sexta-feira, 12 de março de 2010

Respeitem Demóstenes Torres!

O Popular

OPINIÃO






Demóstenes Torres *

Paixão que turva as mentes

Em artigos no domingo, os jornalistas Elio Gaspari e Miriam Leitão privaram os leitores de um debate à altura do tema, as cotas raciais, e do prestígio de seus autores. Entraram no time dos racialistas querendo gratuitos cursos superiores para uma cor e ataques a quem discorda. Gaspari equivoca-se a partir do título, A teoria negreira do DEM saiu do armário. Não teci “teoria negreira”, muito menos em nome do partido – representei, no Supremo Tribunal Federal, a Comissão de Justiça, que presido no Senado. E a tese, malgrado a linguagem de boate, não “saiu do armário” ali no STF – eu a advogo há anos.

Gaspari pinça duas frases. Numa, exponho a conclusão a que, entre outros, Gilberto Freyre chegou: é impossível que em torno de 87% dos brasileiros que têm mais de 10% de ancestralidade africana em seu DNA tenham se originado de estupro. Nenhum documento endossa a aleivosia transformada em mito. E por que Gaspari não questionou a mesma assertiva quando feita em 19 de setembro de 2006 em O Globo por Ali Kamel? Noutra relembro, com Paul E. Lovejoy, o vulto econômico e a longevidade da escravatura na África. Ninguém o desmente com informação, só com ideologia e xingatório. Analisar a defesa de tese dessa importância por poucas palavras é comparável a tomar a obra de Gaspari por esse seu raso artigo. Parece não ter visto os 40 minutos de discurso nem atravessado as 700 páginas de Casa-Grande & Senzala. Toma a floresta por dois tocos.

Freyre envolve as diversas cores: “Por muito tempo as relações entre colonos e mulheres africanas foram de franca lubricidade animal. Pura descarga de sentidos”. Gaspari retirou pedaços, aqui copio outro, poderíamos preencher o jornal com excertos e continuaríamos negando ao leitor uma luz sobre cotas.

Gaspari afirma que lidero a oposição ao estímulo da entrada de negros nas universidades públicas. Ao contrário, defendo as cotas para eles, assim como para as cores todas deste Brasil miscigenado, desde que pobres – e transitórias. Na parte mais infeliz do texto, apela para delituoso recurso retórico: “Estudou História com o professor de contabilidade de Arruda”. Gaspari acompanhou meu combate pioneiro e frontal aos personagens do escândalo em Brasília e sabe quão ignominioso é emergir em artigo sobre cotas alguém fora da conversa. Primeiro, me distancia do que digo. Depois, me aproxima de meu antípoda.

No arremate, graceja que exibi “um pedaço do nível intelectual mobilizado no combate às cotas”. Talvez seja sua dificuldade em alinhavar algo consistente no aval de um pires.

Leitão, outra que aderiu tarde à racialização, também não usou sua capacidade, nova evidência de que o abraço às cotas atrofia mentes. Tenta demolir a mim, não as minhas propostas. Para ela, sou “um famoso sem noção” pobre “de espírito” com quem “não vale a pena gastar munição e argumentos”. Pois, se me falta noção e argumentos por que ela desceria do Olimpo para se ocupar de mim?

Iça a tal frase da economia robustecida pela escravatura e me atribui a alegação “de que os escravos foram corresponsáveis pela escravidão”. Eu não disse isso. E ela só disse por se resumir a ler manchetes. Estica minha fala numa barafunda: “Se brasileiros levam outros brasileiros para áreas distantes e, com armas e falsas dívidas, os fazem trabalhar sem direitos, qualquer povo pode escravizar os brasileiros”. Pronto!, nesse misto de coisa com coisa com coisa nenhuma, acabei responsável por conterrâneo lavar prato em Miami e na Europa.

As cotas merecem discussão séria, além das paixões e da militância. É o mínimo que a sociedade espera, inclusive de políticos e colunistas.


* DEMÓSTENES TORRES é procurador de justiça e senador (DEM-GO)

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