quinta-feira, 8 de abril de 2010


 


ARTIGOS






Washington Novaes

Onde está a renda ?

E agora? Diz um estudo da ONU (O POPULAR, 20/3) que Goiânia é a décima cidade mais desigual do mundo (em termos de renda e patrimônio), a mais desigual no Brasil, mais que Fortaleza, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba - outras capitais brasileiras incluídas entre as 138 de 63 países estudados, inclusive na África e na Ásia. Confirma esse relatório outro estudo do Habitat-ONU, de 2008, que já apontava nossa capital como a de maior concentração da renda na América Latina e Caribe.

Choveram protestos, a maioria argumentando que a pobreza em Goiânia não é maior que em outras cidades brasileiras ou em outros países. Só que o estudo é sobre desigualdade, não sobre índices absolutos de pobreza. E aí o panorama é realmente muito preocupante. Como já se escreveu neste espaço há poucas semanas, a renda média por pessoa ocupada em Goiânia é pouco superior a R$ 1 mil - o que coloca essa maioria da população abaixo do produto bruto médio per capita no País, que está em torno de R$17 mil anuais. 70,66% das pessoas que trabalham na capital recebem no máximo dois salários mínimos. Quase metade não tem carteira assinada. Os pobres constituem mais de 10% da população. A taxa de desemprego está em torno de 7%.

E, muito grave, 9,3% das pessoas acima de 15 anos de idade são analfabetas.

Esse drama da educação é muito preocupante. Também como já se comentou aqui (4/2), dois terços das 93 mil vagas oferecidas no ano passado pelo Sistema Nacional de Emprego não foram preenchidas pelos 188,5 mil candidatos goianos - por falta de formação educacional mínima.

E vários outros fatores contribuem para o quadro. Um deles certamente é o nível de concentração da propriedade rural. Embora faltem dados mais recentes sobre o panorama no Estado - que tradicionalmente é dos que registram maior concentração -, basta ver os números nacionais mostrados recentemente pelo IBGE: 47 mil grandes propriedades agrícolas no País concentram 43% do “território agrícola”, enquanto 2,4 milhões de pequenas propriedades têm, juntas, 2,5% desse território. Goiás não é diferente.

Esses números ajudam a entender o quadro goianiense. A capital, que tinha 48 mil habitantes em 1940 - quando a população total do Estado era de 826 mil pessoas -, em 1980 já passara a 717 mil, num Estado com 3,86 milhões de habitantes. E está agora com cerca de 1,3 milhão, num dos Estados com menor proporção de população rural. Ou seja, o êxodo rural de pessoas de baixa renda e qualificação profissional é uma das explicações. Pesquisa feita em 1996, casa a casa, em cinco setores nos quais trabalhava o Instituto Dom Fernando (Jardins Aroeira, Conquista e Xingu, Dom Fernando I e II), mostrou que 91% das pessoas não eram nascidas em Goiânia - haviam migrado do interior ou de outros Estados. E a quase totalidade tinha no máximo curso primário.

Há ainda outros fatores, de ordem não apenas goianiense, para explicar a concentração da renda. Segundo o Ipea, a população de renda mais baixa tem 46% de sua renda consumida pelo pagamento de impostos indiretos (que nem percebe), como o ICMS; enquanto isso, os 10% de renda mais alta consomem apenas 16% dos seus rendimentos para pagar os mesmos impostos.

Mas há fatores goianos: como a transferência e concentração de renda - tantas vezes já comentada aqui - que é produto do sistema de incentivos fiscais a empresas. No último número divulgado, ao longo de vários governos estaduais, mais de R$ 80 bilhões deixaram de ser arrecadados, com as empresas deixando de recolher aos cofres públicos 70% do ICMS embutido no preço de seus produtos e pagos pelos consumidores. Isso, num Estado onde a arrecadação está pouco acima de R$ 10 bilhões por ano. Só no ano passado foram perto de R$ 10 bilhões de “incentivos”, numa unidade da Federação que enfrenta problemas dramáticos em seu sistema público de saúde, graves deficiências na educação e em outras áreas.

Não bastasse isso, parte dos beneficiados deixa de recolher também os 30% de ICMS devidos e só vai pagá-los com títulos da dívida arrematados em leilão por 1% de seu valor nominal. E a dívida ativa de empresas no Estado já está além dos R$ 5 bilhões. Fora R$ 1 bilhão que o Ministério Público tenta cobrar em 177 inquéritos na Justiça de empresas que fraudaram o Fisco (O POPULAR, 28/3).

Com tantos números e evidências, não estranha que a capital ocupe aquela colocação na pesquisa da ONU. De 1940 a 1980, a população urbana cresceu 35 vezes. E ainda assim Goiânia era, no início dos anos 80, uma cidade admirável, ainda sem a periferia muito pobre que hoje a cerca, e com índices baixíssimos de violência (o editor de notícias policiais do jornal que o autor destas linhas veio dirigir em 1982 todos os dias dizia que não tinha notícias para preencher a meia página que lhe era reservada; hoje, precisaria de todo o jornal e um pouco mais). Nesses 27 anos, a população quase dobrou de novo e a cidade, ao que parece, transformou-se em centro de distribuição de drogas. O desemprego entre jovens chegou a níveis assustadores, mais de 50% na faixa entre 15 e 24 anos.

É preciso mudar o quadro social. Mas, para isso, um primeiro passo inevitável será recuperar a receita do Estado, abalada com a política de incentivos fiscais que prevalece há décadas. Para concentrar menos a renda. Oferecer serviços públicos mais eficazes. E readquirir condições de dar à população a formação educacional e profissional que a leve a aumentar sua renda.

Washington Novaes é jornalista

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