quinta-feira, 20 de maio de 2010

Goiânia de quem?







ARTIGO

DA REDAÇÃO






Washington Novaes


A cidade roubada

Por mais que se queira, não sai da memória a informação deste jornal (11/5) de que a “solução” para os congestionamentos de trânsito na Praça do Cruzeiro começa por cortes e redução em canteiros, de modo a abrir mais espaço para os automóveis. É uma lógica em vigor em muitos pontos da cidade, onde se eliminam canteiros centrais em rotatórias e se fazem outras intervenções inadequadas que acabarão levando ao extremo de se considerar desprezível o plano diretor originário de Goiânia. Em algum momento, se a prioridade absoluta é do automóvel, porque não eliminar toda a Praça do Cruzeiro e abrir ali uma avenida, que num segundo momento poderá exigir a remoção do Palácio dos Esmeraldas, dos canteiros centrais da Avenida Goiás, da Estátua do Bandeirante, da antiga Estação Ferroviária? Assim se poderá implantar uma larguíssima avenida em todo o sentido Norte-Sul, com trânsito livre para os automóveis.

Talvez seja inútil perguntar por que não se faz um plano diretor adequado para a cidade, que impeça adensamentos populacionais e de trânsito e geradores de problemas para o poder público e para o cidadão. Por que tem de prevalecer uma lógica que quase só beneficia a indústria automobilística e seus apêndices, bem como a indústria da construção e da especulação imobiliária sem regras? Vai-se chegar ao ponto da cidade de São Paulo, onde a Prefeitura está propondo à Câmara Municipal a criação de um imposto de 5% sobre o valor de grandes empreendimentos (hipermercados, grandes condomínios etc.) que provoquem adensamentos na área, para aplicar o recurso na solução dos problemas por eles gerados? Por que não se antecipar ao problema?

Goiânia já perdeu extraordinárias oportunidades. Uma delas foi preferir pistas asfaltadas e implantar a Avenida Leste-Oeste, em lugar do metrô de superfície que fora proposto pelo governador Henrique Santillo. É na direção Leste-Oeste o maior volume de deslocamentos de pessoas na cidade. No leito da antiga estrada de ferro, não teria sido necessário desapropriar nada. E o metrô custaria algumas vezes menos que o caminho subterrâneo – que hoje se considera inviável por causa do custo.

Poderíamos também olhar para outras situações nas maiores cidades do País para antever o que nos espera no rumo que vamos seguindo. São Paulo pensa em demolir o “Minhocão”, o Elevado Costa e Silva, de alguns quilômetros de extensão, construído pelo prefeito Paulo Maluf, e por onde passam 70 mil veículos a cada dia. O Rio de Janeiro também pensa em demolir o elevado da Avenida Perimetral. Em ambos os casos, porque a “solução” que privilegiou o trânsito de veículos criou outros problemas, tornou mais feia a cidade, impede a convivência humana, esquece os direitos dos pedestres (que representam em média um terço dos deslocamentos diários), dos idosos, dos deficientes físicos, das crianças. No Rio, vai-se também partir para uma solução oposta às que estamos vivendo: vai-se fechar ao trânsito de veículos a tradicional Avenida Rio Branco, no centro da cidade, para transformá-la em “parque urbano”, em “espaço de convivência humana”.

Por aqui, espraia-se a lógica da prioridade para o veículo e para a especulação. Há poucos dias (2/4), este jornal noticiou que o processo de expansão urbana sem regras tende a acentuar-se no entorno de Goiânia, na Região Metropolitana. Mas também se repete em Rio Verde, Trindade e outros locais. Em Aparecida de Goiânia está o ponto mais crítico: 180 mil dos 400 mil lotes vagos na Grande Goiânia (O POPULAR, 11/5), frutos do caminho consentido pelo poder público, de licenciar loteamentos sem nenhuma exigência de infraestruturas (saneamento, transportes, educação, saúde, segurança, até mesmo asfalto). Em Rio Verde, diz a mesma edição do jornal, “o número de veículos dobrou em dois anos” e até o fim deste chegará a 100 mil.

Voltando a Goiânia: provavelmente é inútil repetir aqui o que já foi escrito muitas vezes: que se está preparando um novo impasse na região goianiense cortada pela rodovia Brasília-São Paulo. Numa área dotada de escassa infraestrutura de trânsito e outros serviços, permitiu-se e continua-se permitindo um adensamento muito forte, com a implantação de shopping centers, hipermercados, hotéis, grandes condomínios, a sede do Executivo municipal, centro cultural, estádios esportivos, autódromo, central de abastecimento – e cogita-se de novas sedes ali para o Legislativo e o Judiciário. Que se espera que aconteça, se nenhum planejamento urbano se sobrepuser ao avanço sem regras? O alto custo de passarelas sobre a rodovia e vias subterrâneas para pedestres é apenas um primeiro momento dos ônus para o poder público e para o cidadão que paga impostos – quando muitos problemas poderiam ser evitados com um planejamento que evitasse a repetição do que aconteceu no centro antigo da cidade: a concentração dos três poderes, das repartições públicas, dos bancos e dos serviços inviabilizou a região e determinou a transferência progressiva de quase tudo para os Setores Marista e Oeste, que seguem o mesmo caminho.

Há algumas décadas, o antropólogo basco Julio Baroja escreveu que “a grande cidade começa por nos roubar o essencial: a visão da nossa própria sombra e o ruído dos nossos passos”. Mas esse, a julgar pelo que acontece nas grandes cidades brasileiras, é apenas o começo.


Washington Novaes é jornalista

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