quinta-feira, 22 de abril de 2010







ARTIGOS






Washington Novaes

Inércia em meio ao caos

Há alguns dias, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (11/4), o conceituado arquiteto inglês Kenneth Frampton, autor de História Crítica da Arquitetura Moderna (Martins Fontes Editora), hoje professor na Universidade Columbia, EUA, depois de revisitar Brasília, onde estivera há 45 anos, declarou-se impressionado com a intensidade do trânsito na cidade, que comparou ao das cidades norte-americanas, e disse que “o problema é a praga da indústria de automóveis (...) as pessoas dizem que vivemos numa democracia aqui, mas quem manda são as corporações”. Não há como negar-lhe razão, olhando o panorama das ruas brasileiras e lembrando que a frota nacional de veículos já está acima de 36 milhões. Lembrando também a incapacidade da administração pública, em todos os níveis, de adotar políticas que busquem reduzir o número de veículos no trânsito; ao contrário, até estimulam o aumento, concedendo reduções de impostos nas vendas e isenção de outros tributos.

Goiás não escapa ao panorama geral. Em 2009 o número de automóveis e comerciais leves vendidos no Estado ultrapassou 100 mil unidades, quase 10% mais que no ano anterior – fora 67.911 motocicletas (no País foram vendidos 3,14 milhões de veículos, contra 2,82 milhões em 2008). Com esses números, Goiânia já é uma das capitais onde as vendas mais crescem (8,2% em 2009), mais que em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro (Folha de S. Paulo, 7/2). E aproxima-se de um milhão de veículos, quase um por habitante, como confirmou o diretor da Agência Municipal de Trânsito, Miguel Tiago, em entrevista a este jornal (3/4), na qual admitiu que não há solução à vista para o problema.

E nas outras grandes cidades também não há perspectiva, pois a frota nacional está em 21,14 milhões de automóveis e 9,22 milhões de motos. Em Goiânia, entretanto, o panorama é mais grave, com sua relação veículo/habitante muito mais problemática que a de São Paulo (3,6 habitantes por carro), dos Estados Unidos (1,2 habitante por veículo) ou da Europa (entre 1,6 e 1,9 pessoas por veículo, dependendo do país).

Curiosamente, entretanto, o diretor da AMT entende que o problema principal em Goiânia não está exatamente no número de veículos – porque, a seu ver, nem todos circulam ao mesmo tempo –, e sim na imprudência dos motoristas, causa de 80% dos acidentes, e no “desrespeito generalizado”. Mas não vê muitos caminhos para aumentar a fiscalização, já que seriam necessários mais de 4 mil agentes para quatro turnos nos 530 semáforos. E estamos muito longe disso (não informou o número atual).

Também ele, entretanto, sequer menciona a possibilidade de estabelecer restrições à circulação de veículos, embora estes, juntando carros e motos, respondam por 40 vezes mais poluição por carbono que os ônibus (Folha de S. Paulo, 26/3), com 83% do total contra 2%, e respondam por 3.500 mortes anuais. E embora uma viagem por automóvel consuma, por pessoa, 26 vezes mais energia que no metrô, por exemplo. No conjunto do País, os veículos consomem 31% da energia total. Os crescentes desperdícios dos deslocamentos em automóveis, segundo o professor Adriano Murgel Branco, especialista na área, chegam hoje a R$ 40 bilhões; em 60 anos, diz ele, o número é assombroso: R$1 trilhão.

Quando se olham os números sobre velocidade dos veículos nessa balbúrdia, o espanto não é menor. Em São Paulo, por exemplo, no ano passado ela caiu 16% e chegou a 15,08 quilômetros por hora no fim da tarde – menos que a velocidade média de uma bicicleta. Goiânia está no mesmo caminho.

Se é assim, por que não se pensam em algumas providências – como, por exemplo, só licenciar um veículo novo se o proprietário provar que está tirando um antigo de circulação, como já se faz em alguns países. Ou criando sistemas obrigatórios e eficientes de reciclagem, como o da Suécia? Ali, quem compra um carro novo já paga uma taxa de financiamento da reciclagem e o documento pode passar de um proprietário para outro. O dono que entender haver chegado a hora em que será mais vantajoso reciclar, leva o veículo a uma empresa autorizada, que lhe paga o valor do certificado emitido na primeira venda. Com esse sistema, a Suécia já recicla hoje uma porcentagem expressiva dos veículos antigos e consegue dar destinação adequada a 95% dos materiais. Em várias capitais europeias e asiáticas já vigora um pedágio urbano, que taxa fortemente quem quiser circular por determinadas áreas antes muito congestionadas. Com isso, a velocidade dos ônibus nesses locais dobrou em pouco tempo.

Há caminhos, há soluções possíveis. É preciso ter vontade política – ao invés de ainda conceder isenção de impostos para estimular as vendas de veículos. E de colocar parte da culpa pelo trânsito difícil nos carrinhos de catadores de lixo – e proibi-los de circular pelas ruas.


Washington Novaes é jornalista

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