ANÁPOLIS
Saúde - Falta de médico é o calcanhar-de-aquiles
Prefeitura está reorganizando toda a rede de saúde e lança programas, mas esbarra na dificuldade para contratar principalmente pediatra e clínico-geral
CEZAR SANTOS
A paciente se dirige a uma unidade da rede pública de saúde e não consegue atendimento para o seu filho. A cena é corriqueira em todo o Brasil e não tem sido diferente em Anápolis, onde esse tipo de situação tem sido denunciado em programas de rádio que abrem espaço para o povo reclamar. O déficit de médicos na rede municipal de saúde é admitido pelo secretário Wilmar Alves Martins, um advogado de 57 anos, experiente funcionário do setor, há mais de 30 anos servidor do Ministério da Saúde e que também foi diretor-administrativo da Fundação Nacional de Saúde (FNS).
Concurso aberto para contratação de médicos não teve êxito - ou teve êxito parcial, já que não preencheu todas as vagas -, e a Secretaria Municipal de Saúde conseguiu, com intermediação do Ministério Público, deixar aberto um processo seletivo nesse sentido. Ou seja, as vagas para médicos estão abertas em caráter praticamente permanente na cidade. O secretário municipal da Saúde informa que o órgão conta hoje com um total de 250 médicos para atendimento de toda a rede. “O déficit neste momento é de 30 profissionais”, estima o secretário Wilmar Martins.
No final do mês passado, a Prefeitura de Anápolis lançou um pacote de ações para a área de saúde. Trata-se do Programa Saúde para Todos, que deu início à entrega de 15 novos veículos para dar apoio às unidades de saúde específicas e a assinatura de ordem de serviço para reforma e ampliação de 12 postos de saúde. O pacote (ler texto abaixo) traduz a priorização que o prefeito Antônio Roberto Gomide (PT) tem dado ao setor, historicamente carente de soluções pela enorme demanda.
Em que pese essas ações, o problema da falta de médicos persiste. A população reclama, as autoridades reconhecem o problema. É importante observar que a falta de médicos não é questão afeta à atual administração municipal e certamente que agora o problema talvez esteja até menos agudo. Mas o problema persiste, e já que se fala de saúde, uma analogia que pode ser feita é que a falta de médico na rede pública de Anápolis, que sempre foi uma chaga exposta, agora deixou de purgar, mas continua infeccionada. Urge fazer alguma coisa, um tratamento efetivo, sob risco de essa ferida gangrenar.
Planejamento
Walmir informa que ao assumir, a equipe do prefeito Antônio Gomide fez um diagnóstico da situação da saúde no município, quando se levantaram as principais dificuldades. “Para se ter uma ideia, havia total falta de investimento na saúde, uma vez que na gestão anterior não tinha sido aplicado nem o porcentual obrigatório constitucionalmente. Havia problemas na área de recursos humanos que afetavam todo o atendimento. Faltava investimento em infraestrutura, faltava equipamento, faltava material, faltava medicamento”, enumera o secretário. Com o diagnóstico em mãos, foi feito o planejamento. “Esse planejamento está sendo executado.”
No final do mês passado, com o lançamento do pacote de ações para a área, a Secretaria de Saúde de Anápolis começou a materializar esse planejamento de forma efetiva, numa concorrida solenidade realizada no hall do Centro Administrativo. No lançamento do Programa Saúde para Todos, veículos novos foram distribuídos como forma de dar mais agilidade aos serviços.
As unidades de Estratégia Saúde da Família (ESF) receberam seis furgões Fiat Dobló e três Volkswagen Gol; a Vigilância Sanitária Municipal e a equipe de logística (responsável pela entrega dos medicamentos nos postos) ganharam uma camionete Ford F-350, cada. O Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) ganhou mais uma ambulância, modelo Fiat Ducato; o Hospital do Idoso e o Atendimento Domiciliar de Saúde Bucal, uma Kombi Volkswagen, cada; e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família, um Fiat Dobló.
Ainda houve a assinatura das ordens de serviço para ampliação de dez postos de ESF, nos Bairros São Joaquim, Adriana Parque, Alexandrina, Dom Emanuel, JK, Vivian Parque, Maracanazinho; Jardim Suíço e Vilas Fabril e Santa Maria de Nazaré. As Unidades Básica de Saúde (USB) dos distritos de Interlândia e Goialândia também foram contempladas.
O secretário municipal de Saúde informou no evento que o pacote de ações não se limita à entrega de veículos e reformas das Unidades de Saúde, mas que conta com dezenas de benefícios, entre obras, execução de serviços e aquisição de equipamentos para os vários níveis de atendimento a saúde. “São inúmeras ações com um único objetivo, prestar um atendimento de qualidade e condizente com a necessidade dos anapolinos”, disse. De acordo com Wilmar Martins, um dos principais focos do programa é promover a descentralização dos serviços prestados.
Já o prefeito Antônio Gomide reafirmou o compromisso com a melhoria do setor como um todo, bem como a disposição de não fugir dos problemas. “A entrega desses veículos e assinatura das ordens de serviço simboliza um novo momento que esse programa proporciona para o município. Uma ação como essa Anápolis nunca viu. Há muitas reclamações em torno da Saúde, muitas vezes fatos isolados, mas não estamos correndo dessa responsabilidade. Estamos enfrentando e apresentando ações concretas para sociedade.”
Gomide destacou que sua administração está investindo pesado na área de saúde e que nos próximos 90 dias muitas ações que compõe o pacote do programa Saúde para Todos serão entregues para a população. “São medidas planejadas e que permitem um salto de qualidade para cidade.”
Mais ações
Além da reforma e ampliação das 12 unidades de saúde e a entrega dos veículos, ainda está previsto, dentro do cronograma do programa Saúde para Todos, a inauguração do Centro de Reabilitação e Fisioterapia de Anápolis, a inauguração do Centro Municipal de Diagnóstico por Imagem (CMDI), e Centro Cirúrgico do Hospital Municipal Jamel Cecílio.
Ainda no mês de julho será feito o lançamento do programa Saúde nos Bairros, a implantação da nova Central Odontológica da Vila Jaiara, a implantação da Farmácia de Medicamentos de Alto Custo, início do funcionamento do plantão 24 horas do Cais Jardim Progresso, entrega do Consultório Odontológico do Hospital Municipal Jamel Cecílio — que funcionará 24 horas —, a formatura dos alunos do Projeto Samuzinho e a realização do projeto Escolas Promotoras de Saúde, onde são realizados de exames dos alunos triados para confecção de óculos que serão doados pela Prefeitura Anápolis.
“Anápolis não é uma ilha”
Dois anapolinos experientes e conhecedores da área falam sobre a saúde
Eizechson Brasil Gomides — clínico e cardiologista, foi superintendente da Secretaria Estadual de Saúde (1999 a 2002)
Anápolis não é uma ilha na área da saúde, tem os mesmos problemas que há no País inteiro, com raras exceções em alguns lugares. A saúde pública no Brasil foi relegada a segundo plano por muito tempo, apesar dos projetos serem bons, como o SUS, que é um avanço reconhecido mundialmente, mas que não prática tem deixado a desejar.
Anápolis não é diferente. Ainda temos grandes deficiências, em que pese o esforço de alguns administradores. E o prefeito Antônio Gomide tem se esforçado em Anápolis, com mérito em algumas áreas. Mas a verdade é que ele não conseguiu equacionar ainda o problema da saúde em Anápolis. E acho que não é uma gestão só que vai equacionar esse problema. Isso passa por várias gestões, porque é um problema crônico. Além de ser crônico, é uma área muito sensível e mais, ainda, cara, que a cada dia se torna mais cara em função da tecnologia e das demandas.
Saúde é uma solução difícil, em que pese o esforço dos administradores. Não acredito que alguém entre na Prefeitura ou no governo sem a intenção de fazer algo. Mas quando chega lá, o quadro é diferente.
Em Anápolis, repito, não existe equacionamento definitivo, embora exista esforço na melhoria. Hoje, algumas coisas funcionam melhores que no passado em função de ter havido investimento também no passado. Por exemplo, a construção do Hospital de Urgências de Anápolis (Huana), que é um bom exemplo disso. O Huana tem funcionado bem, dentro de suas características, apesar da sobrecarga da demanda, como acontece em todos os lugares onde tem uma unidade que funciona bem e que tem boa estrutura. Ele acaba não atendendo só o município de Anápolis. Mesmo porque não tem como fazer uma cerca e só atender o pessoal da cidade.
O Hospital Municipal sofre um problema crônico, por ser uma estrutura já ultrapassada, portanto de difícil administração, e que tem uma demanda muito grande. E lá tem o problema sério que é a falta de profissionais médicos. Às vezes faltam médicos, como faltam em outros lugares. Podemos ver isso na imprensa. Nos concursos que se fazem para contratar médicos às vezes nem aparece candidatos, por causa da remuneração muito baixa em relação ao que é exigido do profissional.
Considero que a falta de profissional é o principal problema da saúde em Anápolis hoje. Isso ocorre porque o órgão público, o SUS principalmente, não tem uma política de cargo e carreira dentro de seu quadro, para remunerar o profissional condignamente para que ele trabalhe em bases satisfatórias em termos salariais.
Além das condições de trabalho, que na maioria das unidades são precárias. No Hospital Municipal aqui em Anápolis, principalmente, é muito ruim a estrutura. É uma estrutura velha, arcaica, em que foram feitos remendos. Conheci o hospital, era um blocozinho pequeno, um pronto socorro, onde trabalhávamos um médico, um porteiro e uma enfermeira. Hoje é uma estrutura grande que cresceu com adendos e puxadinhos.
Médicos não querem trabalhar lá por isso, as condições são muito ruins. O ambiente de trabalho é ruim, o aspecto do lugar, sem conforto. O médico clínico entra lá para fazer um plantão de 24 horas e atende 150 pessoas num dia, isso é desumano. Não existe medicina bem feita atendendo-se mais de quatro pacientes por hora.
Então o que se está fazendo no HM é um arremedo de saúde.
Mozart Soares Filho — médico pediatra, atualmente secretário de Desenvolvimento Econômico, foi secretário de Saúde de Anápolis por duas vezes (1980 e na década de 90, nas gestões de Wolney Martins).
Quando Antônio Gomide assumiu a Prefeitura, a rede pública era praticamente a mesma, o mesmo Hospital Municipal que foi inaugurado na década de 70 por Jamel Cecílio. A população cresceu, as demandas aumentaram e Anápolis é um polo de referência do Médio-Norte goiano e o HM tem o mesmo número de leitos de décadas atrás.
A Santa Casa até cresceu, mas todos os hospitais, principalmente a maternidade, que é filantrópica, vivem com dificuldades, correndo o risco até de fechar as portas, por que não consegue tirar sua CND (Certidão Negativa de Débito) e por isso não pode receber verbas de convênios.
Neste um ano e meio houve uma melhoria significativa na rede básica, mas a demanda que estava reprimida não foi atendida ainda. Essa demanda não é de agora, é de 5, 10, 20 anos atrás.
Fez-se uma campanha de fila zero de cirurgias, e avançou-se bastante em cirurgias de catarata, exames de alta complexidade. Mas não temos um centro de referência. E os hospitais privados também estão em grande dificuldade por que o setor público não paga uma tabela adequada em termos de custo.
O setor público não se preparou principalmente no setor de emergência. Em traumatismo foi resolvido, mas com a demanda aumentando, se não tomar providência agora em termos de ampliação, teremos sérios problemas em pouco tempo no Hospital Henrique Santillo, que já está operando no limite.
Uma questão séria é o problema salarial. Há uma insatisfação generalizada do pessoal da saúde com os salários efetivamente pagos. O que estamos vendo hoje em Anápolis é um problema de emergência na área clínica, principalmente na pediatria, por que não se encontram profissionais. E é difícil encontrar por causa dos baixos salários pagos.
Ocorre que houve uma inversão, por que hoje a taxa de natalidade no Brasil diminuiu sensivelmente, e com isso houve um desestímulo na área de pediatria.
Evidente que a Prefeitura está fazendo investimentos dentro daquilo que pode ser oferecido. O prefeito conseguiu recursos para a instalação de uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), que poderá minorar um pouco esses problemas que estão surgindo de forma mais aguda.
A falta de profissionais médicos é um dos problemas mais graves que a população de Anápolis enfrenta nesse momento. Um dos problemas é a valorização do profissional da saúde em todas as áreas, não só médico, mas enfermeiras, bioquímico, fisioterapeuta, enfim, todo o pessoal envolvido.
Mesmo porque não adianta ter o profissional e não dar condições técnicas para ele desenvolver seu trabalho. Hoje, todos sabem, há avanços tecnológicos, mas o hospital público não comparece, com raras e honrosas exceções, como o Sara Kubitschek, em Brasília, um oásis no meio do deserto.
Normalmente a gestão pública é mais refratária à modernização. O prefeito está tentando contornar problemas crônicos dentro do Hospital Municipal, fazendo adaptações numa unidade construída numa época em que as exigências da Vigilância Sanitária eram completamente diferentes de hoje.
As ações são medidas emergenciais para atender uma demanda reprimida. Está sendo feito um planejamento, investimento, para operar a estrutura. Mesmo por que se não operar a estrutura, estaremos sempre em campanha e sempre correndo atrás dos problemas, e não resolvendo os problemas.
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