segunda-feira, 8 de março de 2010

JORNAL OPÇÃO

ENTREVISTA
Edilson Pelikano/Jor­nal Op­ção

IBSEN PINHEIRO

“Minha emenda dá mais R$ 544 milhões a Goiás”
Deputado do Rio Grande do Sul, ex-presidente da Câmara dos Deputados, defende proposta de redistribuição de royalties da exploração do petróleo para favorecer Estados não produtores

“Ape­sar de es­tar com to­dos os par­ti­dos que ga­nham o po­der, o PMDB é um par­ti­do ho­ri­zon­tal, que ocu­pa to­do o es­pa­ço na­ci­o­nal, e por is­so tem pa­pel cru­ci­al na pre­ser­va­ção das ins­ti­tu­i­ções.” A opi­ni­ão é de um dos po­lí­ti­cos mais pre­pa­ra­dos do Pa­ís, o ga­ú­cho de São Bor­ja Ib­sen Pi­nhei­ro, deputado federal do PMDB. Se­gun­do ele, a di­vi­são de seu par­ti­do em re­la­ção à elei­ção pre­si­den­ci­al é um fa­to, em que pe­se a po­si­ção ma­jo­ri­tá­ria pe­la ali­an­ça com o PT. “A con­ven­ção do PMDB pro­va­vel­men­te vai de­fi­nir mais o tem­po de TV do que a des­ti­na­ção dos vo­tos. Se­ja qual for a de­fi­ni­ção da con­ven­ção, os vo­tos te­rão mais ou me­nos o mes­mo des­ti­no, is­to é, a di­vi­são.”

Ib­sen Pi­nhei­ro diz que o gran­de mé­ri­to do go­ver­no Lu­la foi man­ter o Bra­sil no ca­mi­nho que ti­nha si­do des­co­ber­to dez anos an­tes. “O Bra­sil de ho­je é pro­du­to da re­de­mo­cra­ti­za­ção e da es­ta­bi­li­da­de eco­nô­mi­ca que o Pla­no Re­al trou­xe. É uma he­ran­ça ben­di­ta. O go­ver­no Lu­la te­ve o gran­de mé­ri­to de não cum­prir as pro­mes­sas pe­tis­tas de cam­pa­nha. A ra­di­ca­li­za­ção fi­cou no dis­cur­so.”

O de­pu­ta­do fa­la tam­bém de ou­tros as­sun­tos, co­mo a im­por­tân­cia do Con­gres­so, atu­a­ção ins­ti­tu­ci­o­nal, cor­rup­ção, elei­ção em seu Es­ta­do, en­tre ou­tros te­mas. Ib­sen Pi­nhei­ro, 74 anos, é jor­na­lis­ta, ad­vo­ga­do, di­ri­gen­te es­por­ti­vo e pro­cu­ra­dor de Jus­ti­ça apo­sen­ta­do. Foi ve­re­a­dor, de­pu­ta­do es­ta­du­al, e é de­pu­ta­do fe­de­ral há vá­rios man­da­tos. Foi pre­si­den­te da Câ­ma­ra dos De­pu­ta­dos — fun­ção na qual deu iní­cio ao pro­ces­so de im­pe­achment do ex-pre­si­den­te Fer­nan­do Col­lor de Mel­lo, em 1992 — e che­gou a ocu­par in­te­ri­na­men­te a Pre­si­dên­cia da Re­pú­bli­ca. Ib­sen vi­veu um pe­rí­o­do de os­tra­cis­mo, quan­do foi acu­sa­do de en­vol­vi­men­to com a “má­fia dos anões”, que ti­ra­va di­nhei­ro do erá­rio atra­vés de ar­ti­fí­ci­os com emen­das ao or­ça­men­to da Uni­ão. Foi ab­sol­vi­do de to­das as acu­sa­ções e deu a vol­ta por ci­ma. Na ter­ça-fei­ra, 2, re­ce­beu o Jor­nal Op­ção em seu ga­bi­ne­te, em Bra­sí­lia, pa­ra a en­tre­vis­ta que se­gue.

Ce­zar San­tos — O te­ma mais po­lê­mi­co no Con­gres­so ho­je é a emen­da de sua au­to­ria e do de­pu­ta­do Hum­ber­to Sou­to (PPS-MG) que tra­ta da re­di­vi­são de royal­ti­es do pe­tró­leo, ou se­ja, aqui­lo que os Es­ta­dos vão re­ce­ber. Sua pro­pos­ta é di­fe­ren­te do que pro­põe o go­ver­no. O sr. tem nú­me­ros es­pe­cí­fi­cos so­bre Go­i­ás?

Di­vi­di os nú­me­ros em três co­lu­nas, uma com a si­tu­a­ção na pro­pos­ta do go­ver­no, ou­tra com a apro­va­ção da emen­da e uma ter­cei­ra quan­do en­trar em ati­vi­da­de a ex­plo­ra­ção do pré-sal, com pre­vi­são de cin­co, seis anos. Em Go­i­ás o nú­me­ro atu­al é de R$ 24 mi­lhões, den­tro da pro­pos­ta do go­ver­no. Com a nos­sa emen­da, Go­i­ás pas­sa­rá a re­ce­ber R$ 227 mi­lhões, cer­ca de no­ve ve­zes mais, e com a ex­plo­ra­ção do pré-sal já li­ci­ta­do — não da­que­le fu­tu­ro pré-sal, é dos 28% do que já foi li­ci­ta­do e es­tá pra­ti­ca­men­te em fa­se de ex­plo­ra­ção — vai pa­ra R$ 568 mi­lhões. A di­fe­ren­ça en­tre o pri­mei­ro nú­me­ro e o úl­ti­mo é de mais de 20 ve­zes, são R$ 544 mi­lhões a mais pa­ra Go­i­ás por ano.

Ce­zar San­tos — Na se­ma­na pas­sa­da foi re­to­ma­da a vo­ta­ção da emen­da em ple­ná­rio. Pa­ra quan­do o sr. es­pe­ra a de­fi­ni­ção?

Es­sa ma­té­ria se­rá vo­ta­da na quar­ta-fei­ra, dia 10, em vo­ta­ção no­mi­nal. Um acor­do foi fei­to en­tre os au­to­res da emen­da, o lí­der do go­ver­no, os par­ti­dos da mai­o­ria e os par­ti­dos de opo­si­ção. Lo­go é um acor­do ge­ral, so­bre pro­ce­di­men­to. So­bre con­te­ú­do não tem acor­do, ca­da um vai vo­tar de acor­do com sua con­sci­ên­cia e in­te­res­se de seu Es­ta­do.

Ce­zar San­tos — Há ex­pec­ta­ti­va de de­fi­ni­ção es­te ano ain­da?

Acho que na Câ­ma­ra na quar­ta-fei­ra que vem. O pro­je­to fi­ca pron­to com a apro­va­ção ou com a re­jei­ção da emen­da, aí vai pa­ra o Se­na­do.

Ce­zar San­tos — Há um cla­ro des­con­ten­ta­men­to dos Es­ta­dos pro­du­to­res: São Pau­lo, Es­pí­ri­to San­to e Rio de Ja­nei­ro. Po­de-se di­zer que foi aber­ta uma guer­ra en­tre es­tes Es­ta­dos e os ou­tros que não pro­du­zem pe­tró­leo?

Não. Uma guer­ra é um exa­ge­ro. Acre­di­to que es­tá ha­ven­do uma re­a­ção com­pre­en­sí­vel dos que vão per­der um pri­vi­lé­gio. São Pau­lo, de R$ 267 mi­lhões, pas­sa­rá pa­ra R$ 830 mi­lhões, e de­pois pa­ra R$ 2 bi­lhões, en­tão não per­de. Na ver­da­de, per­dem Rio de Ja­nei­ro e Es­pí­ri­to San­to. E 25 Estados, in­clu­in­do o Dis­tri­to Fe­de­ral, ga­nham.

Ce­zar San­tos — O go­ver­na­dor Sér­gio Ca­bral (PMDB-RJ), que é de seu par­ti­do, re­a­giu afir­man­do que sua emen­da é ab­sur­da e ca­ri­ca­ta.

O go­ver­na­dor de­fen­de seu Es­ta­do, o que é com­pre­en­sí­vel. E não po­de­ria es­pe­rar que ele apon­tas­se a in­jus­ti­ça do mo­de­lo atu­al, por­que é mui­to di­fí­cil que os be­ne­fi­ciá­rios de uma in­jus­ti­ça, per­ce­ben­do is­so, de­nun­ci­em. O Bra­sil não se re­gu­la, com to­da a im­por­tân­cia que tem o Rio de Ja­nei­ro, por um só Es­ta­do. Tem que se re­gu­lar pe­los 27.

Ce­zar San­tos — Cabral disse que sua emen­da não se­rá apro­va­da e ca­so is­so ocor­ra o pre­si­den­te Lu­la vai ve­tar.

Não acho que ele se­ja o por­ta-voz do pre­si­den­te Lu­la. O po­der de ve­to de­le é em re­la­ção à As­sem­bleia Le­gis­la­ti­va de seu Es­ta­do. Se a ma­té­ria for apro­va­da na Câ­ma­ra e no Se­na­do, va­mos aguar­dar a po­si­ção do pre­si­den­te.

Inã Zoé — Em que cri­té­rio o sr. se ba­se­ou pa­ra che­gar a es­ses nú­me­ros, de 30% pa­ra a Uni­ão e 70% pa­ra se­rem di­vi­di­dos en­tre mu­ni­cí­pios e Es­ta­dos?

A mi­nha emen­da só cu­i­da de uma coi­sa: a des­ti­na­ção da­qui­lo que cou­ber ao Es­ta­do. A mi­nha emen­da não ge­ra ne­nhum va­lor no­vo. Ela re­dis­tri­bui o bo­lo con­for­me es­tá for­ma­do. Só cu­i­da da des­ti­na­ção do pro­du­to do royalty e da par­ti­ci­pa­ção es­pe­ci­al, por is­so a emen­da diz as­sim: “Res­sal­va­da a par­ce­la da Uni­ão, aqui­lo que cou­ber a Es­ta­dos e mu­ni­cí­pios se des­ti­na­rá a dois fun­dos igua­is, me­ta­de pa­ra os Es­ta­dos, me­ta­de pa­ra os mu­ni­cí­pios, na dis­tri­bui­ção in­ter­na dos dois gru­pos, o Fun­do de Par­ti­ci­pa­ção dos Es­ta­dos (FPE) e o Fun­do de Par­ti­ci­pa­ção dos Mu­ni­cí­pios (FPM)”.

O cri­té­rio da emen­da te­ve du­as ma­tri­zes. A pri­mei­ra, o pa­tri­mô­nio é da Uni­ão, só da Uni­ão. No mar ter­ri­to­ri­al, na ban­ca­da con­ti­nen­tal, no sub­so­lo ou na co­lu­na d´água to­da ri­que­za que ali se en­con­trar per­ten­ce à Uni­ão. O se­gun­do, a Cons­ti­tu­i­ção diz que os Es­ta­dos te­rão par­ti­ci­pa­ção na for­ma da lei. Em ne­nhum mo­men­to ele dis­tin­gue Es­ta­dos li­to­râ­ne­os de Es­ta­dos in­te­rio­ra­nos. Se o pa­tri­mô­nio é da Uni­ão e a Cons­ti­tu­i­ção não dis­tin­gue, por que eu vou dis­tin­guir? Por que al­guém po­de dis­tin­guir? Is­so pas­sou aqui no pas­sa­do por de­sa­ten­ção, tal­vez, por não ter sig­ni­fi­ca­ção à épo­ca. Mas ago­ra tem sig­ni­fi­ca­ção.

Me pa­re­ce que a emen­da tem fun­da­men­to cons­ti­tu­ci­o­nal, ló­gi­co e mo­ral. A pros­pec­ção do pe­tró­leo é mui­to ca­ra. O ín­di­ce de êxi­to até lo­ca­li­zar no cam­po é re­la­ti­va­men­te pe­que­no. Al­guns fa­lam até que é de 10 por 1. Quan­do fu­ra à toa quem pa­ga? To­dos os bra­si­lei­ros. Mas quan­do se tem su­ces­so se faz uma dis­tri­bui­ção res­tri­ta? Com que fun­da­men­to? Es­ses fun­da­men­tos cons­ti­tu­ci­o­nais e le­gais é que me le­va­ram, e ao de­pu­ta­do Hum­ber­to Sou­to (PPS-MG), a pro­por um cri­té­rio equâ­ni­me. Ele não é igua­li­tá­rio. Tan­to que há di­fe­ren­ça en­tre os Es­ta­dos. Não se­ria jus­to dar a mes­ma coi­sa a São Pau­lo e ao Pi­auí. Mas é equâ­ni­me, pois usa o FPE e o FPM, que é um me­ca­nis­mo com­pen­sa­tó­rio. Os Es­ta­dos mais atra­sa­dos no De­sen­vol­vi­men­to Hu­ma­no têm ín­di­ces e mul­ti­pli­ca­do­res me­lho­res. En­tão ten­de a di­mi­nu­ir a di­fe­ren­ça que há, por exem­plo, en­tre o Pi­auí e o Rio de Ja­nei­ro.

Inã Zoé — Exis­te a pre­vi­são de que le­va­rá cer­ca de 20 anos pa­ra se ob­ter lu­cros re­ais com o pré-sal. Is­so é re­al? Em re­la­ção aos in­ves­ti­men­tos ne­ces­sá­rios pa­ra a ex­plo­ra­ção, es­sa di­vi­são não fi­ca­ria pre­ju­di­ca­da?

A mi­nha emen­da não co­gi­ta do pré-sal, co­gi­ta de to­da ex­plo­ra­ção de pe­tró­leo no mar. Ela vi­go­ra a par­tir do dia da pu­bli­ca­ção da lei. Re­dis­tri­bui os royal­ti­es atu­ais, só não re­tro­a­ge. In­clu­si­ve, por es­sa ra­zão o pes­so­al não apos­ta que o pré-sal pos­sa quin­tu­pli­car a pro­du­ção na­ci­o­nal (de pe­tró­leo), por­que po­de au­men­tar 10%. O que es­ta­mos re­dis­tri­buin­do é a re­a­li­da­de atu­al e com uma pro­je­ção pa­ra o fu­tu­ro. Por is­so os nú­me­ros são apre­sen­ta­dos em três co­lu­nas. Os atu­ais, o no­vo, que é a nos­sa emen­da, e pro­je­ção pa­ra o fu­tu­ro.

Ce­zar San­tos — Sua emen­da me­xe com o in­te­res­se de to­dos os mais de 5,5 mil mu­ni­cí­pios bra­si­lei­ros.

Tan­to que os pre­fei­tos de to­do o Bra­sil, atra­vés da Con­fe­de­ra­ção Na­ci­o­nal dos Mu­ni­cí­pios (CNM), es­ta­rão aqui no dia 10.

“O PMDB estará dividido na eleição, embora eu não saiba em que proporção”

Ce­zar San­tos — Seu par­ti­do de­ve in­di­car o vi­ce da pré-can­di­da­ta à Pre­si­dên­cia pe­lo PT, Dil­ma Rous­seff. Mas em São Pau­lo o PMDB, con­tro­la­do por Ores­tes Quér­cia, es­tá com o go­ver­na­dor Jo­sé Ser­ra (PSDB). Qual sua po­si­ção em re­la­ção a is­so?

Não é o mo­men­to de eu anun­ci­ar po­si­ção pes­so­al, por que pa­ra um po­lí­ti­co de­ten­tor de man­da­to a es­co­lha do pre­si­den­te da Re­pú­bli­ca não é uma ques­tão de fo­ro ín­ti­mo. É uma ques­tão po­lí­ti­ca que en­vol­ve a re­pre­sen­ta­ção do par­ti­do co­mo um to­do. A elei­ção de sua re­gi­ão, seu Es­ta­do, tu­do is­so eu de­vo con­si­de­rar. A con­ven­ção do PMDB pro­va­vel­men­te vai de­fi­nir mais o tem­po de TV do que a des­ti­na­ção dos vo­tos, es­tou con­ven­ci­do dis­so. Se­ja qual for a de­fi­ni­ção da con­ven­ção, os vo­tos te­rão mais ou me­nos o mes­mo des­ti­no, is­to é, a di­vi­são. Não sa­be­rei em que pro­por­ção por­que é ce­do ain­da, mas acho que o PMDB es­ta­rá di­vi­di­do na elei­ção. O que a can­di­da­tu­ra Dil­ma ali­men­ta em re­la­ção ao PMDB é mui­to mais o tem­po de TV do que os vo­tos. Is­so se apli­ca tam­bém a Jo­sé Ser­ra. Ele te­rá vo­tos pe­e­me­de­bis­tas in­de­pen­den­te­men­te da de­ci­são da con­ven­ção. O que vai se de­ci­dir, e é im­por­tan­te, é o tem­po de TV.

Ce­zar San­tos — Há pou­co mes­es o ex-mi­nis­tro Man­ga­bei­ra Un­ger fez um pé­ri­plo pe­lo Pa­ís pre­gan­do a can­di­da­tu­ra pró­pria do PMDB. O sr. não con­si­de­ra até ve­xa­tó­rio ao mai­or par­ti­do do Pa­ís, de mai­or ca­pi­la­ri­da­de, há tan­to tem­po não ter can­di­da­to à Pre­si­dên­cia?

Is­so tem uma cau­sa su­per­fi­ci­al e ou­tra pro­fun­da. A su­per­fi­ci­al e ver­da­dei­ra tam­bém é que o PMDB não tem um qua­dro po­lí­ti­co com vi­si­bi­li­da­de, his­tó­ria, bi­o­gra­fia, pa­ra en­cher es­se es­pa­ço. Tem qua­dros res­pei­tá­veis, mas não com re­per­cus­são. Is­so é um da­do da re­a­li­da­de, mas não é ca­su­al. O PMDB foi o fi­a­dor da re­de­mo­cra­ti­za­ção e só o foi por ser um par­ti­do na­ci­o­nal. E é a ri­gor o úni­co na­ci­o­nal. Os ou­tros são de he­ge­mo­ni­as lo­ca­is, es­pe­ci­al­men­te pau­lis­tas e com pre­sen­ça for­te em Mi­nas Ge­ra­is. Pe­gue o PT com pre­sen­ça mui­to for­te em São Pau­lo e al­guns apoi­os me­no­res. O PSDB em São Pau­lo e Mi­nas, mas com a ex­pres­são que tem o PMDB em to­do o Pa­ís não há na­da pa­re­ci­do. Pa­ra se ter uma ideia, na úl­ti­ma elei­ção o vo­to de le­gen­da foi, se não me en­ga­no, de 6 mi­lhões. Es­ta ca­rac­te­rís­ti­ca de não con­se­guir se uni­fi­car tam­bém ocor­re pe­lo fa­to de não ha­ver uma he­ge­mo­nia re­gi­o­nal. Se o PMDB ti­ves­se uma pre­pon­de­rân­cia ca­ri­o­ca, tal­vez ti­ves­se um can­di­da­to do Rio de Ja­nei­ro com re­per­cus­são. Ou se ti­ves­se uma pre­pon­de­rân­cia mi­nei­ra ou ga­ú­cha, mas não tem. Is­so de­cor­re em par­te de uma vir­tu­de tam­bém. Ele é um par­ti­do ho­ri­zon­tal nes­se sen­ti­do, ocu­pan­do to­do o es­pa­ço na­ci­o­nal, e que tem pa­pel cru­ci­al na pre­ser­va­ção das ins­ti­tu­i­ções.

Ce­zar San­tos — O PMDB é um par­ti­do ade­ren­te ao po­der, ou se­ja, es­tá com quem es­tá no po­der. Is­so não é ne­ga­ti­vo?

Aqui­lo que é vis­to só pe­lo la­do ne­ga­ti­vo, de es­tar com qual­quer go­ver­no, tam­bém tem um as­pec­to que é ine­vi­tá­vel no nos­so atu­al mo­de­lo. Te­mos um sis­te­ma elei­to­ral ba­se­a­do no vo­to uni­no­mi­nal pa­ra de­pu­ta­do. O par­ti­do que ga­nhou a elei­ção, o PT, seu can­di­da­to a pre­si­den­te fez qua­se 60% dos vo­tos, mas não fez 20% da Câ­ma­ra. E co­mo go­ver­nar com um quin­to da Câ­ma­ra? Va­mos olhar o mo­de­lo bra­si­lei­ro des­de que foi es­ta­be­le­ci­do. Em 1946 o Bra­sil re­a­fir­mou o pre­si­den­ci­a­lis­mo que vi­nha des­de a fun­da­ção da Re­pú­bli­ca, mas in­tro­du­ziu o vo­to pro­por­ci­o­nal uni­no­mi­nal, is­to é, a lis­ta é aber­ta e a pes­soa vo­ta no can­di­da­to, e is­to pro­du­ziu dois ti­pos de pre­si­den­te. Os que co­op­ta­ram a mai­o­ria (le­gis­la­ti­va) e os que fo­ram de­pos­tos. Não há ter­cei­ra hi­pó­te­se. Bus­can­do na me­mó­ria his­tó­ri­ca, [Eu­ri­co Gas­par] Du­tra (1946-51) co­op­tou PSD e PTB e atra­ves­sou seus cin­co anos. De­pois veio o Ge­tú­lio [Var­gas, 1930-45 e 1951-54], que ti­nha PSD e PTB, quan­do per­deu o PSD per­deu a mai­o­ria, per­deu o go­ver­no e a vi­da. Ca­fé Fi­lho [1954-55] nem va­le, foi uma tran­si­ção. De­pois veio Jus­ce­li­no Ku­bitschek [1956-61], um cra­que, co­op­tou an­tes até, fez a ali­an­ça PTB-PSD e che­gou aqui com mai­o­ria, so­freu tur­bu­lên­cia, en­fren­tou e atra­ves­sou com aque­la mai­o­ria. Jâ­nio Qua­dros [ja­nei­ro-agos­to de 1961] se ele­geu, não co­op­tou e aí não du­rou o tem­po de uma ges­ta­ção, em me­nos de no­ve mes­es es­ta­va no chão. Jan­go [Jo­ão Gou­lart] to­mou pos­se com a mai­o­ria mon­ta­da ar­ti­fi­cial­men­te, quan­do ela se es­fu­mou per­deu o go­ver­no tam­bém. O re­gi­me mi­li­tar não va­le por fa­zer mai­o­ria ar­ti­fi­cial­men­te por meio da for­ça.

De­pois dos mi­li­ta­res veio o Jo­sé Sar­ney [1985-90], que co­op­tou com mui­ta com­pe­tên­cia, che­gou lá pe­lo vo­to in­di­re­to. Co­op­tou o PMDB com uma par­te dis­si­den­te do PDS, fez uma mai­o­ria e atra­ves­sou os cin­co anos. De­pois veio Fer­nan­do Col­lor [1990-92], que per­deu a mai­o­ria e caiu. Di­go, des­de o im­pe­achment, que não fo­ram os des­vi­os de con­du­ta que der­ru­ba­ram Col­lor, por­que des­vi­os co­mo aque­le hou­ve an­tes e hou­ve de­pois, mais ou me­nos gra­ves. Col­lor caiu pe­la in­ca­pa­ci­da­de po­lí­ti­ca de man­ter seu go­ver­no. Fal­tou sus­ten­ta­ção. De­pois do Col­lor veio Ita­mar Fran­co [1992-95], e aí ocor­reu um gran­de acor­do ge­ral. To­do mun­do o car­re­gou co­mo em um an­dor. De­pois veio Fer­nan­do Hen­ri­que [dois go­ver­nos 1995-2002]. Na pri­mei­ra elei­ção se ele­geu com mi­no­ria, mas co­op­tou o PMDB de­pois. Atra­ves­sou seus qua­tro anos e no se­gun­do pe­rí­o­do já fez a co­li­ga­ção an­tes. A co­li­ga­ção foi uma for­ma de co­op­ta­ção. De­pois de Fer­nan­do Hen­ri­que veio o Lu­la, que no pri­mei­ro go­ver­no en­fren­tou uma cri­se que qua­se fez seu go­ver­no ir ao chão. Ele pes­so­al­men­te ve­tou a co­li­ga­ção — e di­zem que era o Jo­sé Dir­ceu quem es­ta­va mon­tan­do, mas que não acon­te­ceu no pri­mei­ro go­ver­no.

Ce­zar San­tos — Com o PT no po­der a co­op­ta­ção ga­nhou ou­tro no­me...

Tal­vez o PT achas­se que po­de­ria fa­zer a co­op­ta­ção in­di­vi­dual, que tem um no­me: men­sa­lão. A co­op­ta­ção par­ti­dá­ria tem ou­tra na­tu­re­za. O pre­ço de­la é a par­ti­ci­pa­ção no go­ver­no. Is­so que com fre­quên­cia se ana­li­sa co­mo ne­ga­ti­vo é da na­tu­re­za da co­li­ga­ção. Vo­cê vai ser go­ver­no e vai ser mi­nis­tro, se­cre­tá­rio de Es­ta­do, por­que se vai apo­i­ar sem par­ti­ci­par is­so é opo­si­ção: “O que for bom pa­ra o Pa­ís vo­to a fa­vor”. Já o dis­cur­so de go­ver­no é: “Es­tou no go­ver­no, es­tou par­ti­ci­pan­do”. O ra­teio de car­gos, que é de­fi­ni­do co­mo uma coi­sa ne­ga­ti­va, é da na­tu­re­za da ati­vi­da­de pú­bli­ca em uma de­mo­cra­cia. Is­so ocor­re na In­gla­ter­ra, na Fran­ça e no Bra­sil ocor­re com mai­or ex­pres­são nu­mé­ri­ca pe­la quan­ti­da­de de par­ti­dos e pe­lo mo­de­lo uni­no­mi­nal. En­tão tem que con­ten­tar um es­pec­tro mui­to mais am­plo, mas não há na­da de an­ti­é­ti­co e cor­rup­to na tro­ca de apoio pe­la par­ti­ci­pa­ção, é da na­tu­re­za da ne­go­ci­a­ção po­lí­ti­ca. Pes­so­al­men­te de­fen­do um mo­de­lo de re­pre­sen­ta­ção di­ver­so que re­du­zis­se o nú­me­ro de par­ti­dos.

Ce­zar San­tos — Aí o sr. to­ca em re­for­ma po­lí­ti­ca. O que o sr. vê de acer­tos na pro­pos­ta da re­for­ma?

In­fe­liz­men­te os au­to­res da pro­pos­ta frus­tra­ram-na. Quem são os au­to­res da pro­pos­ta? O go­ver­no, o PMDB e o PT. O go­ver­no man­dou por meio do mi­nis­tro da Jus­ti­ça uma pro­pos­ta de re­for­ma po­lí­ti­ca pa­ra a Ca­sa. O PMDB me en­car­re­gou de con­du­zir os en­ten­di­men­tos, o PT apoi­a­va mi­nha pro­pos­ta, que tra­ta­va ba­si­ca­men­te de dois pon­tos: vo­to par­ti­dá­rio em lis­ta e fi­nan­cia­men­to pú­bli­co. Ha­via ou­tras ques­tões se­cun­dá­rias, mas es­sas du­as eram cru­ci­ais. Por que is­so? Por­que acho que a atu­al Câ­ma­ra, pul­ve­ri­za­da com 20 mi­no­ri­as e ne­nhu­ma mai­o­ria, tem que dar um pas­so pe­lo me­nos. O vo­to par­ti­dá­rio e o fi­nan­cia­men­to pú­bli­co fa­riam des­sa ou­tra Câ­ma­ra, mui­to me­lhor. De­ve­ria ha­ver uma aglu­ti­na­ção de par­ti­dos, na­tu­ral den­tro do pro­ces­so do vo­to. Se vo­cê con­se­guis­se o vo­to par­ti­dá­rio ia aca­bar com uma ex­cres­cên­cia, que é a co­li­ga­ção de le­gen­da, em que o elei­tor vo­ta em um co­mu­nis­ta fer­re­nho, pro exem­plo, e ele­ge um di­rei­tis­ta fa­ná­ti­co. Se con­se­guis­se uma for­ma de vo­to par­ti­dá­rio, o fim das co­li­ga­ções de le­gen­da e o fi­nan­cia­men­to pú­bli­co, a Câ­ma­ra se­ria ou­tra.

Ho­je a ati­vi­da­de do par­la­men­tar é ocu­pa­da 90%, se não for 98%, em três ati­vi­da­des que nor­mal­men­te se­ri­am se­cun­dá­rias: emen­das par­la­men­ta­res, no­me­a­ções po­lí­ti­cas e fun­dos de cam­pa­nha. Em um vo­to par­ti­dá­rio, com lis­ta e fi­nan­cia­men­to pú­bli­co, o de­pu­ta­do vai de­di­car to­do seu tem­po a le­gis­la­ção, a dis­cus­são so­bre o Pa­ís, a vi­a­jar pa­ra co­nhe­cê-lo e pa­ra mu­dá-lo. As emen­das par­la­men­ta­res com des­ti­na­ção de ver­bas não te­ri­am sig­ni­fi­ca­do in­di­vi­dual, elas se­ri­am de ban­ca­da em fun­ção de pri­o­ri­da­des. E não por­que acho que tem que se fa­zer uma pon­te no mu­ni­cí­pio e às ve­zes ela sai de­pois da ver­ba. Às ve­zes se con­se­gue a ver­ba por ser um de­pu­ta­do de pres­tí­gio e vai ao pre­fei­to e diz: “In­ven­ta um pro­je­to por­que a ver­ba já exis­te”. Is­so é des­per­dí­cio. A se­gun­da ati­vi­da­de que mais ocu­pa o elei­to é a no­me­a­ção po­lí­ti­ca. Por que o par­la­men­tar pre­ci­sa no­me­ar na pre­fei­tu­ra ou no go­ver­no do Es­ta­do? Por que ca­bos elei­to­ra­is, ou pes­so­as sim­pá­ti­cas, ou de re­pre­sen­ta­ti­vi­da­de, vão me tra­zer vo­to pa­ra ele elei­ção se­guin­te. Já se o can­di­da­to é do par­ti­do, os ve­re­a­do­res vão tra­ba­lhar pa­ra ele quei­ram ou não quei­ram, vão tra­ba­lhar pe­lo par­ti­do. O se­gun­do fa­tor en­tão per­de a im­por­tân­cia. O ter­cei­ro, a ver­ba de cam­pa­nha, de­sa­pa­re­ce. O par­ti­do te­rá tan­tos re­ais por vo­to fi­xa­do na lei, re­ce­be aque­la ver­ba e faz a cam­pa­nha do par­ti­do. Acho que es­sa re­for­ma, in­fe­liz­men­te, mor­reu. Con­se­gui o apoio de 150 vo­tos pa­ra aque­la pro­pos­ta, fo­ra o PT e o PMDB. PSDB apoi­a­va, o DEM, PPS, PCdoB e par­te do PSB. Com o PMDB e PT já se es­tá fa­lan­do de 300 vo­tos so­bre 500. E é lei or­di­ná­ria, apro­va com mai­o­ria sim­ples. Os par­ti­dos e gru­pos be­ne­fi­ciá­rios do atu­al mo­de­lo chan­ta­ge­a­ram o go­ver­no: “En­tão o go­ver­no ago­ra vai se apo­i­ar nos ad­ver­sá­rios, en­tão va­mos fa­zer ob­stru­ção”. Is­so o go­ver­no ou­viu de par­ti­dos que re­pre­sen­tam os 120 de­pu­ta­dos, mas que apro­vam o go­ver­no e co­bra­ram. O go­ver­no la­vou as mãos, ao la­var as mãos ne­gou ur­gên­cia, ao ne­gar ur­gên­cia aca­bou a pos­si­bi­li­da­de de apro­var.

Ce­zar San­tos — Que ava­li­a­ção o sr. faz do go­ver­no Lu­la?

O go­ver­no Lu­la tem uma gran­de vir­tu­de. Man­te­ve o Bra­sil em um ca­mi­nho que ti­nha si­do des­co­ber­to dez anos an­tes. O Bra­sil de ho­je é pro­du­to, na mi­nha ava­li­a­ção, de dois fa­tos cru­ci­ais. A re­de­mo­cra­ti­za­ção e a es­ta­bi­li­da­de eco­nô­mi­ca. É uma he­ran­ça ben­di­ta. E é uma coi­sa tão for­te que não se po­de di­zer que foi obra do go­ver­no an­te­ri­or. Foi obra do Bra­sil an­te­ri­or. O Bra­sil nos anos de 1980, quan­do cons­tru­iu a ali­an­ça que de­sem­bo­cou no go­ver­no Sar­ney, na anis­tia e na con­vo­ca­ção da Cons­ti­tu­in­te, ele es­ta­be­le­ceu as con­di­ções pa­ra o Bra­sil se mo­der­ni­zar, abrir es­sa eco­no­mia em par­te, for­ta­le­cer o Es­ta­do mais de­mo­cra­ti­ca­men­te. E o Pla­no Re­al trou­xe pa­ra o se­tor mais es­tri­to, o da eco­no­mia di­ri­gi­da, a es­ta­bi­li­da­de. O go­ver­no Lu­la te­ve o gran­de mé­ri­to de não cum­prir as pro­mes­sas pe­tis­tas de cam­pa­nha. Aque­la ra­di­ca­li­za­ção fi­cou no dis­cur­so, até ho­je. Vol­tou ago­ra no úl­ti­mo con­gres­so do PT, mas ago­ra o Bra­sil sa­be que é só dis­cur­so.

Ce­zar San­tos — Por fa­lar em ra­di­ca­li­za­ção, que ava­li­a­ção o sr. faz do Pla­no Na­ci­o­nal de Di­rei­tos Hu­ma­nos?

É sec­tá­rio, es­trei­to, ide­o­lo­gi­za­do, e não é pa­ra cum­prir. Es­sa é a par­te boa. Di­zer que no Bra­sil há mo­no­pó­lio das co­mu­ni­ca­ções é um exa­ge­ro bru­tal. É o mes­mo que di­zer que há mo­no­pó­lio nos mi­né­rios, no pe­tró­leo, nas fá­bri­cas de te­ci­dos por­que são gran­des pro­du­to­res. É uma de­for­ma­ção di­zer is­so. As­sim tam­bém co­mo ques­ti­o­nar a anis­tia. A anis­tia foi uma cons­tru­ção po­lí­ti­ca de pre­ser­va­ção do Pa­ís em re­la­ção aos efei­tos ne­ga­ti­vos da vin­gan­ça, da co­bran­ça. Foi uma con­cer­ta­ção. Par­ti­ci­pei de­la des­de o co­me­ço e sem­pre ti­ve es­sa no­ção. Por me­nos que me agra­de li­vrar o tor­tu­ra­dor, vou ter que en­go­lir, é um pre­ço que pa­ga­mos. Não te­mos for­ça, nós que lu­ta­mos pe­la anis­tia, pa­ra fa­zer uma anis­tia só pa­ra as ví­ti­mas dos cri­mes de Es­ta­do. Ao le­van­tar uma ban­dei­ra que não tem vi­a­bi­li­da­de, vo­cê es­tá for­ta­le­cen­do seu ad­ver­sá­rio. Is­so ocor­reu com a lu­ta ar­ma­da, os se­to­res que op­ta­ram pe­la lu­ta ar­ma­da for­ta­le­ce­ram o re­gi­me mi­li­tar. Era uma lu­ta in­vi­á­vel e que deu ao re­gi­me o pre­tex­to pa­ra 1968 e pa­ra mui­to mais. Se nós que que­rí­a­mos a anis­tia não acei­tás­se­mos co­mo ela foi fei­ta pro­va­vel­men­te não te­rí­a­mos a anis­tia pa­ra as ví­ti­mas, pa­ra os cri­mes de Es­ta­do. E es­sa é uma boa tra­di­ção bra­si­lei­ra, fi­ze­mos as­sim a Re­pú­bli­ca e a In­de­pen­dên­cia. Te­mos um exem­plo pre­sen­te pa­ra nós de um Es­ta­do la­ti­no-ame­ri­ca­no rom­pen­do com a ma­triz, que é o Hai­ti. Nos­so Es­ta­do fez re­ce­ben­do uma he­ran­ça do Es­ta­do por­tu­guês. Rom­pe­mos com a co­lô­nia, mas não rom­pe­mos com a he­ran­ça da ci­vi­li­za­ção eu­ro­péia. Foi uma cons­tru­ção lá na in­de­pen­dên­cia da Re­pú­bli­ca. E foi uma cons­tru­ção em 1979 na anis­tia e de­pois em 1985 na con­vo­ca­ção da Cons­ti­tu­in­te. Se fez um gran­de pac­to, por is­so a Cons­ti­tu­i­ção é enor­me. Ela é gran­de por ser um tra­ba­lho téc­ni­co, não po­lí­ti­co. Po­de­rí­a­mos fa­zer com a me­ta­de dos ar­ti­gos, mas es­se é um tra­ba­lho que se en­co­men­da pa­ra meia dú­zia de ju­ris­tas e sai per­fei­to, mas nin­guém re­co­nhe­ce. A que fi­ze­mos é um pac­to, co­mo foi a anis­tia e a Cons­ti­tu­in­te.


“Quem precisa do Congresso é a sociedade civil desorganizada, não as corporações”


Ce­zar San­tos — Há quem pre­gue uma re­a­de­qua­ção, uma mi­ni­cons­ti­tu­in­te. Se­ria o ca­so?

Me opo­nho a uma mi­ni­cons­ti­tu­in­te por uma ra­zão con­cei­tu­al e ou­tra prá­ti­ca. A con­cei­tu­al é que Cons­ti­tu­in­te é o re­fa­zi­men­to ins­ti­tu­ci­o­nal em um pro­ces­so de rup­tu­ra. Is­so é o que jus­ti­fi­ca po­lí­ti­ca e mo­ral­men­te um pro­ces­so Cons­ti­tu­in­te. Se a rup­tu­ra po­de ter si­do um gol­pe de Es­ta­do, em 1989 na Re­pú­bli­ca ou em 1945 com Var­gas ou a que ti­ve­mos ago­ra em 1985, quan­do der­ro­ta­mos o re­gi­me mi­li­tar em seu pró­prio co­lé­gio elei­to­ral. Ali hou­ve a rup­tu­ra. A ra­zão prá­ti­ca é que não ve­jo a vi­a­bi­li­da­de de apro­va­ção de uma Cons­ti­tu­in­te, ain­da que li­mi­ta­da, por­que no atu­al mo­men­to sig­ni­fi­ca­ria for­te ris­co da se­du­ção uni­ca­me­ral. Há uma mas­sa crí­ti­ca mui­to ne­ga­ti­va em tor­no do Se­na­do Fe­de­ral e acho que o Se­na­do é in­dis­pen­sá­vel no nos­so mo­de­lo fe­de­ra­ti­vo. E a Fe­de­ra­ção é clau­su­la pé­trea. Po­de­mos cor­ri­gir dis­tor­ções na re­pre­sen­ta­ção? Po­de­mos, mas não as que afe­tem o Se­na­do. O Se­na­do tem con­sci­ên­cia do pe­ri­go de uma Cons­ti­tu­in­te.

E uma ter­cei­ra ra­zão, as cor­po­ra­ções se or­ga­ni­za­ram mui­to em nos­so Pa­ís e têm uma for­ça mui­to gran­de. Se ti­ver­mos uma Cons­ti­tu­in­te com vo­to uni­no­mi­nal cor­re­mos sé­rio ris­co de lo­te­ar o apa­re­lho do Es­ta­do en­tre as cor­po­ra­ções. Quan­do me di­zem que de­ve­mos re­pre­sen­tar aqui a so­ci­e­da­de ci­vil or­ga­ni­za­da, di­go que não é o ca­so, por­que es­sa não pre­ci­sa. Pa­ra que, por exem­plo, a OAB pre­ci­sa de um de­pu­ta­do aqui? Pa­ra que a ABI pre­ci­sa? Ou a Con­fe­de­ra­ção Na­ci­o­nal da In­dús­tria? Ou a Con­fe­de­ra­ção Na­ci­o­nal da Agri­cul­tu­ra? Eles já têm voz, vo­to e po­der. Quem pre­ci­sa são os 120 mi­lhões de pes­so­as da so­ci­e­da­de ci­vil de­sor­ga­ni­za­da. São es­tes que pre­ci­sam de uma ca­sa plu­ral, co­mo é a Câ­ma­ra dos De­pu­ta­dos, o Con­gres­so Na­ci­o­nal. Quan­do acu­sam es­ta Ca­sa dos de­fei­tos gra­ves que lhe atri­bu­em co­me­te-se uma in­jus­ti­ça. Não é que in­ven­tem os de­fei­tos, é que a co­ber­tu­ra não é iso­nô­mi­ca. Se fi­zer a mes­ma co­ber­tu­ra em qual­quer se­tor da ati­vi­da­de vai en­con­trar o mes­mo grau de des­vio de con­du­ta. Se­ja a Câ­ma­ra dos De­pu­ta­dos se­ja um se­mi­ná­rio. Es­sa co­ber­tu­ra in­jus­ta ocor­re por­que sen­do uma Ca­sa de to­dos, es­sa Ca­sa não é de nin­guém. Por is­so es­ta Ca­sa tem em sua vul­ne­ra­bi­li­da­de a sua mai­or vir­tu­de. Acho gra­ça quan­do acu­sam o Con­gres­so de cor­po­ra­ti­vo. Ele po­de ser tu­do, me­nos cor­po­ra­ti­vo. Tan­to que seus de­fei­tos são co­nhe­ci­dos por vo­zes in­ter­nas que os de­nun­ci­am. Es­ta é a Ca­sa do con­fli­to, da he­te­ro­ge­ne­i­da­de e só uma Ca­sa plu­ral é que po­de ser o pal­co da de­fi­ni­ção do in­te­res­se na­ci­o­nal. Não são as ca­sas se­to­ri­ais, bem fei­tas, or­ga­ni­za­das, os tri­bu­nais com­pos­tos de sá­bi­os. To­da vez que mi­no­ri­as fi­ze­ram leis, fi­ze­ram pa­ra mi­no­ri­as. Aqui se en­con­tra uma ca­sa vul­ne­rá­vel que tem sua for­ça nes­sa va­ri­e­da­de que lhe dá o úni­co me­ca­nis­mo de re­pre­sen­ta­ção de to­dos.

É por is­so que o Con­gres­so Na­ci­o­nal tem di­fi­cul­da­de em al­gu­mas coi­sas que a per­cep­ção su­per­fi­ci­al con­si­de­ra im­por­tan­tes. Por exem­plo, a ce­le­ri­da­de. Por que a ela­bo­ra­ção de leis tem que ser cé­le­re? Quan­do sur­ge uma emer­gên­cia se faz uma lei em um dia. O nor­mal é que as leis te­nham um pro­ces­so de ma­tu­ra­ção e aqui­lo que não tem 257 vo­tos aqui não me­re­ce ser lei. O abor­to é um exem­plo. Em uma sa­la de seis pes­so­as co­mo te­mos aqui, du­vi­do que se te­nha uma mai­o­ria de qua­tro. A mai­o­ri­da­de tam­bém. Há quem ache que de­va au­men­tar, ou­tros di­mi­nu­ir. E o me­nor in­fra­tor, o tra­ta­men­to de­ve ser o mes­mo que pa­ra um in­fra­tor adul­to? Mais ate­nu­a­do que o atu­al? Sa­be por que não se apro­va is­so na Câ­ma­ra? Por­que não há no Pa­ís uma mas­sa crí­ti­ca com cla­re­za nes­ses dois pon­tos e não ha­ven­do é as­sim que tem que fi­car. Ago­ra, qual­quer ins­ti­tu­i­ção se­to­ri­al tem ver­da­des ab­so­lu­tas pa­ra ela. A OAB é óti­ma pa­ra a OAB, em­bo­ra seus com­pro­mis­sos pú­bli­cos se­jam im­por­tan­tes tam­bém. A so­ci­e­da­de ci­vil de­sor­ga­ni­za­da pre­ci­sa que se fa­le por ela até pa­ra vo­tar coi­sas an­ti­pá­ti­cas. Por exem­plo, quan­do se au­men­ta um im­pos­to is­so po­de ser bom só pa­ra 120 mi­lhões de pes­so­as que não têm voz, que não têm no­me, sin­di­ca­to, jor­nal, que não vem a Bra­sí­lia por­que nem sa­be on­de fi­ca Bra­sí­lia.

Ce­zar San­tos — Es­tou­rou um gran­de es­cân­da­lo no Dis­tri­to Fe­de­ral com o go­ver­na­dor Jo­sé Ro­ber­to Ar­ru­da e sua ba­se na Câ­ma­ra Dis­tri­tal. É re­al­men­te ne­ces­sá­rio que Bra­sí­lia te­nha go­ver­na­dor, Câ­ma­ra e três se­na­do­res?

Creio que mi­nha vi­são nis­so aí é qua­se im­pos­sí­vel pra­ti­cá-la. Pri­mei­ro que o Dis­tri­to Fe­de­ral po­de­ria ser só o Pla­no Pi­lo­to. A Ca­pi­tal da Re­pú­bli­ca não pre­ci­sa des­sa quan­ti­da­de de ci­da­des-sa­té­li­tes que são ver­da­dei­ros mu­ni­cí­pios com 100 mil ha­bi­tan­tes, al­guns. Na me­lhor tra­di­ção do DF an­ti­go ou de Was­hing­ton (EUA) a Ca­pi­tal é ad­mi­nis­tra­da pe­la Uni­ão. Acho que is­so, la­men­ta­vel­men­te, de­pois que se avan­ça pa­ra a elei­ção é mui­to di­fí­cil se pre­gar a ex­tin­ção da elei­ção. Tal­vez Bra­sí­lia pu­des­se ter seus de­pu­ta­dos, o po­vo es­tar re­pre­sen­ta­do. Es­ta­do, se­na­dor e go­ver­na­dor não são re­pre­sen­tan­tes do po­vo, são da uni­da­de fe­de­ra­da. Bra­sí­lia não é uma uni­da­de da Fe­de­ra­ção, é a ca­pi­tal de to­dos. Es­sa é uma opi­ni­ão pes­so­al.

Al­guns pro­ble­mas de Bra­sí­lia são igua­is aos de ou­tros Es­ta­dos. Des­vi­os de con­du­ta ocor­rem em to­dos, mas em Bra­sí­lia é agra­va­do por não ter uma tra­di­ção po­lí­ti­ca. Os ou­tros Es­ta­dos dis­pu­tam elei­ções di­re­tas des­de 1823. In­di­re­tas por co­lé­gio e di­re­tas até. O re­gen­te da Re­gên­cia Una, Pa­dre Fei­jó, na dé­ca­da de 1830, foi elei­to por elei­ção di­re­ta. Is­so é uma tra­di­ção que o Bra­sil cul­ti­vou. Qua­is as li­de­ran­ças po­lí­ti­cas ma­du­ras que Bra­sí­lia tem que aí es­tão pa­ra dis­pu­tar re­pre­sen­ta­ção? São pes­so­as que vi­e­ram pa­ra cá pa­ra fa­zer a vi­da, no me­lhor sen­ti­do da ex­pres­são, aven­tu­rei­ros. Sa­u­dá­veis aven­tu­rei­ros que a gen­te tam­bém cha­ma de ban­dei­ran­tes.

Ce­zar San­tos — O ex­ces­so de di­nhei­ro em Bra­sí­lia tam­bém não fa­vo­re­ce a cor­rup­ção?

Es­sa é ou­tra de­for­ma­ção. Se es­sa fos­se uma uni­da­de fe­de­ra­da ti­nha que vi­ver a su­as pró­pri­as cus­tas. Aqui a Uni­ão pa­ga a ma­gis­tra­tu­ra, pa­ga o MP, a Po­lí­cia Mi­li­tar, a Po­lí­cia Ci­vil, so­bra di­nhei­ro até pa­ra obras des­ne­ces­sá­rias. Se for uma uni­da­de fe­de­ra­da, sus­ten­ta-se. Não é e tem que ter li­mi­ta­ções na sua ad­mi­nis­tra­ção. A Uni­ão tem que ter um pe­so aqui.

Edilson Pelikano/Jornal Opção

Ibsen Pinheiro fala aos jornalistas Cezar Santos e Inã Zoé, em seu gabinete na Câmara dos Deputados: “Acho graça quando acusam o Congresso de corporativo. Esta é a casa do conflito, da heterogeneidade, e só uma casa plural é que pode ser o palco da definição do interesse nacional”

“No Rio Grande nós devemos eleger o José Fogaça”


Ce­zar San­tos — PT e PMDB são ali­a­dos no pla­no na­ci­o­nal, mas no Rio Gran­de do Sul es­ses par­ti­dos têm can­di­da­tos ao go­ver­no. Co­mo fi­ca es­sa si­tu­a­ção?

O PMDB par­ti­ci­pa do go­ver­no Lu­la e uma par­te sub­stan­ci­al do par­ti­do es­ta­rá com a can­di­da­ta do pre­si­den­te, as­sim co­mo uma par­te sub­stan­ci­al, creio, es­ta­rá com Jo­sé Ser­ra. No Rio Gran­de nos­so es­que­ma de tra­ba­lho par­te de que nós de­ve­mos ele­ger nos­so can­di­da­to, que é o pre­fei­to Jo­sé Fo­ga­ça, e su­bor­di­nar a ques­tão na­ci­o­nal a nos­sa pri­o­ri­da­de. In­ver­te­mos a pri­o­ri­da­de? A Pre­si­dên­cia é mais im­por­tan­te? Não. In­ver­te­mos por con­ta de nos­sa re­a­li­da­de. Es­ta­mos uni­dos em tor­no do nos­so can­di­da­to a go­ver­na­dor e es­ta­mos di­vi­di­dos em tor­no do can­di­da­to à Pre­si­dên­cia da Re­pú­bli­ca. Se te­mos uma uni­da­de so­bre um te­ma va­mos exer­cê-la. Há quem sus­ten­te ser nor­mal dois pa­lan­ques. A can­di­da­ta Dil­ma dis­põe-se a ir a dois pa­lan­ques quan­do a ba­se es­ti­ver di­vi­di­da, mas se is­so va­le do pre­si­den­te pa­ra bai­xo, va­le do go­ver­na­dor pa­ra ci­ma tam­bém.

Ce­zar San­tos — Co­mo es­tão as pes­qui­sas no Rio Gran­de do Sul?

Fo­ga­ça e Tar­so Gen­ro (PT) mais ou me­nos em um em­pa­te téc­ni­co. Acho que Fo­ga­ça em cres­ci­men­to e o Tar­so mui­to pró­xi­mo do li­mi­te his­tó­ri­co do PT, que tem o mí­ni­mo mui­to ele­va­do, mas o te­to re­la­ti­va­men­te bai­xo. O PT não bai­xa de um ter­ço dos vo­tos, mas di­fi­cil­men­te che­ga aos 40%.

Ce­zar San­tos — E os tu­ca­nos, co­mo es­tão?

Eles têm uma es­tru­tu­ra par­ti­dá­ria pe­que­na, ga­nha­ram a elei­ção pe­la boa cam­pa­nha de sua can­di­da­ta [Ye­da Cru­si­us] em um mo­men­to em que a po­la­ri­za­ção en­tre PT e PMDB abriu o ca­mi­nho. Acho que na pró­xi­ma elei­ção a go­ver­na­do­ra vai ter uma pre­sen­ça sig­ni­fi­ca­ti­va, mas con­si­de­ro es­cas­sas as pos­si­bi­li­da­des de se­gun­do tur­no. Ve­jo o se­gun­do tur­no de­se­nha­do en­tre Fo­ga­ça e Tar­so. Be­to Al­bu­quer­que (xxx) é um bom can­di­da­to, mas não tem apoi­os que lhe de­em es­tru­tu­ra e tem­po de TV. Se o PPS, o PTB e o PP não en­tra­rem no pro­je­to ele não tem co­mo de­co­lar. Co­mo o PT es­tá exa­mi­nan­do en­tre PMDB e Ye­da, o PTB vai se de­fi­nir só mais adi­an­te, acho que a can­di­da­tu­ra do Be­to tem um po­ten­ci­al que tal­vez não se re­a­li­ze por fal­ta de es­tru­tu­ra e tem­po de TV.

Inã Zoé — O sr. de­fen­de a obri­ga­to­ri­e­da­de do di­plo­ma de jor­na­lis­mo pa­ra se exer­cer a pro­fis­são. Qual a im­por­tân­cia des­se di­plo­ma, so­ci­al­men­te fa­lan­do?

Pri­mei­ro de­fen­do a par­te ins­ti­tu­ci­o­nal. Não ca­be ao Su­pre­mo Tri­bu­nal Fe­de­ral di­zer se o di­plo­ma é con­ve­nien­te ou não. Is­so é a lei que diz. O Ju­di­ci­á­rio en­ten­deu que es­ta ati­vi­da­de não me­re­ce ter o cri­vo do di­plo­ma. Is­so não é atri­bu­i­ção do Ju­di­ci­á­rio e sim da lei. A lei que de­ter­mi­na se mo­to­ris­ta tem que ter cur­so ou não. Mo­to­ris­ta tem que ser di­plo­ma­do, for­çan­do um pou­qui­nho a lin­gua­gem. En­fer­mei­ro tem que ser di­plo­ma­do. Quem faz a lei são re­pre­sen­tan­tes des­sa Ca­sa vul­ne­rá­vel que re­pre­sen­ta a to­dos. En­ten­do que o Su­pre­mo de­ci­diu em um ca­so pe­cu­li­ar, em uma ação do MP con­tes­ta­da pe­las en­ti­da­des em­pre­sa­ri­ais da co­mu­ni­ca­ção. Lo­go es­sa de­ci­são só se apli­ca às par­tes. As de­ci­sões so­bre in­cons­ti­tu­ci­o­na­li­da­de em re­cur­so ex­tra­or­di­ná­rio, re­gra cons­ti­tu­ci­o­nal, só se apli­cam às par­tes. Ela va­le pa­ra to­dos só quan­do o Se­na­do sus­pen­de a exe­cu­ção da nor­ma. Co­mo is­so não acon­te­ceu, ela es­tá em vi­gor. Sou au­tor de uma ques­tão de or­dem que es­tá en­ca­mi­nha­da ao Se­na­do pa­ra que ele de­ci­da so­bre a sus­pen­são da lei, man­ten­do-a em par­te. A que o Su­pre­mo exa­mi­nou tem uma cla­ra in­cons­ti­tu­ci­o­na­li­da­de, não é a que exi­ge o di­plo­ma, mas a que exi­ge con­di­ção de bra­si­lei­ro pa­ra ser jor­na­lis­ta. Por­que o es­tran­gei­ro po­de ser mé­di­co e não po­de ser jor­na­lis­ta? É um exem­plo que dou de que o Se­na­do po­de sus­pen­der es­te dis­po­si­ti­vo. O ou­tro, que exi­ge di­plo­ma, a lei não con­fli­ta com a Cons­ti­tu­i­ção. A Cons­ti­tu­i­ção diz que é li­vre o exer­cí­cio das pro­fis­sões, res­pei­ta­do os li­mi­tes le­gais.

Inã Zoé — O sr. pas­sou por um violento pro­ces­so de acu­sa­ções que o le­vou a aban­do­nar a po­lí­ti­ca por um tem­po. E co­gi­tou pu­bli­car um li­vro con­tan­do sua his­tó­ria. Co­mo es­tá es­te pro­je­to?

Hou­ve um mo­men­to que eu, atin­gi­do pro­fun­da­men­te por al­go que me mar­cou, mui­to do­lo­ro­so, co­gi­tei de dar mi­nha ver­são. Acho que is­so ho­je é dis­pen­sá­vel. To­do mun­do já sa­be o que acon­te­ceu. Se eu es­cre­ver um li­vro es­te epi­só­dio é só um ca­pí­tu­lo, e acho que nem vai ser o mais im­por­tan­te. Ti­nha até o tí­tu­lo pa­ra es­te li­vro, mas que já fi­cou de­sa­tu­a­li­za­do, é me­nos que mi­nha his­tó­ria: “Os ino­cen­tes não têm cúm­pli­ces”. Olhe os epi­só­di­os das cri­ses po­lí­ti­cas, vo­cê vê que quem tem so­li­da­ri­e­da­de ime­di­a­ta e au­to­má­ti­ca, ge­ral­men­te é si­nal de cum­pli­ci­da­de. E os que fi­cam so­zi­nhos são os ino­cen­tes sem cúm­pli­ces. Se es­cre­ver um li­vro vai ser so­bre mim, ou as coi­sas que vi. Não sei se ti­ve pro­ta­go­nis­mo tal que jus­ti­fi­que um best-sel­ler, mas quem sa­be es­cre­vo aos ami­gos, pa­ra um pú­bli­co pe­que­no. Se eu con­ser­var a gra­ça de uma ca­be­ça cla­ra até o fim quem sa­be ha­ve­rá a opor­tu­ni­da­de pa­ra um de­poi­men­to. Con­quis­tei uma coi­sa que não sei co­mo se faz, lo­go não foi mé­ri­to. Atra­ves­sei es­te epi­só­dio sem con­ser­var a má­goa. Acho que foi um pro­ces­so pro­fun­do de com­pre­en­são. Lo­go nos pri­mei­ros di­as lem­bro de mi­nha mu­lher di­zer que o que doía era a in­jus­ti­ça. E eu dis­se que es­sa era a par­te boa, a in­jus­ti­ça. Se fos­se jus­to é que se­ria in­su­por­tá­vel. Is­so mais a com­pre­en­são de que o ódio não faz mal ao al­vo, e sim ao hos­pe­dei­ro. Se fi­zes­se mal ao al­vo, o ódio era uma hi­pó­te­se de tra­ba­lho. O pi­or jul­ga­men­to é o das pes­so­as de bem e quan­do se so­fre uma in­jus­ti­ça, se fi­ca iso­la­do e con­de­na­do pe­las pes­so­as de bem agin­do pe­las me­lho­res ra­zões. Es­ta é a que dói. Con­sci­ên­cia lim­pa é que dói; con­sci­ên­cia su­ja não dói na­da, eu ve­jo. Ve­jo cri­mi­no­sos de bi­o­gra­fia ca­le­ja­dís­si­ma cu­ja con­sci­ên­cia é ro­sa­da de tão pa­cí­fi­ca. Vol­tei pa­ra cá 12 anos de­pois de fi­car fo­ra. Le­vei 48 ho­ras pa­ra me re­con­di­cio­nar. No dia se­guin­te da mi­nha che­ga­da já es­ta­va ven­do qual era a pau­ta da co­mis­são, qual era o as­sun­to, pro­je­tos, ne­go­ci­a­ções, lí­de­res... es­ta­va co­mo se es­ti­ves­se sa­í­do na an­te­vés­pe­ra em vez de há 12 anos. De­pois que pas­sei por is­so pu­de con­clu­ir que o nor­mal pa­ra mim é es­tar aqui. Ano­ma­lia é o tem­po que fi­quei fo­ra, e o que é anô­ma­lo vo­cê re­jei­ta. Aque­le tem­po em que es­ti­ve afas­ta­do, que foi um exí­lio es­pi­ri­tual tam­bém, aqui­lo per­de a sig­ni­fi­ca­ção cres­cen­te­men­te pa­ra mim.

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