar quantitativamente a responsabilidade de cada governo nesse caótico processo de decadência que viveu a empresa, em seu último quarto de século.

Como os números não mentem, não resta dúvidas de que 60% do endividamento da Celg pode ser atribuído ao mais desastroso episódio que viveu a administração pública goiana: a venda da usina hidrelétrica de Cachoeira Dourada, na época que habitava a Casa Verde o atual príncipe de Aparecida.

É exatamente nesse aspecto que os dados do relatório quantificam uma verdade incontestável: “o evento Cachoeira Dourada (cisão e contrato de compra de energia) gerou uma saída total de R$ 2,5 bilhões, equivalente a 60% do total de endividamento junto a instituições financeiras, Eletrobrás e fornecedores”. Em outras palavras, 60% do inferno que hoje vive a Celg se relaciona diretamente com a venda da usina e o famigerado contrato de compra de energia.

Na condição de crítico de tudo que ocorreu naquela época e procurando contribuir para que o debate político separe o joio do trigo, não custa refrescar a memória do atual príncipe de Aparecida, a respeito de episódios marcantes relacionados à venda da Usina. Tamanha era a superioridade técnica dos compradores de Cachoeira Dourada que aportaram na terra de Pedro Ludovico com todas as informações e modelagem matemática que nem sua comissão de desestatização e nem mesmo a Celg possuíam. Tudo se passou como numa corrida muito desigual de automóveis: os compradores com carros de fórmula 1 e o governo de Goiás da época num fusca. Pura incompetência de um governo que não entendeu os novos ares que sopravam no País e no mundo.

Mas refresquemos um pouco mais a memória do príncipe de Aparecida. A sociedade organizada foi chamada para esse importante debate, vez que o governo estava dispondo do maior patrimônio goiano? Não! A venda da usina foi lastreada por rigorosos estudos técnicos? Não! Foram cumpridas as promessas que o governo fez à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no sentido de autorizar a venda da usina( redução de despesas com serviço terceirizado, pessoal, equilíbrio do fluxo de caixa e dívida, etc) como aponta a página 39 do relatório? Não.

Vale lembrar que Goiás tinha um governo eleito pelo povo, para que, em nome dele, tomasse decisões. Diminui mais ainda a estatura de homem público criticar quem a história colocou anos luz acima de Vossa Excelência, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. FHC pensou não na próxima eleição, mas na nação. Prova disso é o bom momento que vivencia o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, proporcionado pelo Plano Real. Falar em “chantagem” é, portanto, no mínimo uma indelicadeza com esse notável homem público que é Fernando Henrique.

Encerro este artigo mais uma vez parabenizando a CPI, na pessoa dos deputados Hélio de Souza e Humberto Aidar. Agora vocês têm munição para convocar atores principais e coadjuvantes que diretamente participaram do pior período da história política e econômica de Goiás. Que a verdade venha à tona. Quanto a isso, o filho do Criador já dizia: “Conhecereis a verdade e ela vos libertará”. Para sermos cidadãos, precisamos ser, antes de mais nada, profetas, para assim separarmos a fantasia da realidade.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de empresas, mestre em Planejamento Energético. É autor, entre outros, do livro A Construção de Goiás


Nenhum comentário:

Postar um comentário