O faz de conta do PAC: É (quase) tudo mentira
"Calma, que eu tenho um plano...". O jargão é costumeiramente utilizado por indivíduos agraciados com a personalidade despojada de um fanfarrão - como diria o Capitão Nascimento, protagonista do longa-metragem "Tropa de Elite" - e reflete o famoso "jeitinho brasileiro", expressão que há algum tempo passou a ser tema de estudos e pesquisas acadêmicas de sociólogos em busca da compreensão sobre essa onda de malandragem que se tornou traço cultural no Brasil. Em tempos de corrida eleitoral, a frase popular poderia facilmente ilustrar um diálogo entre interlocutores do governo federal tentando justificar a criação da segunda versão de um projeto que sequer foi finalizado na primeira etapa. Seria cômico, se o assunto não fosse tão sério.
Explica-se. Há cerca de duas semanas - precisamente em 29 de março -, a Casa Civil lançou a segunda versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2). Não demorou para que a mídia propagasse os dados ínfimos referentes à execução do PAC 1 no País. O site "Contas Abertas", fonte de levantamentos sobre o programa, divulgou que 54,2% dos projetos em território nacional estariam em fase de contratação ou licitação, ou seja, nunca saíram do papel; 34,4% das propostas estariam em andamento e apenas 11,3% teriam sido concluídas. Vale lembrar que o PAC foi lançado em janeiro de 2007. Todavia, Goiás, Piauí e Rondônia eram os únicos Estados brasileiros em que o balanço sobre os três anos de desempenho do Programa não haviam sido divulgados pela Casa Civil.
Na semana passada, o Jornal Opção teve acesso com exclusividade aos números detalhados, e nada animadores, do PAC em Goiás desde a implantação. Gil Castello Branco, fundador do “Contas Abertas”, enviou relatório à reportagem citando que, das 437 obras listadas para Goiás, apenas 40 (9,2%) foram concluídas entre 2007 e 2009. Outras 260 ações (59%) continuam no papel, enquanto 137 (31%) constam em andamento. A pior leitura que se faz do levantamento é a constatação de que a média de obras realizadas em Goiás fica abaixo da nacional, que - com os dados de Goiás, Piauí e Rondônia - passou a ser de 11,1%. As obras em execução no País totalizam 34,1%, enquanto os projetos em fase de contratação e licitação compreendem 54,8% do total.
O lentíssimo avançar do Programa de Aceleração do Crescimento não pode ser ignorado, sobretudo em virtude do dispendioso montante aplicado no PAC. Segundo o "Contas Abertas", o investimento total em Goiás foi de R$ 36,1 bilhões (R$ 27 bilhões neste ano e R$ 9,1 bilhões pós- 2010). Por isso, o Jornal Opção decidiu averiguar de perto, mais uma vez, o andamento da principal obra do PAC 1 no Estado, a Ferrovia Norte-Sul. Felizmente, a situação não está semelhante à presenciada pela reportagem há seis meses, no início de outubro do ano passado, quando visitou os trechos que cortam Anápolis. Mas será preciso muito, mas muito empenho para que a ferrovia possa ser utilizada como vitrine do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha presidencial deste ano.
Viveiros de mosquito
Há seis meses, não se via qualquer operário em atividade nos lotes 1, 2 e "sem número" - trechos em construção no município - e a obra se transformava em viveiros de mosquitos transmissores da dengue, com poças de água da chuva acumulada (veja fotos). Em outubro, o vigia Zé Preto, empregado da empreiteira Queiroz Galvão, relatou que quatro meses antes o local havia sido "praticamente abandonado" pela equipe de engenharia e por profissionais da construção ferroviária. Preto dizia, inclusive, temer que as máquinas não funcionassem quando as obras voltassem à execução, já que estavam paradas e desprotegidas a céu aberto.
O cenário atual é mais otimista. Na visita inesperada da reportagem ao mesmo local, realizada no dia 31 de março, operários, máquinas e tratores compunham a imagem de um verdadeiro canteiro de obras funcionando a pleno vapor. Mas o pouco avançar da obra é visível e desperta uma dúvida: a execução está muita lenta ou os trabalhos realmente estavam paralisados, ao menos nos trechos instalados em Goiás. O outdoor afixado em frente às construções - que registra 2007 como a data de início dos lotes 1 e 2 e dezembro de 2008 como o prazo de conclusão - continua no mesmo local. É a prova nítida de que o atraso oficial completa um ano e quatro meses. A previsão é de que a demora se estenda até o fim deste ano, mas a Valec (Engenharia, Construções e Ferrovias S/A, vinculada ao Ministério dos Transportes), empresa responsável pela obra, assegura que a inauguração do trecho em Anápolis será feita até julho.
Se levarmos em conta declarações de dois funcionários da obra, que preferiram não se identificar, os trabalhos na ferrovia foram retomados há pouquíssimo tempo: o operário entrevistado no túnel 1, lote 1, afirmou que a obra recomeçou há dois meses. O trabalhador do túnel 2, lote 1, atesta que a execução foi retomada há, no máximo, um mês. Somando as datas apontadas pelos próprios funcionários, oscila-se entre sete e oito meses consecutivos de paralisação da obra.
As afirmações foram rebatidas pelo diretor de Engenharia da Valec, Luiz Carlos Oliveira Machado. No escritório da empresa em Anápolis, Machado declarou que a construção dos trechos "nunca foi paralisada". Segundo ele, os trabalhos estavam "em ritmo lento", pois sofriam problemas técnicos. "No lote 1 gastou-se mais que o contrato permitia, então enfrentamos medida cautelar. Mas a estrutura está pronta, estávamos aguardando a chegada de dormentes (peças de metal instaladas na via férrea e sobre as quais os trilhos são fixados). O lote 2 está em ritmo acelerado e a previsão é (que fique pronto em) setembro", garantiu. Explicou também que "não é bom acabar um lote antes do outro", justificando que o andamento dos dois devem se equiparar.
No entanto, a própria equipe da Valec acompanhou a reportagem na visita aos trechos que cortam Anápolis. Num deles, precisamente no túnel 2, lote 1, a situação observada é a mesma que resultou na matéria publicada na edição de 11 a 17 de outubro de 2009: a construção continua estagnada, sem operários trabalhando e com buracos no solo mantendo focos de procriação do mosquito Aedes aegypti. Em campo, o diretor de Engenharia da Valec recuou da relutância e confirmou que a obra, naquele local, está realmente paralisada. Mas Machado afirma que os trabalhos foram interrompidos há 90 dias e que o prazo para a retomada é de um mês. "Como esse túnel atravessa a nascente de um rio, paramos para estudar uma solução técnica. Rebaixar o lençol freático seria muito caro, então contratamos um especialista para apresentar uma solução mais barata."
Luiz Machado apresentou relatório divulgado pela Valec em janeiro com dados atualizados sobre o andamento da construção da ferrovia. O levantamento mostra o quanto já foi executado em cada um dos 13 trechos instalados em Goiás (eles não seguem sequência numérica e serão escalonados seguindo série repassada à reportagem): lote 1 (85,10%); lote sem número (64,33%); lote 2 (8,68%); lote 3 (36,10%); lote 4 (23,42%); lote 11 (9,66%); lote 10 (1,23%); lote 16 (53,47%); lote 15 (20,28%); lote 14 (1,59%); lote 13 (1,60%); lote 12 (68,87%); lote 9 (68,32%).
Ferrovia não será vitrine eleitoral
Em clima festivo típico de comício em período eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, lançaram no final de março a segunda versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2). No megaevento que recebeu a presença de 30 ministros, 18 governadores e centenas de prefeitos e custou ao erário R$ 170 mil, o governo do PT colocou em pauta o projeto que só poderá constar no Orçamento da União de 2011. Para sair do papel, o PAC 2 ainda precisa de investimentos de governos estaduais, prefeituras, iniciativa privada, estatais e da aprovação de leis no Congresso Nacional.
O alarde pomposo realizado às vésperas do fim do prazo para desincompatibilização de cargos, que se findou no sábado seguinte ao evento, 3 de abril, provocou revolta da oposição, que classificou a reunião como "mera peça de campanha eleitoral, movida às custas do contribuinte brasileiro", segundo nota assinada pelos presidentes do PSDB, Sérgio Guerra, do DEM, Rodrigo Maia, e do PPS, Roberto Freire. Dois dias depois do lançamento do novo PAC, a ministra-mãe do Programa, Dilma Rousseff, deixou oficialmente a chefia da Casa Civil para disputar o comando do Palácio do Planalto, em outubro.
O PAC 2 prevê investimentos de R$ 1,59 trilhão, entre 2011 e 2014, e pretende atingir áreas de logística, energia, social e urbana por meios de seis grupos: Cidade Melhor; Comunidade Cidadã; Minha Casa, Minha Vida; Água e Luz para Todos; Energia; e Transportes. No entanto, além dos dados do site Contas Abertas, levantamento realizado pelo PSDB, com dados divulgados pelo Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), atesta que a primeira versão do PAC está longe de ser concluída. Em Goiás, a dotação inicial de investimentos referentes ao PAC corresponde a R$ 844.593.477. Desse valor, apenas R$ 283.080.545 representariam despesas empenhadas (ou 33,52%). Já as despesas liquidadas e os valores pagos totalizariam R$ 6.389.497 (ou 0,76%).
Balanço
As obras na Ferrovia Norte-Sul tiveram início em 1987, no governo José Sarney (PMDB). Na época, até 1989, segundo informações divulgadas pela assessoria de imprensa da Valec a pedido da reportagem, foram construídos 95 km de estrada, que ligaram as cidades de Açailândia e Imperatriz, no Maranhão. Nas gestões de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de 1995 a 2002, foram construídos 120 km, ligando Imperatriz (MA) a Aguiarnópolis (TO). Nas duas gestões do governo Lula, de 2003 ao início deste ano, foram construídos 372 km, de Aguiarnópolis a Guaraí, no Tocantins, e 978,5 km, entre Guaraí e Anápolis, em Goiás. Após mudanças no cronograma inicial, tais trechos estão com conclusão prevista para o final de 2010.
Em 2007, foi concluído no Tocantins o trecho Aguiarnópolis-Araguaína, num total de 153 km. Neste trecho foram gastos R$ 427,89 mil. O trecho seguinte, entre o Pátio Multimodal de Araguaína e o de Colinas do Tocantins, com mais de 100 km de extensão, foi concluído. O investimento esteve na casa dos R$ 300 milhões e foi inaugurado em dezembro de 2008. No trecho Colinas-Guaraí, com aproximadamente 115 km, as obras foram concluídas em 2009.
Analisando-se o início da construção da Ferrovia Norte-Sul e o prazo estipulado pelo atual governo para conclusão da obra, conclui-se que muito pouco foi feito. A própria Valec não esconde os números, que refletem a urgência para finalização dos trabalhos, antes que interesses eleitorais possam provocar retrocesso no que conseguiu ser avançado.
Entre Guaraí e Palmas, trecho de 148 km, a conclusão está prevista para julho, apesar de apenas 60% da obra ter sido realizada. Do pátio multimodal de Palmas ao Córrego Jaboti mais de 70% foi finalizado. Do Córrego Jaboti ao Córrego do Chicote, a 65 km ao sul do pátio de Gurupi, 211 km de estrada estão em andamento, com conclusão prevista para dezembro. Do Córrego Chicote ao Rio Canabrava, em Goiás, são mais 65,8 km em construção com cerca de 20% das obras concluídas e previsão de entrega para julho.
Em Goiás, do Rio Canabrava à GO-244, em Porangatu, são 51,5 km com trecho na fase de assentamento de lastros, dormentes e trilhos, e término previsto para julho. Da GO-244 à GO-239, em Mara Rosa, o trecho de 75,8 km teve as obras iniciadas em dezembro de 2009 e pretende-se concluir em outubro deste ano. De Mara Rosa ao pátio de Uruaçu, as obras foram iniciadas em junho do ano passado e o governo espera finalizá-las em dezembro próximo - o trecho tem 71 km. Do pátio de Uruaçu ao pátio de Santa Isabel, o trecho de 105 km está em fase de assentamento de lastros, dormentes e trilhos, com previsão de conclusão para dezembro.
Também de Santa Isabel ao pátio de Jaraguá, os 71 km de trecho estão na fase de assentamento de lastros, dormentes e trilho e a expectativa é que a obra seja concluída até julho. Do pátio de Jaraguá a Ouro Verde são mais 53 km, cujas obras foram iniciadas em dezembro de 2009 e serão concluídas em outubro. De Ouro Verde a Anápolis, o trecho de 39 km está na fase de assentamento dos dormentes e trilhos e conclusão prevista para julho. No trecho de Anápolis ao Porto Seco, local onde a Norte-Sul se conectará com a Ferrovia Centro-Atlântica, os 12 km da ferrovia estão com quase 85% das obras realizadas e estima-se que fiquem prontas até julho.
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