quinta-feira, 22 de abril de 2010







ARTIGOS

Brasília, 50 anos: comemorar o quê?

Há dois anos, quando cheguei a Brasília, me vi envolvida pela expectativa de um contador digital, que na saída do aeroporto, fazia a contagem regressiva dos dias que faltavam para os 50 anos da capital federal. E por mais de 700 dias, aquele contador criava uma expectativa contagiante. A programação previa grandes espetáculos na Esplanada dos Ministérios, feiras culturais, palestras, filmes, e para cantar o cinquentenário, foram citados nomes como Madonna, U2, até o Beatle Paul McCartney. Incluindo brasileiros, seria a festa digna dos sonhos de JK.

O sonho de uma grande festa dos 50 anos de Brasília foi destruído por escândalos políticos. Segundo o recém-eleito governador Rogério Rosso, não há tempo para licitação dos serviços de montagem de shows. Não vejo motivação para que essa festa aconteça. A Esplanada dos Ministérios que, teoricamente, seria a praça do povo, tem sido palco de confrontos entre estudantes e polícia – e mesmo nos tempos de paz, é pouco acolhedora, fria, lugar onde só não falta espaço.

Falta paixão. Há quem se orgulhe em dizer que a capital tem vocação para acolher. Todas as cidades do País recebem e abrigam brasileiros de qualquer região e até estrangeiros. Isso não é qualidade de Brasília, é dos brasileiros. E por mais que essa cidade tenha sido erguida por brasileiros que deixaram longe seu porto seguro, suas origens, ela não aprendeu com eles o dom do aconchego, tão típico das cidades do interior do País.

É tudo tão misturado, que Brasília não tem comida típica, não tem vestimenta típica nem uma música regional. Talvez toda essa diversidade seja a sua principal característica. Mas, por enquanto, é identificada por ser o local onde Renato Russo viveu sua adolescência, pois ele não nasceu aqui; pela arquitetura do Plano Piloto; e pela gritante desigualdade social. É uma ilha de beleza arquitetônica, cercada de pobreza por todos os lados.

É fácil perceber, nas ruas, que os poucos que têm condições de morar no Plano Piloto não se interessam pelos 50 anos, e os moradores das regiões administrativas não têm motivo para puxar a fila da comemoração.

As comemorações destes 50 anos devem ser marcadas pela reflexão. É o momento de todos pensarem nos próximos 50 anos. Espero que todos ajudem a fazer uma capital federal onde a arquitetura possa ser humanizada e que o contador regressivo de dias não perca seu tempo criando expectativa de uma festa que não vai existir.

Pensemos numa cidade mais justa e simples. Pensemos, então, desde já, no cenário que queremos para o centenário de Brasília.

Veruska Narikawa é jornalista

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