segunda-feira, 15 de março de 2010

O Popular

Lei, crime e reincidência

Henrique Duarte*

Reformadores do mundo esbravejam ao microfone de emissoras de TV e rádio País afora em alucinantes defesas de penalidades mais rigorosas e de leis mais duras como forma de barrar a onda de crimes que invade nossas cidades e também o meio rural.

Muitos bradam por pena de morte, chegam às raias da insurgência por sugerir linchamentos para autores de crimes hediondos. No entanto, tudo não passa de letra morta. A indignação força a mexer nas leis, endurecendo-as. Aumenta a preocupação das autoridades, mas na prática os resultados são escassos, pois a avalanche criminal aumenta, conforme atestam os indicadores.

Há que se colocar na pauta das discussões, levadas a efeito pelo meio político, Ministério Público e segmentos organizados da sociedade questões cruciais que implicam diretamente na expansão desmedida do crime, seja ele simples furto ou delitos graves como sequestro seguido de morte.

Goiânia e, por extensão, todo o Estado de Goiás são exemplos à vista do aniquilamento do poder público diante dessa catástrofe social. Opta-se, aqui também, pela repressão. Quando o governo compra carros para a polícia e a aparelha melhor do ponto de vista logístico, ataca apenas um ponto do problema. 

Não dá, efetivamente, um norte seguro para evitar o delito, remédio preventivo.

Ficam quase sempre esquecidas as causas basilares que, infelizmente, induzem à marginalidade. Entre elas, talvez a mais importante seja a falta de investimento financeiro e humano no sistema prisional, de modo a capacitá-lo para prender e manter o aprisionamento dos delinquentes em condições humanas aceitáveis. A eficiência carcerária estaria, assim, resvalando para o lado do espírito da lei: a reeducação.

A superlotação dos presídios afeta os esforços e gastos na repressão. O veículo novo percorrendo ruas em socorro à população ao desamparo, atua num cenário onde a reincidência destrói tudo o se faz. Na ponta mais sensível, a do sistema prisional, não existe adequação.

A penitenciária goiana foi idealizada e construída pelo governo Mauro Borges, na década de 60. Propugnava, até no nome (Centro Penitenciário Agroindustrial) pela reeducação e reinserção.

De lá para cá, mesmo à vista do recrudescimento do crime, o descompasso tem sido gritante, fazendo com que celas de delegacias mal cuidadas inflem como balões de uma insensatez que teima em não enxergar a penosa realidade. Nunca houve dinheiro para construir delegacias ou presídios.

Nos últimos anos o governo armou as polícias, melhorou o salário dos policiais, o Ministério Público se desenvolveu e se fortaleceu como coadjuvante necessário, mas as causas não foram e não estão sendo debeladas. A visível piora do sistema prisional está a exigir posturas consentâneas. Não adianta lei dura se não há local para segregar e reeducar.

O tráfico, a vertente mais aparente do crime, que atinge preferencialmente os jovens, torna cidades como Goiânia, acima do primeiro milhão de habitantes, reféns do medo. Não se cuida, em absoluto, de remover as causas históricas e reais do crime, mas até certo ponto de mantê-las. Aumenta-se a eficiência no combate, sem se preocupar com a profilaxia na raiz da questão.

Goiânia adotou a política da tolerância zero. Importa pôr nas ruas o aparelho repressor. São presas todo dia dezenas de pessoas, a maioria jovens que voltam logo depois de liberados a delinquir.

Não é preciso de leis mais rígidas. É preciso cumprir as existentes. Para isso, são requeridas prisões que respeitem a dignidade humana. E não celas improvisadas em delegacias superlotadas. Periferias precisam cessar as emissões de criminosos.

E isso acontecerá quando a parcela da juventude afetada pela pobreza sentir a autoestima elevar. O que será alcançado pela via da educação, do emprego e da renda.

O crime que se imaginava com tendência de decréscimo após os impactos iniciais da urbanização brasileira, devido ao êxodo rural, tem na verdade trajetória oposta.

A reincidência é um fato alarmante. E mostra ser a prisão antieducativa. A falta de vagas leva ao abrandamento da condenação. E há mil maneiras de pôr o preso na rua. Sem, no entanto, dar-lhe o mínimo de condição para a ressocialização.


*HENRIQUE DUARTE é jornalista

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