segunda-feira, 17 de maio de 2010

Juntos?






EDITORIAL

                                           Wildes Barbosa/O Popular
Ronaldo Caiado, José Serra, Marconi Perillo e Demóstenes Torres: uma aliança para sobreviver na selva política criada pelo PT?

Qual é a verdadeira cara do DEM?
Numa fotografia, os principais líderes do Democratas em Goiás aparecem sorrindo ao lado de Marconi Perillo. Noutra foto, aparecem sorrindo ao lado de Iris Rezende. O que o leitor dirá sobre o realismo político do partido?

O foco deste Editorial é o Democratas, o partido que, envergonhado da palavra Liberal do Partido da Frente Liberal, adotou a vagueza Democratas. Porque, teoricamente, todos são democratas, não apenas os filiados à legenda liderada por Jorge Bornhausen e Rodrigo Maia. Mas antes de examinar a adesão do DEM goiano à realpolitik, seguindo seu opositor principal, o PT, examinemos, mais ou menos rapidamente, o partido de esquerda, com a lupa do sociólogo Chico Oliveira.

Oliveira é um esquerdista renitente, mas não deixa de ser autor de uma sacada interessável: “A tarefa da crítica é não absolver ninguém”. Um dos fundadores do PT do presidente Lula e do comissário José Dirceu, o veterano Oliveira, contrariando o discurso de petistas e comunistas, sustenta que “o governo Lula é uma regressão política”.

Uma ressalva: Oliveira sugere, ao dizer que Lula significa um retrocesso, que o PT deixou de ser esquerda. É como se, por linhas tortas, o petismo fosse infalível e, como o governo Lula “equivocou-se”, deixou de ser esquerda. É uma das insuficiências de Oliveira: o governo Lula talvez tenha errado mais, tentando adotar medidas autoritárias, quando tentou ser mais de esquerda. É hora de expor o pensamento de Oliveira, colhido numa entrevista concedida à revista “Cult” nº 146.

A revista pergunta: “O PT cedeu ao atraso de força modernizadora e isso o coloca no coração dessa dialética do atraso e do moderno?” A resposta de Oliveira: “Coloca, mas coloca pelo avesso. Tenho discutido uma proposta heterodoxa de que estamos em uma era da hegemonia às avessas, isto é, o dominado conduz a política em benefício do dominante. (...) É uma vanguarda que se converteu ao atraso comida pela vanguarda. Quando o PT se mete a gerenciar o capitalismo em sua fase financeira é devorado pelo atraso, no sentido de negar as reivindicações da classe trabalhadora e da sociedade brasileira. Ele está sendo comido não pelas forças do atraso, mas sim pelas forças do progresso. É o progresso da acumulação dominado pelo capital financeiro. É essa a contradição que encontro nessa decadência do PT como partido da transformação. Esse é o nó, que é difícil de desfazer”.

A tese do PT de que as desigualdades sociais foram reduzidas traduz a verdade ou é marketing? A crítica de Oliveira: “Não houve nenhuma redução da desigualdade. Como a gente mede a desigualdade no Brasil? Há uma mensuração em que são realizadas pesquisas de renda pessoal, que captam os rendimentos do trabalho, mas não do capital. Os rendimentos do capital são incaptáveis. Como se calcula a repartição da renda no Brasil? Por dedução. É possível saber os rendimentos do trabalho, mas não os rendimentos do capital”.

Oliveira detalhe: “A renda nacional é a soma de rendimentos do trabalho e do capital. Os rendimentos do trabalho são fáceis de calcular. E isso se calcula, na maior parte dos casos, de forma direta, pelos registros estatísticos. Resta uma segunda parte, que é a parte dos rendimentos do capital para o qual os registros estatísticos são falhos e insuficientes. A soma dos rendimentos do capital, na verdade, é uma espécie de dedução, daí ela ser imperfeita. Quem estiver afirmando que houve redução da desigualdade ou está falando de má-fé ou é um tolo. No caso do governo Lula, são as duas coisas: má-fé e tolice”.

Com o governo Lula avaliado por um ex-arquiteto ideológico do petismo, sugerindo que está a serviço da elite financeira, mas deixando de lado o exame do proveito de se manter o poder, ao se tornar classe dirigente, ainda que não dominante, examinemos agora o principal adversário ideológico do PT, o DEM. Enganam-se aqueles que pensam que o PSDB é adversário ideológico do PT. É adversário político-eleitoral, mas, ideologicamente, são irmãos gêmeos, separados menos pelas ideias, e muito mais por nomes: de um lado, o mulatinho Fernando Henrique Cardoso e, de outro, o mulatão Luiz Inácio Lula da Silva.

No Congresso, enquanto teve forças e não foi atacado com brutalidade pela máquina do PT, porque mecanismos institucionais do Estado são usados como poder de pressão, dissuasão e investigação partidários — até generais foram investigados pela máquina petista —, impondo um massacre desmoralizador, sobretudo a partir de Brasília, quando o governador José Roberto Arruda foi demolido muito mais para atingir seu partido, o DEM fez o contraponto adequado às tentativas de o PT construir um Estado autoritário sob aparência democrática. O DEM fazia a crítica ideológica, apontando toques autoritários das propostas petistas, e, na Câmara dos Deputados e no Senado, as transformava em lixo. O PT percebia que o combate do DEM funcionava muito mais do que a crítica clean e soft dos tucanos — em geral paulistas que, egressos da plebe, se tornaram aristocratas a partir da educação na Universidade de São Paulo e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A grande sacada do PT foi perceber que, a partir de Brasília, de Arruda (mero detalhe), poderia começar a demolição do DEM. Um parêntese. PT e DEM, o primeiro de esquerda e o segundo de direta, são filhos diletos da sólida União Democrática Nacional. A UDN pariu uma ala de esquerda e uma ala de direita. O PT faz parte da onda moralista de esquerda. O DEM integra a onda moralista da direita. Posto o parentesco, o que não quer dizer igualdade, voltemos ao DEM de Brasília. O mercado político sabe que o esquema de Arruda era incomparavelmente menor do que o de Joaquim Roriz. Mas o PT não estava preocupado com isso, pois o problema não era Roriz, e muito menos Arruda, mas o DEM. A questão é que, para produzir o “Mensalão do DEM”, era preciso tratorar Arruda. Na democracia, o único governador a ser preso, no exercício do cargo, foi um integrante do DEM (não importa se é ex). Arruda se tornou o magistrado Nicolau dos Santos da política, mas a Geni é o DEM. O partido está devastado, sobretudo no Nordeste, onde os pobres se tornaram uma espécie de exército eleitoral de Lula e Dilma Rousseff.

Depois de examinados o PT e o DEM, passemos ao exame rápido de duas fotografias, conectando-as ao realismo político do Democratas em Goiás.

Millôr Fernandes diz que as pessoas têm o hábito de repetir a frase “uma imagem vale mais do que mil palavras” e faz a ressalva perfeita: “Agora diga isto sem palavras”. No caso específico, as imagens são fortes e são editoriais sobre o comportamento do DEM.

Na capa de “O Popular” de quarta-feira, 12, aparecem numa fotografia de tamanho razoável quatro políticos — três goianos, o deputado federal Ronaldo Caiado, os senadores Marconi Perillo e Demóstenes Torres, e um paulista, José Serra. São dois tucanos, Marconi e Serra, e dois democratas, Ronaldo e Demóstenes. Os quatro estão sorrindo. O leitor, e talvez o eleitor, certamente quer saber: estão rindo de quê ou de quem? Do leitor? Certamente não. O fato é que, embora não se dêem muito bem, Ronaldo, Marconi e Demóstenes não parecem constrangidos.

O que a fotografia não diz, nem a reportagem do jornal explicou, é que DEM e PSDB precisam um do outro para sobreviver, nacional e localmente. O DEM tem o sopro ideológico, o espírito, e o PSDB tem a expectativa de poder, o sopro eleitoral. Desunidos, são presas fáceis para o tigre petista. Por isso, nacionalmente, o DEM decidiu apoiar Serra para presidente da República. Uma vitória do tucano pode resgatar o Democratas, que tende a sair mais compacto das eleições de outubro.

Em Goiás, embora haja quem aposte que o DEM vai acabar por apoiar Marconi, por força das circunstâncias, Ronaldo e Demóstenes ainda não se decidiram. Aqui, pois, entra a segunda fotografia, de “O Popular”. Ela exibe, sorridentes, Ronaldo,, Iris Rezende, pré-candidato do PMDB ao governo de Goiás, e Demóstenes. O DEM é a noiva, ou noivo, sabe-se lá, preferida por três motivos. Tem tempo de tevê considerável. Se retirado de uma aliança com os tucanos, enfraquece Marconi e fortalece Iris. Ronaldo e Demóstenes são referências políticas positivas, até mais do que o DEM.

Faltou a fotografia de Ronaldo e Demóstenes com Vanderlan Cardoso, pré-candidato do PR ao governo, e o governador Alcides Rodrigues. Se o leitor observar, na foto em que Ronaldo e Demóstenes estão com Iris aparece, num canto, o vice-governador Ademir Menezes (PR), que, teoricamente, apoia Vanderlan.

Como sintetizar as duas fotos? Talvez seja possível dizer que o DEM goiano aderiu à realpolitik e pode fechar a aliança que for mais conveniente. Mas pega bem junto ao eleitorado?

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