LÚCIA VÂNIA
“Aliança do PP não tem peso eleitoral forte”
Senadora avalia que o PSDB ganhou ao ter um político jovem como José Eliton, do DEM, indicado vice de Marconi Perillo na chapa majoritária
A tucana Lúcia Vânia acredita que a campanha ao governo em outubro pode ser resolvida já no dia 3, com a vitória de seu colega senador Marconi Perillo. "Pela forma do Marconi conduzir a campanha ele tem chances de ganhar no primeiro turno. Ele é muito insistente e determinado. Primeiro pela densidade eleitoral que tem, e depois pela base do PSDB, que hoje é bastante fortalecida", afirma a senadora, que concorre à reeleição.
Lúcia fala também de política nacional e diz que o seu partido tem de mostrar à população que foi o governo de Fernando Henrique Cardoso que criou os programas de assistência social hoje executados pelo PT. A diferença, ela destaca, é que os tucanos tinham foco nos serviços que os programas resultavam, ao passo que o governo Lula prioriza a transferência de renda, que é mais fácil e rende mais eleitoralmente ao PT. "Este governo tem muita dificuldade para operar os programas por que os ministérios estão aparelhados", sentencia. Estes e outros assuntos são temas da entrevista que segue.
Cezar Santos — Coligações fechadas, a sra. chegou a temer que o DEM não se coligasse com o PSDB?
Tudo é possível. Nunca parti do princípio que aliança de uma eleição tem que ser a mesma da outra. Cada eleição tem que trabalhar as alianças de acordo com o momento, com a correlação de forças do próprio Estado. Sempre entendi que tanto o PSDB quanto o DEM tinham todo o direito de postular candidato próprio, mas claro que torci para que eles viessem. Não cheguei a temer, ter receio de que não viessem.
Cezar Santos — A maior liderança do DEM goiano, deputado Ronaldo Caiado, declarou neutralidade, ou seja, não vai apoiar Marconi na candidatura ao governo. É um complicador?
Acho que não. Ronaldo tem o estilo dele. Ele foi uma pessoa muito democrática. Nesse episódio percebeu que os companheiros tinham a tendência de ficar na aliança com o PSDB e ele se comportou como um líder. Foi muito correto com os companheiros e teve papel importante. Não permitiu que suas dificuldades pessoais viessem a interferir nos rumos do partido. Acho que a história vai fazer justiça a esse gesto dele.
Euler de França Belém — A aliança de hoje na verdade é bem parecida com a de 1998 e a de 2002. Em 2006 o DEM não apoio o Alcides. Mas agora parte do PP está com Marconi. Semana passada conversei com os oito maiores prefeitos pepistas, todos apoiam Marconi. Não se pode desmerecer a cúpula do PP porque ela é importante, o governador Alcides é um líder político qualitativo, mas a aliança está muito parecida com as anteriores, tirando a de 2006. Vou dar três exemplos, o prefeito de Itumbiara (José Gomes) apoia Marconi; o de Águas Lindas (Geraldo Messias) e de Formosa (Pedro Ivo) apoiam Marconi, são prefeitos muitos qualitativos em termos de votos. Essa aliança na realidade não está muito ligada em relação à aliança de 2006?
Não vejo assim, tem aí uma nova aliança. O PP fez um conjunto de alianças, que até então não tinha. O PP enquanto partido tem a dissidência, é obvio, porém fez um leque de alianças que não havia antes. Tinha uma aliança mais centrada no PSDB. Hoje agrega três outros partidos, o PR, o PSD e o PDT, que são os que têm representação nacional. Eram até então partidos de esquerda. O PP faz nova aliança e o PSDB adquire parte do PP, mas o PP partido tem nova configuração.
Cezar Santos — Então o PP conseguiu implantar a tal terceira via de fato na política goiana?
Ele fez suas alianças. Mostrou que é partido, quando fez novas alianças, mas acredito que eleitoralmente tem um problema. Esses partidos que fizeram essa aliança não têm eleitoralmente um peso forte. Digo o voto partidário, eles têm uma densidade eleitoral mais baixa. Acho que o que diferencia a aliança do Marconi é a densidade eleitoral, que é muito forte, dentre as três chapas que estão aí. A do Marconi é disparadamente a mais forte.
Sarah Mohn — A chapa governista deposita as fichas no fato de Vanderlan Cardoso ser uma novidade e cita o exemplo de Marconi em 1998, eleito com a marca da novidade. Mas como a sra. mesmo diz, o que garantiu a vitória há 12 anos foi a densidade eleitoral de todos os partidos aliados a Marconi.
Era diferente, o Marconi era jovem, desconhecido, mas com o grupo que tinha densidade eleitoral já testada em eleições anteriores. Esse grupo tinha disputado com Roberto Cunha, quase ganhou; tinha disputado com Caiado e eu, e quase ganhamos. Todo esse pessoal atrelou ao Marconi. A densidade eleitoral de 1998 foi muito mais forte do que o desconhecimento.
Sarah Mohn — Só pelo fato de ser uma novidade Vanderlan tem chances de ganhar a eleição?
Eleição sempre é uma surpresa, mas acho que pela matemática é difícil. Conseguiram formar uma aliança com novos componentes, mas essa aliança não tem a densidade eleitoral que tem a chapa do Marconi.
Euler de França Belém — A aliança do PMDB com o PT é nova e diferente. Iris conseguiu fazer a aliança que, embora não tenha candidato a vice, tem candidato a senador na chapa. E ele, Iris, vem com imagem diferenciada de 1998, modernizada. Foi muito bom gestor em Goiânia, investiu em meio ambiente. Antes era preocupado só com a infraestrutura, mas agora fez esse trabalho diferenciado. Ele não é para o Marconi um candidato muito mais difícil que o de 1998?
Adversário é sempre adversário, não existe nem fraco nem forte. Acho que esse é um embate que demanda acerto na campanha. Quem acertar mais leva mais. Iris, não se pode negar, tem uma densidade eleitoral expressiva, a aliança com o PT é uma aliança positiva, "moderniza" o discurso, mas das três chapas quem vai dar trabalho é o Marconi.
Euler de França Belém — Essa é uma eleição para dois turnos?
Pela forma do Marconi conduzir a campanha tem chances de ganhar no primeiro turno. Ele é muito insistente e determinado. Primeiro pela densidade eleitoral que tem e a base do PSDB, que hoje é bastante fortalecida.
Euler de França Belém — O Marconi de 1998 e 2002 tinha poucos desgastes. O Marconi de 2010 tem mais desgastes até porque passou por uma fase de governo fazendo oposição a ele. Tem muitas críticas de que teria quebrado o Estado e que o governo teria passado cinco anos tentando recuperar o Estado. O PMDB vai investir nessa tese de que os dois governos do PSDB quebraram o Estado. O que responder sobre isso?
Vai depender muito do discurso que vão adotar. Eu sou sempre adepta do discurso de investimento. O PSDB tem todas as condições de não aceitar essa tese. Os resultados estão aí, não há dificuldade em ver isso. Acredito que ele vai ter condições de colocar isso muito bem. Não é por aí que vai ser as dificuldades dele. Não se pode implantar um discurso de uma coisa que está acontecendo ao inverso. O Estado hoje cresce acima da média nacional, gera emprego acima da média de todos os Estados da Federação. Como que com resultados desses, as pessoas vendo o resultado, vão colocar discurso contrário? Nenhum Estado cresce se não há investimento. Esse discurso pode dar conversa aqui ou ali, mas não tem consistência.
Euler de França Belém — Qual vai ser o discurso, o posicionamento do PSDB em relação ao governo Alcides, que tem um candidato ao governo?
Do PSDB não sei, não discutimos isso. Mas acho que um partido como o PSDB não tem que ficar olhando para trás, tem que olhar para frente. Acho que o candidato que vai ter sucesso nessa eleição é aquele que tiver mais condições de suscitar nas pessoas a esperança de que o Estado avance mais, vá além com comprometimento social, qualidade de vida. Quem tiver esse discurso estará na frente.
Sarah Mohn — Já foram definidos os nomes de seus adversários na disputa ao Senado. Esses nomes interferem em suas bases eleitorais?
Todo candidato tem seu peso político, sua base eleitoral. O que a gente tem que fazer é trabalhar mais e mais, é o que vou fazer. Acho que todos os candidatos, independentemente de ter filiação recente ou não, merecem respeito e podem atrair a atração do eleitor.
Sarah Mohn — Dizem que sua eleição ao Senado já estaria de certa forma garantida.
A candidatura ao Senado está muito vinculada à candidatura do governador. Se o governador vai bem toda sua chapa vai bem. É muito difícil você achar que o candidato ao Senado tem um peso diferenciado. Na verdade depende muito da condução da chapa.
Euler de França Belém — A sra. não acha um desrespeito ao Senado lançar um candidato como o Renner (da dupla Rick e Renner)?
Essas coisas são próprias no nosso sistema político. Acho que a reforma política é fundamental, uma reforma que faça algumas exigências para resgatar a credibilidade política. À medida que se fortaleçam os partidos, resgatem a credibilidade dos políticos, isso não vai existir. Isso é próprio do momento que nós vivemos.
Euler de França Belém — Marconi está propondo em seu projeto de governo a criação de 100 escolas técnicas e a transformação de todas as escolas do ensino fundamental em tempo integral. É importante?
Essa é a grande demanda desse momento. O que temos visto no interior é um volume enorme de demanda por trabalhadores qualificados e uma falta de mão de obra sem tamanho. Chegou o momento que Goiás não pode titubear mais em relação a capacitação técnica dos jovens e daqueles que estão ingressando no mercado de trabalho e mesmo de requalificar os nossos trabalhadores. Essas escolas técnicas são muito importantes. Embora o governo federal tenha feito a sua expansão e interiorização, acho que ainda tem muito a ser feito. Foram criadas as escolas, mas não foram criadas as fontes de sustentação dessas escolas. Tenho muito receito dessa expansão sem uma fonte específica de manutenção. São escolas pesadas, que demandam um volume de recursos grande, e acho que seria interessante que o Estado participasse dessa criação. Foi o que o ex-governador Geraldo Alckmin fez em São Paulo de forma muito intensa e com sucesso absoluto. Marconi está no caminho certo ao propor isso e se comprometer com a educação.
Euler de França Belém — Tem recurso para fazer isso, 100 escolas técnicas?
Acredito que isso poder ser feito com parcerias público-privadas. Em São Paulo foi feito assim. Há interesse enorme na qualificação dessas empresas que vêm para Goiás. Temos empresas com alto valor agregado. Como a Perdigão, citando empresas ligadas ao agronegócio, elas próprias qualificam, ajudam e participam ativamente, porque o interesse é também delas.
Euler de França Belém — A educação tem passado por sérios problemas. Há uma crise na Educação?
Esse problema é nacional, infelizmente é o quadro que nós temos. Os próximos governos estadual e federal precisam fazer esforço muito grande no sentido de resgatar uma melhor condição para a educação. A expansão foi muito trabalhada, mas não tivemos a continuidade do trabalho. O Ministério da Educação fortaleceu o ensino superior, mas teríamos que investir mais na qualificação. Investiu-se, mas o investimento precisa ser ainda maior. Não dá mais para falar em qualificação dos professores sem falar do piso salarial. Foi feito um grande esforço em Goiás com a UEG no sentido de preparar os professores, mas isso por si só não é o suficiente. E em relação a recursos para o futuro acho que o pré-sal vai dar uma resposta, um novo patamar para a educação. Enquanto isso não chega temos que trabalhar o Fundeb e dar possibilidade dos professores irem se qualificando.
Euler de França Belém — O PSDB em Goiás não é deficiente em se tratado de meio ambiente?
O PSDB talvez não tenha discurso, mas tem ações e projetos vinculados. O partido e seus pensadores têm tido uma preocupação muito grande. Tanto é que o Fernando Henrique tinha uma parceria forte com Marina Silva. Fizeram parcerias importantes no Acre, dona Ruth trabalhou muito a questão dos seringueiros.
Euler de França Belém — Não é importante uma candidatura como a de Marina Silva para forçar isso?
A Marina abriu um novo debate. Talvez seja o discurso mais diferenciado e pode se captar muito de humanismo. O discurso dela incomoda muita gente.
Euler de França Belém — Marconi também está propondo tornar o Ipasgo um centro de excelência e entregar a direção aos servidores. O que a sra. acha?
Fernando Henrique fez isso com intensidade, este governo menos. Fernando Henrique formou um grupo de secretários executivos muito fortes e hoje grande parte desses funcionários que foram qualificados nesses centos de excelência são funcionários que têm carreira de Estado. É a forma de se profissionalizar a administração pública. Fazer com que realmente essas carreira de Estado seja permanente. Sai um governo, entra outro e o Estado continua funcionando normalmente. E com isso se evita o aparelhamento do Estado.
Euler de França Belém — Como é ter Demóstenes Torres como companheiro de jornada?
Demóstenes e eu convivemos bem. Temos algumas diferenças e divergências, ele tem uma visão um pouco diferente da que eu tenho em relação a área social, direitos humanos, mas temos algumas afinidades importantes. Respeito muito o trabalho dele e ele respeita muito o meu. Na área dele é um parlamentar muito eficiente. A gente se complementa. Quando precisei do apoio dele, sempre tive. Em momento nenhum ele se negou a me apoiar naqueles projetos que eram de interesse do Estado de Goiás. Na questão da mulher, na lei Maria da Penha, mesmo discordando de um item ou outro, sempre respeitou minha posição. Temos trabalhos complementares, aprendemos a trabalhar juntos, principalmente nas questões de Goiás.
Euler de França Belém — E essa história de que a sra. é uma senadora de esquerda? Ou é de centro-esquerda?
Tenho certa moderação em questões que envolvem segurança pública, drogas, mulher, as minorias, tenho uma visão muito humanista. Sempre tive muita sensibilidade com o social e isso não é só discurso.
Fernando Leite/Jornal Opção
Senadora Lúcia Vânia fala à repórter Sarah Mohn e aos editores Euler de França Belém, Cezar Santos e Danin Júnior: "Falam que sou de esquerda, acho que é porque tenho certa moderação em questões que envolvem segurança pública, drogas, mulher, as minorias, tenho uma visão muito humanista"
“O PSDB criou toda a rede de assistência social”
Euler de França Belém — E a escolha do vice?
Fiquei muito entusiasmada. José Eliton Júnior (DEM) é um jovem preparado, apto a desempenhar qualquer função. É um advogado com especialização em direito eleitoral, filho de um grande amigo meu, José Eliton de Figueirêdo, muito importante na minha carreira. Eltinho tem uma formação e uma posição muito boa, até muito parecida com a do pai. Isso entusiasma qualquer partido por se tratar de um jovem competente que está iniciando sua carreira. Está entusiasmado e tem tudo para ser uma grande revelação. Acho que Ronaldo Caiado foi muito feliz nessa escolha e temos tudo para ter uma chapa dentro daquilo que a gente gostaria.
Euler de França Belém — Qual é o grande legado do Tempo Novo?
Não gosto muito desse slogan. Não tem nada mais forte do que o atual estágio do Estado. Um Estado que se abriu para o Brasil e o mundo. Goiás é um Estado que cresce acima da média nacional, gera emprego, e está se modernizando, se preparando, tem suas universidades. Nada é mais forte do que a realidade, do que as pessoas vivem no dia a dia. O Tempo Novo está aí para ser sentido e visto.
Sarah Mohn — O senador Demóstenes Torres (DEM) sugeriu que o candidato José Serra (PSDB) escreva uma carta ao povo brasileiro se comprometendo a não extinguir os programas sociais do governo Lula, assim como Lula fez aos empresários em 2002, garantindo que não alteraria a economia brasileira. O medo dos brasileiros quanto ao fim dos programas sociais pode levar o PSDB à derrota?
Absolutamente. Quem criou toda essa assistência social? Nosso candidato à Presidência da República não precisa dar essa explicação. Toda estrutura da assistência social que hoje está vigendo foi criada pelo PSDB e é fácil de demonstrar. Foi o PSDB que criou e implantou a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). Nós votamos a lei, de autoria do deputado Jutahy Magalhães (PSDB), eu implantei a Loas. Fomos responsáveis pelo salário mínimo do idoso e da pessoa com deficiência. Implantamos o Peti, que foi o primeiro programa de transferência de renda. E diferentemente do Bolsa Família, a Loas, que dá um salário mínimo para o idoso e o portador de deficiência, é o maior programa de renda mínima da América Latina, diferentemente do que dizem do Bolsa Família. Tínhamos criado o Bolsa Escola, Vale Alimentação, Vale Gás, esses todos foram fundidos pelo governo Lula no Bolsa Família. Quando Fernando Henrique deixou o governo já havia criado o cadastro único, que possibilitava essa fusão dos programas sociais. Quando deixamos o governo tínhamos 7 milhões de famílias atendidas, hoje são 12 milhões. Quando saímos, o Peti tinha 800 mil crianças, hoje são 750 mil, veja que diminuiu.
Euler de França Belém — Do jeito que é colocado parece que o Brasil foi descoberto em 2003, quando Lula assumiu o governo. Os jornais dizem que Dilma Rousseff vai priorizar o social e Serra a produção. Dilma priorizaria os pobres e Serra os ricos. Qual é o jogo aí?
Esse negócio de se fazer uma carta não significa muita coisa. Isso tem que ser sentido pelas pessoas. Lula fez isso para os empresários que estavam ali querendo ouvir aquilo. Os programas sociais são voltados para as pessoas mais humildes.
Danin Júnior — Reformulando a pergunta, como o PSDB pode reivindicar essa criação dos programas sociais?
Há um videozinho de cinco minutos que mostra como tudo isso foi criado. Basta colocar isso na televisão, vão entender direitinho. Não tem como negar que a Loas mantém o Nordeste do País. Todo idoso tem um filho, um neto, um bisneto na faculdade à custa de seu salário. Tem um estudo do Ipea (Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que mostra que 60% das pessoas de baixa renda do Nordeste vive com a Loas. Isso não se inventa, está lá. O Peti está lá. Grande parte desses programas foram criados pela dona Ruth Cardoso. Ela foi a mentora intelectual de todos esses programas de transferência de renda. Existe uma frase dela que ficou marcada. Ela dizia que se pegasse o dinheiro, colocasse em um helicóptero e saísse distribuindo nos municípios, era mais provável que as pessoas recebessem o dinheiro do que do jeito que estava. Isso demonstra que o dinheiro centralizado em Brasília, ao chegar ao município, ele se perdia inteiro. Os programas foram criação dela, de estudos que ela fez no Chile, no México. Ela foi a mentora do projeto Toda Criança na Escola, quando conseguimos colocar 85% das crianças nas escolas. Quando criamos a Bolsa Escola tudo isso era muito novo. Passar um dinheiro para a pessoa naquela ocasião era um absurdo. O dia que entreguei a primeira bolsa do Peti, no Mato Grosso do Sul, foi um escândalo. Não há como desmanchar isso. O grande erro do PSDB é que tem um pudor enorme em divulgar isso, porque dentro da visão do partido essa é uma questão de direito. Esse é o princípio que impede a divulgação.
Euler de França Belém — No caso dos medicamentos genéricos, parece que não tem "dono". O "dono" agora é o PT e o governo dele.
Veja um programa maravilhoso como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Para mim, ao lado do Peti, foi o segundo programa mais importante do governo Fernando Henrique. Foi a primeira vez em que foi focado o pequeno produtor fora da reforma agrária. Havia o discurso da reforma agrária, mas não havia fundo para assistir o pequeno produtor. Foi criado por um banqueiro, veja só, o Andrade Vieira, do Bamerindus (que foi ministro da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária no governo FHC). Se disser hoje que o Pronaf foi criado no governo de Fernando Henrique, é bem capaz de você apanhar, porque virou programa do Lula.
Euler de França Belém — A Lei de Responsabilidade Fiscal...
Lula pegou já criada. Eu fui relatora de todos os programas do governo. Fui relatora do Bolsa Família, do Primeiro Emprego, do Projovem, do Minha Casa Minha Vida. Todos os programas sociais desse governo vieram do PSDB. O cadastro que eles têm hoje do Bolsa Família já pegaram pronto. Ficaram um ano criticando o cadastro, mas é o único que existe. Claro que foi melhorado, foi checado, mas é o cadastro dos programas unificados, pronto. Quando implantei a Loas, uma coisa assim fantástica, foi a primeira vez que o deficiente passou a ter um salário. Nessa ocasião era comum o deficiente ser amarrado na perna da mesa para a mãe ir trabalhar. À medida que ele passou a ter um salário, passou a ser uma pessoa importante na família. Passou a ser um cidadão.
Danin Júnior — Um dos legados da dona Ruth foi a articulação do terceiro setor. O governo petista acabou com esse legado, na medida em que um dos grandes meios de corrupção atualmente são essas ONG´s?
Realmente, dona Ruth fez um trabalho muito bonito em relação a isso. A estrutura que a gente tinha não era suficiente para dar apoio a todas as crianças. Foi quando começaram as Oscip´s (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), que se caracterizavam como as empresas do terceiro setor. Ai vieram as Organizações Sociais (OS´s) e as entidades filantrópicas. Na época fizemos um levantamento, tinha entidades filantrópicas muito importantes, mas tinham alguns de fachadas. Procuramos dar uma saneada nessas entidades para que a gente pudesse lidar com as filantrópicas, as organizações sociais e as Oscip´s, que seriam chamadas de terceiro setor. Dona Ruth queria, com as Oscip´s, que entidades empresariais pudessem bancar algumas ações do Estado. O Estado faria os investimentos e, paralelamente, como ocorre em outros países, as grandes empresas também ajudariam nesse esforço em direção à educação. O governo Lula simplesmente desconheceu os objetivos e aí começaram os sindicatos, as entidades filantrópicas, as OS´s, empresas que foram criadas só com o objetivo de conveniarem com os Estados. As coisas se deterioraram de tal forma que grande parte dessas entidades hoje está em descrédito.
Euler de França Belém — O que se diz é que a Dilma é candidata forte, mas ela conta com toda a estrutura de governo. Na verdade, forte é José Serra, que tem resistido a tudo isso, ao ataque brutal da Dilma. De onde vem essa força do Serra?
Primeiro, a força do Serra vem do próprio partido, dessa história. Talvez não seja tão popular assim a história, mas existe um conceito de que naquela ocasião quem estava à frente eram pessoas sérias. E, segundo, acho que Serra, independentemente do partido, é uma personalidade forte e objetiva. Sempre nos lugares onde passou mostrou resultados. Quando ministro da Saúde conseguiu domar aquele ministério, considerado indomável, tal o volume de irregularidades que tinha antes da gestão dele. Chegou e viu que havia uma demanda enorme por cirurgias de catarata e logo começou com os mutirões para fazer cirurgias, coisa que ninguém tinha pensado. E isso mexeu com muita gente que não tinha mais esperança de enxergar. Serra quebra todos os parâmetros e estabelece grande parte dos conceitos da área social, muitas foram de iniciativa dele, como o seguro-desemprego, a questão do desenvolvimento regional, a criação dos Fundos do Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Na Constituinte ele teve papel muito forte. Depois ele encampou a Pastoral da Criança, em parceria com a dona Zilda Arns, para enfrentar a mortalidade infantil. Isso rendeu uma capilaridade de ação incrível. Em quatro anos de gestão diminuiu a mortalidade de forma muito expressiva. Depois veio a questão da aids, que era um desastre, com medicamentos caríssimos. Ele enfrentou e quebrou as patentes dos laboratórios americanos em um momento em que ninguém acreditava que isso era possível. Ele sempre foi um homem muito arrojado nas ações, sabe formar e trabalhar em equipe e busca obstinadamente resultados.
Cezar Santos — Aécio não ter saído na vice de Serra não enfraquece a chapa do PSDB?
Não, acho que não.
Cezar Santos — O deputado Índio da Costa (DEM) como vice de José Serra acrescenta?
Índio da Costa foi uma boa aquisição. É jovem, iniciante. À medida que ele vai conviver ali não tem nenhuma dificuldade. Está iniciando na cadeira dele agora. Vai conviver com pessoas que poderão enriquecer a sua maturidade e isso é muito bom. É um investimento muito bom. Achar que o vice fortalece o candidato é um pouco discutível. Temos que preocupar muito é com o potencial do candidato. É obvio que tem que ser uma pessoa que complementa no sentido da eventualidade de assumir.
Euler de França Belém — Na questão das drogas, se fala muito no consumo, mas não há, por exemplo, a preocupação em reduzir a entrada dessas drogas. A Bolívia triplicou a produção desde que Evo Morales entrou. A criação do Ministério da Segurança Pública proposta pelo Serra pode reduzir a entrada de drogas no Brasil?
Li o programa de combate as drogas e fiquei encantada. Serra acertou em cheio. Primeiro, droga não é questão de segurança pública e sim de saúde pública. É preciso fazer a recuperação dos dependentes químicos e a prevenção tem que estar com o Ministério da Saúde. A repressão deve ser feito por meio do Ministério de Segurança Pública policiando as fronteiras. Ele fala na criação de guarda nacional armada para as fronteiras. Hoje se chega a um município e a primeira coisa que pedem é um centro de recuperação, para se ter uma idéia do volume de pessoas dependentes. Serra não faz proposta para ter resposta midiática. Ele faz uma proposta que vai ao coração do problema. Quando fala que a droga é questão de saúde pública ele diz que não é apenas reprimir, é preciso saber tratar esse paciente. É uma série de áreas que precisam ser mobilizadas.
Euler de França Belém — Porque essa demora na negociação da Celg? Tem caráter político?
Acho que a questão da Celg é técnica. O governo federal tem encontrado dificuldade enorme para operar. O equívoco foi achar que essa questão se resolve politicamente, e aí se perdeu muito tempo.
Cezar Santos — O presidente Lula também induziu a isso, quando subiu em palanque em Goiânia e prometeu ao governador e ao povo goiano que a questão Celg seria resolvida em um ou dois meses?
Também. Só que quem dirige as estatais são técnicos e não se faz uma operação dessa envergadura sem que haja fundamento.
Danin Júnior — Várias decisões de Estado são políticas. Por exemplo, o BNDES liberou R$ 6 bilhões no ano passado para aquela usina de Estreito (TO-MA), mesmo tendo 26 questionamentos ambientais na Justiça. Algumas empresas estão deixando de vir para Goiás porque a Celg não consegue fornecer energia com qualidade. O Estado agora pode ter um colapso nessa parte de infraestrutura e o BNDES acha que isso é normal.
Quando se trabalha por uma estatal do porte da Celg você está trabalhando uma gestão. Quando você faz um empréstimo para a iniciativa privada, você faz um empréstimo e se não der certo você vai lá e traz de volta. Um estatal não quebra, é muito difícil, se faz uma intervenção lá dentro e não é isso que interessa ao setor elétrico. Eles querem uma gestão eficiente, ter controle sobre a situação. Nada faz politicamente, isso se faz dentro da viabilidade econômica. A Celg hoje não tem Cachoeira Dourada, Corumbá, não tem geradora, é uma distribuidora, e sendo uma distribuidora precisa de gestão. Não se faz isso dessa forma. Gestão do setor elétrico é especializada. Assisti a duas ou três reuniões na Eletrobrás e não se resolvia politicamente. A Celg não é a Celg, ela faz parte do sistema elétrico nacional. Temos aí eminência de apagões enormes e eles querem o controle da situação. Já era para ter sido feita a intervenção federal no governo de Fernando Henrique.
Danin Júnior — A sra. está se aproximando do final de seu mandato como senadora e pretende ir à reeleição. Qual o balanço destes oito anos de Senado?
Para mim é muito gratificante. Eu pude relatar, ser autora e pude conviver com minha bancada de forma harmônica. Um parlamentar, para ter sucesso em sua atividade, tem que ser operoso, não pode esquecer a base e ao mesmo tempo tem que ser um conciliador dentro de sua própria bancada. Qualquer aprovação de um projeto demanda um poder de articulação muito grande, primeiro internamente em sua bancada, e depois com as demais bancadas. Esse exercício político interno é fundamental para que se obtenha resultados. Muitas vezes para se conseguir a harmonia não se pode passar muito a linha divisória. Se estou relatando um projeto ele não depende só de minha bancada, depende das outras bancadas e do próprio governo. Para se obter resultados é preciso muita discrição na divulgação desse projeto, por que do contrário fica algo pessoal. E quando se leva para o lado pessoal dificilmente se tem essa troca. O exercício da conciliação, do relacionamento com as bancadas, é fundamental para se obter resultados expressivos. Fui relatora de projetos polêmicos como o ato médico. O ato médico envolvia 14 profissões da área de saúde, todas com a linha cinzenta de uma atividade esbarrando na outra. E houve uma mobilização no Brasil inteiro contra o ato médico, que é a regulamentação da profissão do médico, que até hoje não foi regulamentada. Consegui, depois de dois anos de negociação, chamando as partes, os maiores doutrinadores como Luis Gambra, Nelson Jobim, chamando consultores nas mais diversas áreas junto com os médicos e as demais profissões, consegui aprovar esse projeto no Senado por unanimidade. Não tive um voto contra, coisa que ninguém acreditava. O projeto foi para a Câmara, gerou uma série de polêmicas, foi colocado em votação com algumas modificações, voltou para o Senado. Muitas vezes se aprova um projeto, mas se não busca um consenso você acaba atrapalhando a aprovação nas duas Casas. Tem que se aprovar na Casa, mas também trazer a Câmara para a discussão. Isso talvez seja o que faz com que as pessoas achem que eu deveria divulgar mais. Todos os trabalhos que fiz demandava não só a minha posição, mas um relacionamento com as diversas bancadas. Bancadas do próprio DEM, que fazia parte da minha base de sustentação, como a bancada de sustentação do governo. Por exemplo, aprovar a Sudeco (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste), que também foi por unanimidade, se deu exatamente buscando essa interlocução e essa relação que busquei manter durante os oito anos de mandato.
Cezar Santos — É um trabalho de bastidores...
É um trabalho realmente mais de bastidores. Se quer trabalhar responsavelmente, alcançar resultados efetivos, que envolve orçamento, melhoria para o seu Estado, se você quer isso tem que manter um diálogo permanente não só com a bancada que representa sua base, mas como também uma interlocução com o governo. Foi o que procurei fazer aprovando, o Fundo do Desenvolvimento do Centro-Oeste, aprovando esse relatório que foi publicado, a Lei Maria da Penha, que também foi polêmica, mas que também consegui aprovar por unanimidade. Redes de televisão em Goiás, como a Fonte da Vida, consegui a aprovação. Tudo que diz respeito ao Estado é preciso que haja uma interlocução muito forte entre os diversos setores.
Danin Júnior — Houve um envolvimento pessoal seu muito nítido na questão da Sudeco (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste). Como está agora a criação da superintendência?
Sou muito determinada nos meus objetivos. Enquanto não botar a Sudeco funcionando não fico quieta. A Sudeco foi aprovada e sancionada. A dificuldade que tivemos foi formatar o projeto, que é complexo. Tem que captar o momento econômico da região e tudo isso foi debatido. O projeto é redondo, e falta para sua instalação duas coisas que são fundamentais, regulamentar o fundo e fazer a aprovação da estrutura de pessoal. Agora sou presidente da Comissão de Orçamento. Já comecei agir no sentido de fazer com que o orçamento deste ano pudesse contemplar os recursos para sua instalação. A primeira etapa já consegui vencer, que é tirar o projeto do Planejamento para que ele venha para o Congresso. Esta semana ele deve estar no Congresso. É uma estrutura de pessoal enxuta, são só 150 cargos, então não vai ser difícil aprovar.
Danin Júnior — Essa vitória é importante por que, no cerne deste governo, acham que o Centro-Oeste pode se virar sozinho. A sra. concorda?
Não tenho dúvida disso. Toda luta que estamos tendo para a criação e instalação da Sudeco se deve muito a essa visão que se tem lá fora, principalmente do governo, de que a região Centro-Oeste resolve por si só. É uma região rica que não tem muitos problemas. É a visão totalmente equivocada que muitos têm. Sempre digo que temos crescido acima da média nacional, muito em cima do esforço dos próprios goianos. A renúncia fiscal trouxe empresas com tecnologia avançada, alto valor agregado, como Hyundai e a Mitsubishi, e outras do agronegócio, mas trás também grandes demandas e à medida que o governo não tem fundo específico para investir nessa atração de empresa, e tem que fazer isso através da renúncia fiscal, isso faz com que o Estado também sofra algumas dificuldades para cumprir as demandas que vêm desse desenvolvimento. Acho que os governos de Goiás têm feito um esforço hercúleo para ao mesmo tempo promover o desenvolvimento, abrindo mão de uma parte de seu recurso mais importante, que é o ICMS, e procurando atender a demanda que esse desenvolvimento provoca com essa nova perspectiva econômica que se faz com a vinda dessas empresas. Assim elas vêm, mas também têm grandes demandas na área de energia, estradas, escolas. Isso a gente percebe perfeitamente quando a gente vai ao interior. Tem as grandes empresas que geram emprego, fazem a alegria das pessoas do município, elas significam desenvolvimento, mas ao mesmo tempo exigem do administrador local um esforço enorme para atender uma maior demanda na área de saúde, escolas, estradas vicinais. Tudo isso tem sido feito com esforço enorme tanto dos governos municipais quanto estaduais. Nosso Estado, por ser um Estado que responde de forma efetiva a esses investimentos, gerando emprego e uma renda maior, dá certa tranquilidade ao governo federal, que exige cada vez mais esforço da nossa região. Chegou o momento que temos que dar um basta nisso e acho que o caminho é fazer a reforma tributária. Não conseguimos fazer a reforma tributária porque quando vamos discuti-la não se leva em conta este esforço que o Estado de Goiás fez para o seu desenvolvimento, não querendo compensar o esforço de forma efetiva, criando um fundo específico. E ao mesmo tempo querem tirar a nosso único instrumento de desenvolvimento, que é o incentivo fiscal.
Danin Júnior — Depois da Lei Kandir, o governo federal tem credibilidade para falar em fundo compensatório?
Não, e é por isso que a reforma não sai. A lei Kandir é o exemplo típico de que a compensação não funciona.
Danin Júnior — Porque o PAC em Goiás é tão lento?
Acho que não é só em Goiás. Se pegar o desempenho dele total se vai ver que há uma dificuldade enorme de aplicação dos recursos. A dificuldade se dá por não haver planejamento. Coloca-se um dinheiro na obra sem que esteja licitada, sem as licenças ambientais corretas. Nesse meio tempo, quando se precisa operar a obra, tem embargos. O TCU (Tribunal de Contas da União) tem mostrado isso de forma muito intensa. Esses embargos fazem com que o dinheiro fique retido. Hoje estamos promovendo na Comissão de Orçamento um grande debate em relação ao remanejamento dos recursos do PAC. O governo agora pede a autorização para remanejar 30% das obras do PAC, porque grande parte dessas obras está embargada, ou por licença ambiental ou superfaturamento. Ou por outra razão que, se for buscar o fio da meada, vai se dar na falta de planejamento estratégico. Se pega o PPA (Plano Plurianual), que é o instrumento mais forte de planejamento do governo, você vai ver que não bate com a LDO e com a lei orçamentária. Ele está numa direção, a lei orçamentária noutra e a lei de diretrizes orçamentárias noutra direção.
Danin Júnior — Todo ano o TCU emite o relatório sobre a prestação de contas do governo. Neste ano, salvo engano, são 27 ressalvas. No ano anterior também um número elevadíssimo. O Congresso lê esses relatórios e não diz nada, fica por isso mesmo?
É muito difícil a Comissão de Orçamento ter força para mudar essa situação. Não tendo planejamento não se tem uma diretriz para cobrar. Gostaria que o povo brasileiro entendesse o que é o PPA e o que é a lei orçamentária. As duas coisas, que deveriam ser harmônicas, não se casam. Quando vem a ressalva, o governo às vezes passa por cima. A nossa burocracia está estruturada dentro do princípio de que todo mundo é esperto e vai tirar proveito. Quanto mais se descobrem desvios, mais ela vai fechando. À medida que ela a fecha se torna quase que inoperável. Estamos chegando numa situação em que o Orçamento dificilmente pode ser alterado, pelo menos 50% dele, com a burocracia que temos hoje, não pode ser alterado.
Danin Júnior — Nas regiões onde houve as tragédias das chuvas, no Nordeste, nas alíneas do orçamento está lá: recuperação de áreas de preservação das margens de rio. Chegou essa época do ano e não tinha nada recuperado.
Isso é falta de planejamento.
Danin Júnior — Mas estava previsto no Orçamento.
Tem rubrica orçamentária, mas não tem planejamento. Você mapeia as áreas degradadas onde tem ocorrência de desastres. Nessa área se foca todo o planejamento e as rubricas orçamentárias que serão feitas com um cronograma de um ano, dois anos, três anos, cinco anos. Isso não existe. Quais são as áreas de risco hoje no País? Todos os anos são as mesmas. Cada Estado sabe, isso vem lá de cima. Não existe planejamento e o Orçamento é um instrumento de barganha política.
Danin Júnior — E 67% das verbas do Ministério de Integração foram lá para a Bahia, Estado do ministro.
Nosso Orçamento está praticamente todo engessado, tantos por cento para a Saúde, tantos por cento, para a Educação, pessoal... o que sobra para investimentos são cerca de R$ 8 bilhões.
Danin Júnior — A sra. acha que vai haver essa mudança constitucional, desvinculação dos recursos da União?
Acho que não temos o amadurecimento para desvincular. Infelizmente essa é a verdade. Acho que tem que ficar por um tempo por que se não se vincular a Educação, ninguém vai investir em Educação. Se não vincular a Saúde, não vão investir em Saúde. É muito mais fácil se investir em uma obra importante do que em uma ação continuada.
Cezar Santos — Mesmo obrigados, muitos governadores e prefeitos não cumprem a Constituição.
Não cumprem. É difícil. Hoje se manipula tanto por parte do executivo quanto por parte do legislativo. Exercer um controle sobre o orçamento é muito difícil. O executivo está engessado. Tantos por cento para o pagamento da dívida, tantos por cento para Educação, tantos por centro para a Saúde, Segurança Pública e aí vai indo. Você tem uma margem de manobra muito pequena. Se você tem um recurso parado na Saúde, que você poderia usar naquele primeiro momento para uma emergência, você não pode, não tem como lidar com o orçamento, é inteiramente amarrado. Isso é muito ruim e só se quebra isso com a reforma tributária. Se houver a descentralização de recursos de forma efetiva, melhora bastante. Inclusive agilidade na aplicação do dinheiro.
Euler de França Belém — Como a sra. avalia o fundo que o deputado Sandro Mabel (PR) propôs para os Estados na reforma tributária?
Por que não passou? Primeiro se fez um levantamento do que significou o incentivo fiscal. O fundo para corresponder a isso tem que ser muito expressivo. E as fontes que o governo oferece para o fundo são fontes que a gente não tem confiança e o volume é bem inferior ao que o ICMS nos fornece. É claro também que é preciso clareza de que não poderemos usar indefinidamente o ICMS. Chega um ponto que as coisas não funcionam mais. Acho que já chegamos a um limite bem expressivo de renúncia fiscal, mas não podemos também, de repente, entregar isso sem a garantia que haja um fundo que venha corresponder ao que os Estados precisam.
Danin Júnior — O governo tem elevado os seus gastos, não só seu custeio, e as contas nunca ficaram com um déficit tão grande quanto agora. Sabe-se que o Plano Real foi montado em cima da credibilidade da moeda, do País e da própria autoestima da sociedade, foi um sacrifício muito grande. A sra., que foi colaboradora do governo Fernando Henrique, acha que está em risco essas conquistas do Plano Real em função desse descontrole de gastos do governo?
Há sempre essa preocupação, principalmente do PSDB. O que acontece é que a gente lutou e ajudou, por exemplo, a questão de reposição de professores nas universidades. É uma coisa justa, que tinha que ser feita. A questão da Educação, a gente tem sempre reforçado e nunca cobrado. Tem algumas coisas que a gente acha, eu pessoalmente, que passei pela Secretaria Nacional de Assistência Social e que pude entender que naquela ocasião tínhamos 5 mil funcionários. Com esses 5 mil funcionários a gente gastava cerca de R$ 300 milhões. Desse montante, o dinheiro que ia para a ponta, era 250 milhões de reais, isso em 1995. O dinheiro que chegava na ponta era bem menor do que o que a gente gastava na atividade-fim. Nós invertemos isso. Criamos o Fundo Municipal de Assistência Social, os Conselhos Municipais, descentralizamos as ações. Era assim a LBA (Legião Brasileira de Assistência), o Ministério de Assistência Social mandava o dinheiro para uma entidade, muitas vezes o prefeito sequer sabia que essa entidade estava recebendo o dinheiro, ninguém prestava conta. A LBA era um governo paralelo à prefeitura. A gente passou todo o dinheiro para a prefeitura. Se existe uma entidade no município, quem tem que conveniar com ela é o prefeito. Ele é que tem a responsabilidade de prestar contas e governar essa assistência social no seu município. Deixei a secretaria com 350 funcionários. Ninguém foi embora, foi relocado para o INSS. Veja a assistência social hoje, está tudo centralizado no ministério. Para se tirar um convênio... e nós criamos o repasse fundo a fundo. O dinheiro vai direto para o fundo. Eu tinha avançado um passo à frente que a prestação de contas deveria ser feita no TCE e não no TCU. Não deixei isso bem implementado porque os TCE´s não quiseram assumir, mas acho que uma obra no Estado deve ser fiscalizada pelo TCE e não pelo TCU. Se tem problema, uma denúncia, aí sim entra o TCU.
Euler de França Belém — A diferença crucial entre o investimento social, do governo FHC, e o do Lula, é que no governo FHC era um investimento social mais técnico. O do Lula foi absolutamente transformando em um investimento político. Não vão criar verdadeiro curral eleitoral nos Estados?
Nós temos as ações continuadas que são as capacitações, olha a assistência ao idoso. Tem a diferença do serviço e da transferência de renda direta. O governo Fernando Henrique deu ênfase aos serviços, o governo Lula deu ênfase à transferência de renda. É muito mais fácil botar o dinheiro no banco e mandar entregar para a família do que fazer o serviço. O serviço demanda você fiscalizar e acompanhar. É muito mais lento, mas muito mais produtivo por que se ensina a pessoa a sair daquele patamar. Você pega uma Bolsa Família hoje e pega o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), você pode pegar aqui no Estado de Goiás, o Peti é da minha época. Se você ver o Peti funcionando hoje em Goiás e como funciona o Bolsa Família. Se pode fazer uma comparação clara do que é o serviço e do que é a transferência de renda sem a intervenção da prefeitura.
Euler de França Belém — Onde está a diferença propriamente?
O Peti é um programa onde a criança vai para a escola e na parte da tarde ela tem aula de música, dança, reforço escolar, toda uma orientação que a prefeitura dá em parceria com o governo federal. O governo federal passa para cada criança que chega ao Peti um dinheiro para a prefeitura. É pequeno, mas como a prefeitura vê o resultado ela investe também e a bolsa que essa criança recebe fica sob a responsabilidade da prefeitura. Se a criança faltou um dia a bolsa abaixa um tanto, faltou dois vai abaixando. O governo só não fundiu o Peti com o Bolsa Família por que... eu chorava feito uma desesperada, uma louca. Dizia para o governo que o Peti não poderia ser anexado ao Bolsa Família porque tinha centralidade na Educação. Era um projeto com toda a preocupação na educação. Levar a criança para a escola, para que permanecesse na escola e tivesse sucesso na escola. Você pode perguntar qualquer prefeito, tem uns que funcionam bem outros mais ou menos, mas qualquer prefeito no Estado de Goiás vai dizer o que é o Peti. Temos campeãs em judô, em capoeira, temos crianças com iniciação em música em vários lugares. É totalmente diferente. É o que chamamos de serviço, já transferência de renda é dar o dinheiro. Eles tentam fazer com que a família que recebe o Bolsa Família tenha a obrigação de vacinar a criança. Coloquei a bolsa no nome da prefeitura porque dava ao prefeito a responsabilidade da presença da criança na escola e dava a ela o instrumento de forçar a permanência dela na escola. À medida que ela não vai, vai ser controlada. Acho que tenho uma tendência muito grande para operar, não sou muito de discurso. Isso faz com que você critique, mas também entenda as dificuldades. Jamais seria uma critica radical de quem opera, sabendo as dificuldades que tem uma operação. Agora, qual é a diferença desse governo. Ele opera muito mal, é uma coisa impressionante. Opera bem politicamente e mal na execução.
Cezar Santos — Essa dificuldade de operar não seria pelo fato de o governo ter aparelhado completamente a máquina estatal?
Exatamente, isso se dá porque os ministérios são aparelhados. Não sou daquelas que acham que o Estado tem que ser mínimo. O Estado nas áreas de educação e saúde tem que ser um Estado presente, mas não se pode aparelhar. Aparelhar é trabalhar com o insucesso, é jogar dinheiro no ralo. É essa crítica que a oposição às vezes faz de forma diferente da que estou falando aqui, mas é a verdade.
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