segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Diário da Manhã

Opinião

Gilvane Felipe

Entre a extorsão comprovada e a armação imaginada
08/02/2010

Acompanho, com interesse, como todos os goianos, o desenrolar do caso de extorsão praticada pela filha do secretário da Fazenda, Jorcelino Braga, contra uma entidade filantrópica, episódio jocosamente já apelidado de ‘Propinobraga’. O espetáculo que está sendo patrocinando por alguns políticos governistas e do PMDB beira o ridículo, não fosse revelador de um comportamento irresponsável e leviano para com a coisa pública em Goiás.

O próprio Braga, no primeiro momento, disse textualmente: “Infelizmente, a história é verdadeira”. Em um gesto acertado, colocou o seu cargo à disposição do governador. No dia seguinte, porém, mudou o discurso e passou a falar em “armação política”. Vieram então o governador, os líderes maiores do PMDB e mais uma enxurrada de políticos avidamente em defesa de Braga e também batendo irresponsavelmente na tecla da “armação política”.

Nenhum deles apresentou provas da tal “armação”. Enquanto o caso da extorsão está sobejamente demonstrado até em vídeo, a “armação política” não ganhou um fiapo de comprovação. No Brasil, “armação política” é numa velha e esfarrapada desculpa de todos os políticos flagrados em atos ilícitos, a começar pelo principal deles, aliás, o que tornou o mote conhecido, o paulista Paulo Maluf – por sinal expoente do PP. Chego a pensar que usar essa saída tão desgastada seria uma espécie de confissão de culpa, de último pretexto para quem não tem nada a que se agarrar. Se não há outra defesa senão dizer que é “armação”, é porque é verdade.

Braga, Alcides, Iris, Maguito e tantos outros, falam em “armação”, mas não mostram nada concreto. O pior é que Alcides e Ernesto Roller levantaram uma tese ainda mais hilária. O noticiário sobre o caso Braga supostamente faria parte de uma estratégia de denuncismo, montada para atacar os pré-candidatos a governador do PP – no caso Braga e Roller (seriam também os desaparecimentos de Luziânia uma “armação” contra a pré-candidatura de Roller a governador?). Alcides, inclusive, reclamou que tudo seria uma baixaria destinada a transformar a pré-campanha em um jogo rasteiro de acusações. O que torna inverossímil e até mesmo risível esse argumento é que, para começo de conversa, os tais pré-candidatos governistas sequer aparecem nas pesquisas e não têm nenhuma possibilidade de alterar o quadro eleitoral deste ano. A quem interessaria, então, a sua desconstrução?

Vamos em frente: quem trouxe o denuncismo para o cenário político foi justamente o governo do Estado, através do próprio Braga, com o apoio de Alcides. É ele quem vinha patrocinando uma campanha de difamações contra o senador Marconi Perillo, a quem chegou a dirigir palavras chulas e desrespeitosas, que mereceram o repúdio geral da sociedade. Foi Braga, a mando de Alcides, quem baixou o nível e agora o feitiço virou-se contra o feiticeiro, contra ele e o governo, o que era previsível, pois, como lembra o ditado popular, quem planta ventos colhe tempestades.

Braga, aliás, prometeu em declarações aos jornais que dispunha de denúncias suficientes para que, no momento da campanha, o resultado das eleições pudesse ser influenciado para derrotar o candidato que ele odeia.

O figurino de vítima não cai bem em Braga, pois, todos sabem que é um grande adepto do denuncismo. Prova disso, foi a campanha de Sandes Júnior a prefeito de Goiânia, em que foi o marqueteiro-mor, proporcionando o triste espetáculo de dois programas repletos de acusações a Iris Rezende no horário gratuito de televisão. Nesses programas, foram mostradas as fazendas milionárias adquiridas por Iris ao longo da sua vida pública, o mesmo Iris que hoje beija as mãos do secretário da Fazenda no afã de conseguir aliados para enfrentar Marconi nas urnas de outubro próximo.

Não se trata de condenar antecipadamente o secretário Braga no caso da extorsão praticada pela sua filha. O fato é que há uma investigação em curso que precisa ser respeitada. Quem prejulga são os que se desesperam em garantir com palavras e não com provas que ele não está envolvido no episódio.

O argumento de que Braga seria inocente porque se "antecipou" e foi ao Ministério Público pedir a apuração não dá pra se levar a sério. Primeiro, porque o caso começou com um depoimento da vítima na Polícia Federal. E, depois, o inquérito seria aberto de qualquer maneira. A solicitação de Braga ao MP, por isso, pode ser legitimamente entendida também como uma reles manobra para se posicionar melhor na fotografia do escândalo.

Duas associações de funcionários da Secretaria da Fazenda apressaram-se em defender o chefe, sugerindo que, “como o secretário sempre se comportou como uma pessoa íntegra”, deve ser também considerado inocente nesse episódio. Ora, está aí outro argumento a ser descartado em qualquer investigação. Veja-se o caso do sargento PM que matou quatro jovens em Aparecida, na semana passada. Ele também tinha uma folha exemplar até aquele momento. Sua trajetória profissional era brilhante, de uma honestidade a toda prova. No entanto, cometeu em segundos um crime bárbaro. Portanto, as associações foram imprudentemente precipitadas em seu posicionamento.

Por último, Braga não está sendo responsabilizado por algo que a sua filha fez. O ponto não é esse. Afirmar isso é tentar transformá-lo em vítima. Na verdade, o secretário da Fazenda está em dificuldade para explicar a sua participação no caso, que tem realmente alguns pontos ainda obscuros.

A sua filha, por exemplo, jamais teria acesso à presidência da Celg nem ao Gabinete Civil, que enviou à Assembléia e depois misteriosamente recolheu um projeto de doação, de valor significativo, para a Renafé. Esse projeto foi retirado justamente quando a filha de Braga exigia um aumento das propinas e a Renafé se recusava a pagar.

E mais: as quantias que a Celg liberou para a entidade filantrópica são muito elevadas e quem conhece a gestão de governo sabe que uma decisão dessas jamais seria tomada isoladamente por um presidente de empresa pública, atendendo a desconhecidos. Inexplicavelmente, Braga se dirige à Celg, uma empresa “quebrada”, como o próprio secretário da Fazenda gosta de repetir, para solicitar doações vultosas. Está aqui o ponto, o nó a ser desvendado pela investigação. Há uma ponta de novelo aí e o Ministério Público precisa puxar o fio da meada para ver o que aparece.

Braga pode ser inocente. Claro. Mas também pode ser culpado. Quanto mais ele e os seus defensores falam em “armação política”, mais cresce a impressão de que há “algo de podre no reino da Dinamarca” e que precisa ser averiguado com vigor. Entre a extorsão comprovada e a armação imaginada, fico com o Ministério Público e a investigação que está em curso.

Gilvane Felipe é mestre em História pela Universidade Sorbonne Nouvelle, Paris, França, e presidente do PPS em Goiás

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