segunda-feira, 26 de abril de 2010







ARTIGO

Enigma Belo Monte

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2) busca, usando também recursos jurídicos, construir sua maior obra, a Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, Pará. A Advocacia Geral da União (AGU) reuniu 100 procuradores e, desde 2007, com esse formidável e caro arsenal, atua no sentido de derrubar liminares judiciais que paralisam ou impedem empreendimentos federais, independente de os mesmos não passarem pelo crivo do Tribunal de Contas da União, por suspeita de corrupção, ou pelos rígidos critérios ambientais.

Belo Monte tem mais pontos contrários do que a favor. James Cameron, criador do filme Avatar, entrou na campanha em defesa das populações indígenas que serão desalojadas com a construção. Isso, porém, não é tudo.

A maior questão, no entanto, segundo relatórios técnicos de impacto, seria a degradação ambiental e a contaminação do lago, além da interrupção e desvio do curso natural. Do ponto de vista técnico pesa ainda fato de importância: o potencial de 11 milhões de quilowatts é apenas nominal. Uma miragem. Na baixa vazão, que ocorre vários meses do ano, a geração cairá pela metade, não passando de uma média anual de 4,7 mil MW, devido à falta de água para tocar todas as turbinas.

O dito popular segundo o qual onde há fumaça há fogo não pode ser desprezado neste caso. O governo Lula persegue com afinco a construção, talvez para mais enfadar-se de soberba e dizer ao mundo que o Brasil tem em andamento a terceira maior hidrelétrica do Planeta, perdendo apenas para a chinesa Três Gargantas e para a brasileira Itaipu, implantada pelo regime militar e partilhada com o Paraguai.

Revelam estudos técnicos que o custo previsto de R$ 19 bilhões subirá mais que o dobro. Estabeleceu-se uma guerra judicial que custa muito ao País. Basta fazer as contas dos salários de 100 procuradores federais, mais o formidável aparato disponibilizado pelo governo. Belo Monte – pela teimosia e irredutibilidade do presidente Lula, que deseja esticar o apoio à candidata Dilma Rousseff – se nascer agora, depois da cassação pelo TRF da última liminar suspensiva, e ao arrepio de todas as evidências técnicas e ambientais, estará para sempre estigmatizada pelo mal.

A licença prévia do Ibama contraria uma plêiade de técnicos do próprio órgão, que têm dúvidas profundas e abalizadas sobre os efeitos danosos futuros. Sequer as medições pluviométricas lhe dão o apoio da ciência. As incógnitas falam por si, e passam atestado de imprudência.

Os problemas vão muito além da remoção de aldeias, ou do fato de o lago a ser formado pelo barramento do Xingu tomar vastas terras indígenas. Há uma infinidade de questões ambientais críticas relacionadas à obra e a suas consequências futuras. A geração hidráulica produz energia limpa. Nesse ponto está a principal justificativa, uma vez que aquela região amazônica é ainda hoje dependente de usinas termoelétricas que consomem enorme quantidade de combustível fóssil e jogam na atmosfera CO2 equivalente à queima de milhares de toneladas de óleo diesel por ano.

A imponderação do governo força ainda a se acreditar que Belo Monte, em ano eleitoral, se constitui em tema para oferecer palanque a Dilma. As controvérsias são incontornáveis no momento. E, por isso, a obra não poderia ser iniciada sem o necessário suporte de relatórios ambientais consistentes e de consultorias que viessem a demonstrar, cabalmente, que suas interferências não trariam malefícios.

O açodamento conflita com diretrizes governamentais para o meio ambiente. No discurso trata a questão de um modo e, na prática, de outro. Para o mundo anuncia respeito total à majestade amazônica, aos povos indígenas, à previsibilidade de desastres causados por imprevidência administrativa.

E, aqui, nos bastidores do Planalto, sustenta uma guerra jurídica para ver resplandecer num dos pulmões amazônicos a terceira maior hidrelétrica da Terra. Passando por cima de contra-argumentos científicos, e a desprezar o fato de que a região não consumirá, em várias décadas, a energia a ser gerada. Dependerá de investimento ainda maior para construir linhas de transmissão em direção ao Sudeste do País. Despreza sua própria diretriz ao flexibilizar o setor elétrico nacional. Optou tal política por construir pequenas usinas locais e regionais. Está em jogo o patrimônio natural, cultural, étnico, ambiental e demográfico de parte da Amazônia.

HENRIQUE DUARTE é jornalista

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