Fotos: Edilson Pelikano/Jornal Opção
Iris Rezende, prefeito de Goiânia, e Marconi Perillo, senador: os principais rivais na disputa de outubro
Editorial
O papel do líder na política
Modernizada, a sociedade goiana está de olho mais nas propostas e nos próprios líderes políticos do que em ataques e contra-ataques de caráter mais eleitoreiro ou pessoal
Poucos scholars escreveram tão detida e competentemente sobre política quanto o sociólogo alemão Max Weber. Entre seus melhores textos estão “A Política Como Vocação” (Editora UnB, 110 páginas) e, claro, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (Companhia das Letras, 288 páginas). “A Política Como Vocação” é imprescindível ao analista que não percebe a política tão-somente como exercício do pragmatismo e da amoralidade. Uma síntese das ideias de Weber pode ser encontrada no livro “Max Weber — A Política e o Espírito da Tragédia” (Record, 375 páginas), do historiador americano John Patrick Diggins. Para Weber, três qualidades são “decisivas para o político: paixão, um sentimento de responsabilidade e um senso de proporção”.
A paixão, no entendimento weberiano, significa “preocupação pela coisa em si, o compromisso apaixonado por uma causa”. “Responsabilidade é considerar a política como um exercício de poder sem permitir que o poder se torne um fim em si mesmo.” Proporção “requer perspectiva, uma espécie de recuo para fazer julgamentos responsáveis, a capacidade de manter a serenidade e calma interiores sendo, ao mesmo tempo, receptivo às realidades, em outras palavras, distância das coisas e das pessoas”.
Karl Marx, não superado na diagnose econômico-financeira de um período histórico, escreveu que o capitalismo nasceu nos poros do feudalismo. Pois pode-se dizer que há um Goiás moderno nos poros de um Goiás ainda arcaico. Este Goiás moderno luta com o arcaico, às vezes vencendo, às vezes sendo derrotado. No final, se tornará vitorioso, porque o arcaico, o conservantismo, tem seu limite histórico. O “velho” fez o impossível para retardar a mudança da capital da cidade de Goiás para Goiânia, mas, a partir de 1930, com a Revolução projetada por gaúchos e mineiros, não teve mais forças para segurar a energia do novo.
Debaixo de uma quietude que parece provinciana, há uma sociedade nova, sólida e ativa, que está atenta às ações de seus políticos. Trata-se de uma sociedade que, embora dependa parcialmente da política, construiu sua estrutura econômica e financeira à revelia do poder público. Por isso, guarda certa autonomia e, nos períodos eleitorais, vota e decide como quer. Como não se trata de uma classe social orgânica, de um coletivo concatenado, é praticamente invisível e, portanto, refratária à análise sociológica. Do ponto de vista social, porque conhecem seus direitos, tratam-se de cidadãos, mas se tornaram vitoriosos no mercado, um mercado sumamente agressivo, porque se comportam como indivíduos. Noutras palavras, embora contribuam para o crescimento da economia e se constituam em instrumento efetivo de desenvolvimento, são indivíduos que vencem isoladamente, organizando negócios lucrativos e em expansão, sem apostar, necessariamente, na organização social. Podem até participar de associações e sindicatos patronais, mas venceram como indivíduos. Pois estes indivíduos, alguns ricos, outros com uma situação financeira confortável, infensos ao controle político, estão de olho no comportamento dos políticos brasileiros e goianos. São eles que, no momento das eleições e dos plebiscitos, aparecem de repente e mudam a configuração do quadro estabelecido. Têm poder de influência, mesmo não se considerando formadores de opinião e com ação dispersa, muito superior ao do povão, a maioria. Estes indivíduos, pequenos, médios e grandes empresários, alguns deles donos de colégios que educam as elites, outros donos de clínicas, seguem a tese de Weber de que há apenas “dois pecados mortais na área da política: a falta de objetividade e a falta de responsabilidade”.
Na sua visita em Goiânia, o presidente Lula da Silva, que aprendeu a falar “a” linguagem do brasileiro, disse, em tom chistoso mas verdadeiro, que, como seu governo está acabando, o café começa a chegar frio. Até os garçons estão de olho na expectativa de poder e, embora a ministra petista Dilma Rousseff esteja em ascensão, o governador de São Paulo, o tucano José Serra, é o favorito nas pesquisas. A sociedade e a política estão em movimento, como se estivessem num balanço, com rumos em definição, mas ainda não definidos. A liderança de Serra prova que a sociedade, embora aprove Lula, avalia que talvez tenha chegado a hora de ir além da Bolsa Família e da estabilidade. O Brasil talvez queira ousar um pouco mais. O que está em jogo, porém, não é a falta de liderança de Lula, e sim a falta de liderança de Dilma. Apesar da transferência de voto, que é possível em certa medida, o eleitor bem informado sabe que, se for eleita, Dilma é quem vai administrar, e não Lula, e pode não representar nenhuma mudança qualitativa.
Em Goiás não faltam líderes, mas os líderes precisam estar preparados para o momento “x” de seu Estado. Como alega que recebeu o governo com “n” dificuldades financeiras, o que comprometeu seu projeto de investimento, o governador Alcides Rodrigues, homem de bom senso, deixou de exercer a liderança política, optando tão-somente pela liderança administrativa. Como o governador é tido como o principal executivo do Estado, e mesmo assim absteve-se da articulação política, criou-se uma espécie de vazio político. Mas não há vácuo que perdure para sempre em política. A presença forte do prefeito de Goiânia, Iris Rezende, do PMDB, e do senador Marconi Perillo, do PSDB, no cenário político tem muito a ver com a “ausência” do governador Alcides.
Iris e Marconi, polos da política goiana, ocuparam quase todo o espaço político e devem ser os grandes rivais da disputa de 3 de outubro deste ano — eliminando, quem sabe, as chances eleitorais de uma terceira via. Juntos, hoje, têm mais de 80% das intenções de voto. Eles estão se criticando com alguma contundência, porque sabem, experts que são, que estão sendo observados. Mas precisam ficar atentos a uma questão: os indivíduos não estão de olho apenas no que dizem um do outro. É possível que estejam observando muito mais o discurso que estão fazendo para transformar Goiás, para modernizar ainda mais as estruturas do Estado.
Então, se há uma sociedade madura, sumamente capaz de discernir o que quer, independentemente do discurso elaborado pelo marketing, Goiás vai cobrar a vigência de um líder que saiba ser líder e que dê um rumo mais ousado e realista para o Estado. O eleitorado certamente vai acompanhar, em mais larga medida, aquele que conseguir ser “o” líder adequado para o momento, mas que saiba despregar-se do momento e oferecer esperança de que a sociedade pode ser melhor — sem pirotecnia e populismo. Aqui, citemos Weber mais uma vez: somente a liderança pode superar os “três flagelos da política democrática: mediocridade, burocracia e falsidade”.
Acima de qualquer coisa, pois ideologias são ilusões descartáveis para a sociedade moderna, o eleitorado tende a ficar ao lado, em outubro, do candidato que conseguir promover esperança de melhoria real na vida de cada indivíduo. Ele tem de falar ao coração e, sobretudo, ao cérebro deste indivíduo. Tem de conseguir incutir a ideia de que os políticos podem ser parecidos, mas, no fundo, são diferentes. Baseados em pesquisas, que se tornaram mágicas e não indicativas, marqueteiros argumentam que não está na hora de apresentar propostas, e sim de firmar candidaturas. Tem certa lógica, mas não a lógica toda. Os indivíduos querem saber, sim, o que os pré-candidatos pensam a respeito de determinados assuntos, por exemplo, o que é possível fazer com uma arrecadação mensal de, digamos, 1 bilhão de reais. Propostas não devem ser apresentadas apenas no período tido como estritamente eleitoral.
Note-se um fato curioso: quem aparece hoje como líder nacional entre os políticos goianos, cotado para disputar a vice da ministra Dilma Rousseff? Henrique Meirelles, que, embora tenha se filiado em Goiás, tem escassa ligação política com o Estado. Rigorosamente, não é um político “goiano”. Trata-se de um político que o presidente Lula incrustou em Goiás, no PMDB, com o objetivo de tentar transformá-lo em vice de Dilma. Por que isto está ocorrendo? Porque, apesar do brilhantismo de um senador como Demóstenes Torres, da competência da senadora Lúcia Vânia, das articulações de Marconi Perillo e Rubens Otoni, da nacionalização do que Iris faz em Goiânia, o Estado perdeu força nacional. O povo goiano, em outubro, pode, ao eleger um governador, buscar, mais uma vez, um político que tenha representatividade na corte. É bem possível que o povo cobre liderança até mesmo dos candidatos a senador e deputado federal.
Num mundo que vive com pressa, em que os negócios não podem mais ser adiados, o eleitorado vai pensar, ao votar, naquele político que tem condições de fazer uma costura partidária que permita uma governança equilibrada, responsável mas, ao mesmo tempo, ousada e que dure os quatro anos do mandato. Não adianta sugerir que quatro anos é pouco. Porque não é. Todo empresário sabe que, em quatro anos, é possível construir um grande empreendimento vitorioso ou, no polo oposto, levá-lo ao fracasso.
Quem vai conseguir ser o líder que a diversidade da sociedade goiana exige: Iris, Marconi, Ernesto Roller (PP)? Depende deles ou de outros candidatos a líder principal. Como líderes, têm de estar ao lado dos indivíduos, em suas esperanças de crescimento individual e coletivo, e, ao mesmo tempo, acima deles, no sentido de que os líderes têm de superar seus liderados.
Weber diz que “o líder é uma pessoa de convicção, entendimento, vitalidade, ascetismo, devoção, sacrifício, preferindo a luta à subordinação, inspirado por valores intrinsecamente valiosos e não apenas instrumentalmente úteis. A política, ao contrário, é toda pragmática, uma tentativa de expedientes, coalizões estratégica, adaptações e reajustes, sempre visando a fins mundanos, na suposição de que somente o viável pode ser bem-sucedido. A política, em vez de expressar a democracia, na realidade espelha seu caráter pluralista e multifaccionário.” O sociólogo alemão sugere que “um líder pode aspirar à grandeza, não pela superação de seu povo, mas representando-o melhor do que os acordos e as distorções da política democrática.” John Patrick Diggins escreve: “Um líder autêntico, explica Weber, não se sente constrangido por regras, nem preso às rotinas de tradições passadas. Ao contrário, ele é carismático comandando a dedicação de seus seguidores e digno de confiança pelo compromisso com sua causa.”
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