segunda-feira, 26 de abril de 2010







ARTIGO

Ano eleitoreiro?

O ano de 2010, para o Brasil, revela-se de suma importância, como seria para qualquer nação que se rege pela democracia: é um ano eleitoral. No transcurso dele se deflagrará, oficialmente, o período de registro de candidaturas, de propagandas, de embates ideológicos e políticos, que têm como desfecho a eleição. Será, portanto, uma época em que se fará presente a soberania popular e se conhecerá qual maioria governará o País na próxima legislatura.

No entanto, a história recente demonstra que a classe política tenta, constantemente, deturpar a vontade do povo brasileiro. Por isso, é imperioso divisar o que faz parte do ano eleitoral e o que é, de fato, intuito eleitoreiro.

A ideia de democracia não perdeu sua capacidade de absorção com o passar do tempo. Essa assertiva pode ser colhida com a interpretação de fatos pretéritos, medidas presentes e perspectivas futuras. Tanto é verdade que o francês Croiset relata o impulso que as benesses democráticas de Sólon auguraram na história grega. Adotando práticas de humanização, como a imposição de recálculo das dívidas abusivas, e de igualdade, ao atenuar alguns privilégios sociais e jurídicos dos eupátridas, a democracia grega começou a ganhar corpo e fama com a denominada Constituição de Sólon.

Num passado mais próximo, teorizando sobre a concepção contemporânea de democracia, o estadunidense Robert A. Dahl a envolve numa aura igualitária, e identifica cinco critérios para sua aplicabilidade: participação efetiva; igualdade de voto; entendimento esclarecido; controle do programa de planejamento; inclusão dos adultos.

Com tais elementos, introduz a concepção de poliarquia (“governo de muitos”) para se referir à democracia representativa atual, a qual se baseia em seis pilares ideais: representantes eleitos; eleições livres, justas e frequentes; liberdade de expressão; fontes de informação diversificadas; autonomia para as associações e a cidadania inclusiva.

Vê-se, portanto, que do nascedouro ao vigente florescimento, a democracia incorporou valores em suas concepções históricas, mas se manteve fiel a um núcleo conceitual que se manifesta pela persecução da igualdade política e pelo respeito a alguns direitos indispensáveis.

Quanto aos direitos, é conveniente se reportar ao inestimável papel que o Supremo Tribunal Federal teve ao guindar o artigo 16, da Constituição Federal de 1988 (apelidada por Ulisses Guimarães de cidadã), como garantia individual do cidadão-eleitor, nos caricaturais casos da verticalização das coligações partidárias (Emenda Constitucional nº 52) e da tentativa de fraude eleitoral com a reputada Emenda dos Vereadores (Emenda Constitucional nº 58). Nestes dois exemplos, vê-se a diferença nítida entre a preservação do processo eleitoral hígido, que deve ser protegido pela ordem constitucional, e os desígnios eleitoreiros dos parlamentares, que buscaram, mas não conseguiram, deturpar a vontade democrática e usurpar oblíqua e ilegitimamente o poder político.

Sobre a igualdade política, podem ser elencados diversos eventos, dos quais cito dois: a eleição de um ex-metalúrgico e a de um negro ao posto de chefe do Executivo de seus países. A análise que se há de observar deles deve ser isenta: representam estes fatos a alternância do poder pelas regras paritárias do jogo democrático. Tanto aqui, como lá, o povo sentiu a necessidade de mudança. Resta examinar se foram ou estão sendo cumpridos os panfletos eleitorais que a inspiraram ou se tais propósitos resultaram em promessas palanqueiras.

Neste contexto, nada mais oportuno que avaliar o presente. Palpitam denúncias de uso da máquina pública, tanto para vantagens pecuniárias como para políticas; surgem acusadores e denuncistas, que ora se esquivam ora reforçam seus discursos; nascem e renascem ideias, que vez são tachadas de progressistas, outras vezes são qualificadas de retrógradas. É inegável que a moldura política brasileira sempre foi pautada pela volatilidade, variando a sua intensidade. Nada obstante, apesar desta constante instabilidade, é imprescindível que se reflita sobre a citada concepção contemporânea e o mencionado conceito de democracia, para que não deixemos, através do voto consciente, que este ano eleitoral se converta em um ano eleitoreiro.

Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz é doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Sevilla, Espanha, professor do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) e advogado

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