segunda-feira, 15 de março de 2010

Viva o consumidor!

O Popular

Dia do Consumidor

Rosana Maria Perillo Ferreira*

Hoje, 15 de março, comemora-se o Dia Mundial do Consumidor. A pergunta é se a sociedade brasileira tem realmente o que festejar.

Necessário tecer um breve relato histórico sobre a lei que regula a relação de consumo, entre consumidor e fornecedor. O Código de Defesa do Consumidor, que entrou em vigência em 1991, foi concebido tendo como pilar vários princípios, dentre eles a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Este é um conceito universal. Não há o que se discutir. Assim é porque o fornecedor detém os meios de produção, a técnica, o conhecimento jurídico, os meios de divulgação e comunicação e o consumidor somente é detentor da necessidade de consumir.

É claro que o mercado de consumo funciona porque o fornecedor fabrica, constrói, cria, transforma, importa, exporta, distribui, comercializa e presta serviços, e o consumidor o remunera para obter os produtos e os serviços. Mas, se existe essa dependência mútua, por que os dois lados não se harmonizam? Simples. Porque o fornecedor ainda não respeita a lei. São frequentes as reclamações de desrespeito ao consumidor registradas pelos Procons, Ministério Público, Agências Reguladoras e demais órgãos de defesa do consumidor. Isso sem falar do número expressivo de demandas nos juizados especiais cíveis e nas varas da Justiça comum. A lista dos que mais lesam direitos está encabeçada ora por operadoras de telefonia fixa e móvel, ora pelos planos de saúde, ora por bancos ou supermercados, dentre outros. Essa lista corresponde apenas a reclamações realizadas pelos consumidores, de forma individualizada, nos órgãos de defesa do consumidor, mais especificamente nos Procons.

Contudo, há uma gama bastante significativa de ações judiciais propostas, de forma individual e de forma coletiva, no universo que compreende as ações civis públicas. Este instrumento processual tem sido largamente utilizado pelas associações civis constituídas e pelo Ministério Público com o fim precípuo de buscar a proteção coletiva dos consumidores. Ações civis públicas visando tornar nulas cláusulas contratuais por conterem abusos e ilegalidades, visando à devolução de valores cobrados e pagos indevidamente por grupos de consumidores, ações que visam à interrupção de veiculação de publicidades enganosas ou com cunho discriminatório, dentre outras.

Ao voltar os olhos para a saúde do consumidor, compreendida aqui a remunerada diretamente, através das consultas particulares ou através de pagamentos aos planos de saúde que exigem contraprestação pecuniária, observa-se uma gama de irregularidades. Atendimento demorado, informações prestadas de maneira inadequada, além de pagamento em dobro, pela consulta médica e também pelo retorno, que é estabelecido pelo próprio médico para a complementação do tratamento. São atitudes que ferem frontalmente a lei consumerista, que prevê que a prestação de serviços realizada pelos profissionais liberais deve ser de qualidade, obedecendo a direitos como informação clara, precisa e ostensiva, sem deixar o consumidor em desvantagem exagerada e que sejam compatíveis com a boa-fé.

Esta propalada boa-fé, que deve existir tanto de um lado como do outro da relação. A lei trata-a como dever. É dever de o fornecedor tratar o consumidor com lealdade, a confiança deve ser recíproca, a transparência deve prevalecer. O que dizer ainda sobre os contratos, que apesar de ter um capítulo reservado no Código, intitulado de Da Proteção Contratual, são escritos contendo cláusulas que somente trazem vantagens para o fornecedor, deixando ao seu arbítrio modificá-lo unilateralmente, sempre e quando for de sua exclusiva conveniência.

Fica então a constatação que é preciso avançar muito ainda. Medidas envolvendo a educação para o consumo vêm sendo adotadas pelos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, mas não foram suficientes, tanto para fazer com que o consumidor se sinta seguro com relação ao direito que lhe assiste, tanto para que procure a defesa destes direitos, ou em órgãos administrativos ou diretamente na Justiça. A conscientização tem de alcançar os dois lados dessa relação, e caso isto não aconteça, que as providências legais cabíveis sejam tomadas, evitando-se a reincidência da conduta. Tudo para que a proteção do consumidor, como mandamento constitucional, seja cumprida.


*ROSANA MARIA PERILLO FERREIRA é advogada, professora da Universo e ex-diretora do Procon/Goiânia

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